Crónicas de Páscoa
Das últimas duas semanas, reproduzem-se a seguir as crónicas com
reflexões provocadas pela Páscoa. Ontem, no DN, Anselmo Borges escrevia, sob o título Esperança enlutada:
Em Domingo de Páscoa, lembro E. P.
Sanders, da Universidade de Oxford, que, na sua obra A Figura Histórica de Jesus, quis dar uma visão convincente do
conjunto da vida do Jesus real (...). também sabemos que, "depois da sua
morte, os seus seguidores fizeram a experiência do que descreveram como a
"ressurreição: aquele que tinha morrido realmente apareceu
como "pessoa viva, mas transformada". "Acreditaram nisso,
viveram-no e morreram por isso". Assim, criaram um movimento, que cresceu
e se estendeu pelo mundo e mudou a história. Grande parte da humanidade foi
atingida por esse movimento e pela esperança que transporta de Vida eterna.
(texto na íntegra disponível aqui)
No Domingo passado, Vítor Gonçalves escrevia sobre Voltar à Paixão:
A salvação que Jesus trouxe
vive-se todos os dias em que vencemos a morte com mais vida, em que colocamos
todas as forças e qualidades ao serviço do maior bem, em que recusamos poderes
ou glórias pessoais para que a felicidade seja para todos. A paixão de Jesus
relembra-nos que a tentação de julgar é desculpa para não mudarmos, que a ânsia
de milagres pode ser recusa de uma relação de amor e confiança com Deus, que
mesmo num último momento é possível a compaixão e a abertura à vida sem fim.
Queremos entrar cada vez mais
nesta Paixão de Jesus, que nos apaixona por erradicar os calvários do mundo?
(texto na íntegra disponível aqui)
No dia 13, o mesmo autor escrevia sobre Tirar ou dar vida:
Poucos dias depois de assinalar-se
o Dia Internacional da Mulher, o encontro de Jesus com a mulher adúltera
do Evangelho de João revela uma actualidade premente. Segundo a organização
não-governamental Action Aid, a violência doméstica é responsável pela
morte de cinco mulheres por hora no mundo. No Largo Camões, em Lisboa, foi
inaugurada nesse dia 8 de março, uma exposição dos jornalistas Teresa Campos e
José Carlos Carvalho (da revista Visão) que percorreram Portugal para dar a
conhecer as histórias das 28 mulheres “mortas por quem dizia amá-las” ao longo
de 2015. Em 2014 tinham sido 42. A Action Aid prevê que mais de 500
mil mulheres serão mortas por seus parceiros ou familiares até 2030! Noutro
tempo e lugar, em contexto de infracção à Lei, Jesus deteve a fúria sanguinária
de quem queria agir “em nome de Deus”, para tirar a vida à mulher apanhada em
adultério!
(texto na íntegra disponível aqui)
Domingo passado, frei Bento Domingues escrevia sobre A Páscoa do
escravo:
Diz-se que o Papa alterou o ritual
da 5ª feira Santa: as mulheres já podem ser incluídas na cerimónia do lava-pés.
É uma forma miserável de anestesiar e reduzir o sentido da intervenção do Papa.
A alteração que o seu gesto visa provocar não é de tipo ritual, mas de acção
transformadora. Pertence ao seu programa de ver o mundo a partir dos excluídos.
Levar o centro às periferias.
(texto na íntegra disponível aqui)
O gosto perverso de acusar era o título da crónica de frei Bento, há
duas semanas atrás:
Nas sociedades ocidentais, esta
prática desarmada por Jesus já não é a mais comum. Em questões de sexo, vale
tudo ou quase, embora o voyeuirismo ainda alimente alguns meios de
comunicação social. Mas o gosto perverso de acusar, de encontrar alguém em
falta, dentro e fora das religiões, nos espaços sagrados ou profanos, diz-nos
que os fariseus e os escribas ainda não são uma espécie em
extinção. Quem dera! Mas ainda persiste o gosto de novas formas de apedrejar
“suspeitos” em praça pública.
(texto na íntegra disponível aqui)
Na semana passada, Anselmo Borges
escrevia sobre A paixão e a política:
Pascal observou agudamente nos
Pensamentos: “Jesus estará em agonia até ao fim do mundo; é preciso não
dormir durante este tempo.” Todos sabemos do “calvário” do
mundo, e as personagens são as mesmas.
(texto na íntegra disponível aqui)
No dia 12, o mesmo
autor escrevia, sob o título Bem-aventurados os ricos:
O que está em vigor são as
bem-aventuranças ao contrário, como escreve Jesús Mauleón:
"Bem-aventurados os ricos, porque têm “massa”, manjares, luxo e
abundância para pagar todas as suas necessidades e caprichos. Bem-aventurados
os ricos, porque muita gente crê que são mais respeitáveis do que os pobres.
Bem-aventurados os ricos, porque podem permitir-se ter à sua volta gente que os
serve e lhes recorda que o são. Bem-aventurados os ricos, porque, embora neste
mundo nem tudo se possa comprar com dinheiro, pode-se comprar tantas coisas e
tantas pessoas... Bem-aventurados os ricos, porque, quanto mais dinheiro
acumulam, embora não seja muito claro como, mais espertos parecem." Etc.
(texto na íntegra disponível aqui)
No comentário aos textos da liturgia católica deste domingo, Vítor
Gonçalves escreve, sob o título O dia novo:
Primeiro foi a espera. A dos
discípulos, tolhidos pelo medo, fechados talvez na casa onde Jesus os reunira
na ceia. E a de Maria, que foi ao túmulo, envolta num amor que o sofrimento não
apagou totalmente. Perante a pedra retirada e o sepulcro vazio, a incredulidade
de Pedro e a fé de João, continuam a ser espera. Quantas esperas existem em nós
como vazios desejosos de plenitude? Em palavras ou em silêncio, esperamos, e
isso, tantas vezes sem o sabermos, é já abertura para o encontro e a comunhão
com Deus. Jesus veio como o jardineiro, humilde e sem triunfalismos, chamar
Maria pelo nome; veio como o amigo que nenhuma parede pode deter, dar a paz aos
discípulos. Este é o dia novo em que toda a esperança se realizou. O dia novo
que nos faz novos!
A novidade da ressurreição é
difícil expressar em palavras. Também os poetas falam mais da paixão e da
morte, tão conhecidas e íntimas de todos nós. E os poemas com sabor a Páscoa
são mais raros, como se fosse difícil falar do dinamismo da vida ressuscitada
que começou naquele dia, mas permanece sempre tão abraçado à cruz. E assim, em
jeito de “presente” pascal, partilho um poema de Daniel Faria: “Este é o dia
novo. Sei-o pelo desejo / De o transformar. Este é o dia transformado / Pelo
modo como apoio este dia no chão. / Coloco-o na posição humilde dos meus
joelhos na terra / Abro-o com os olhos que retiro de todas as coisas quando os
fixo / Na atenção. // E fico atento, fico deitado porque não sei crescer / Num
terreno que se levante. / Cresço na clareira de um homem que é uma palavra / Na
sua túnica inteira / Porque este é o sítio do dia sem horário // Sem divisões
// E ponho-me de frente no seu lado, / Nos seus braços abertos para me unir / E
entro pelo lado aberto e ardo – como Elias / Em chamas subindo para o céu.”
Neste dia novo, Deus já não
escreve uma lei em tábuas de pedra, mas das palavras e da vida de uma mulher
espalha-se o anúncio inacreditável: “Jesus ressuscitou”. O anúncio precede a
compreensão de tamanha maravilha, e transmiti-lo é condição para melhor o
compreendermos. É nos corações dos discípulos que se imprime o encontro e a
presença de Jesus, para comunicarem aquilo que parece indizível: Cristo amou e
ofereceu o perdão de Deus em plenitude. Comunicou-nos o amor que vence a morte,
que recria o que parecia perdido, que derrota a violência e o egoísmo. A sua
presença, pelo Espírito Santo, faz novas todas as coisas. Ressuscitar é o verbo
que identifica os discípulos de Jesus Cristo. Conjuga-se na passagem da solidão
à comunhão, do isolamento à fraternidade. É assim que a oração, o dom dos
sacramentos, o “sacramento dos mais pequeninos” que nos são confiados, o sonho
de transformar o mundo, os desejos de felicidade lançam-nos no abraço a Jesus e
a todos. “Permanecendo sozinhos é difícil acreditarmos na ressurreição”, diz o
Irmão Alois de Taizé! Na ressurreição de Jesus a espera transformou-se no dia
novo que vamos criando!
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