domingo, 27 de março de 2016

Vida, esperança, paixão e o dia novo

Crónicas de Páscoa

Das últimas duas semanas, reproduzem-se a seguir as crónicas com reflexões provocadas pela Páscoa. Ontem, no DN, Anselmo Borges escrevia, sob o título Esperança enlutada:

Em Domingo de Páscoa, lembro E. P. Sanders, da Universidade de Oxford, que, na sua obra A Figura Histórica de Jesus, quis dar uma visão convincente do conjunto da vida do Jesus real (...). também sabemos que, "depois da sua morte, os seus seguidores fizeram a experiência do que descreveram como a "ressurreição: aquele que tinha morrido realmente apareceu como "pessoa viva, mas transformada". "Acreditaram nisso, viveram-no e morreram por isso". Assim, criaram um movimento, que cresceu e se estendeu pelo mundo e mudou a história. Grande parte da humanidade foi atingida por esse movimento e pela esperança que transporta de Vida eterna.
(texto na íntegra disponível aqui)

Ilustração de Sieger Köder, 
reproduzida daqui

No Domingo passado, Vítor Gonçalves escrevia sobre Voltar à Paixão:

A salvação que Jesus trouxe vive-se todos os dias em que vencemos a morte com mais vida, em que colocamos todas as forças e qualidades ao serviço do maior bem, em que recusamos poderes ou glórias pessoais para que a felicidade seja para todos. A paixão de Jesus relembra-nos que a tentação de julgar é desculpa para não mudarmos, que a ânsia de milagres pode ser recusa de uma relação de amor e confiança com Deus, que mesmo num último momento é possível a compaixão e a abertura à vida sem fim.
Queremos entrar cada vez mais nesta Paixão de Jesus, que nos apaixona por erradicar os calvários do mundo?
(texto na íntegra disponível aqui)


No dia 13, o mesmo autor escrevia sobre Tirar ou dar vida:

Poucos dias depois de assinalar-se o Dia Internacional da Mulher, o encontro de Jesus com a mulher adúltera do Evangelho de João revela uma actualidade premente. Segundo a organização não-governamental Action Aid, a violência doméstica é responsável pela morte de cinco mulheres por hora no mundo. No Largo Camões, em Lisboa, foi inaugurada nesse dia 8 de março, uma exposição dos jornalistas Teresa Campos e José Carlos Carvalho (da revista Visão) que percorreram Portugal para dar a conhecer as histórias das 28 mulheres “mortas por quem dizia amá-las” ao longo de 2015. Em 2014 tinham sido 42. A Action Aid prevê que mais de 500 mil mulheres serão mortas por seus parceiros ou familiares até 2030! Noutro tempo e lugar, em contexto de infracção à Lei, Jesus deteve a fúria sanguinária de quem queria agir “em nome de Deus”, para tirar a vida à mulher apanhada em adultério!
(texto na íntegra disponível aqui)


Domingo passado, frei Bento Domingues escrevia sobre A Páscoa do escravo:

Diz-se que o Papa alterou o ritual da 5ª feira Santa: as mulheres já podem ser incluídas na cerimónia do lava-pés. É uma forma miserável de anestesiar e reduzir o sentido da intervenção do Papa. A alteração que o seu gesto visa provocar não é de tipo ritual, mas de acção transformadora. Pertence ao seu programa de ver o mundo a partir dos excluídos. Levar o centro às periferias.
(texto na íntegra disponível aqui)


O gosto perverso de acusar era o título da crónica de frei Bento, há duas semanas atrás:

Nas sociedades ocidentais, esta prática desarmada por Jesus já não é a mais comum. Em questões de sexo, vale tudo ou quase, embora o voyeuirismo ainda alimente alguns meios de comunicação social. Mas o gosto perverso de acusar, de encontrar alguém em falta, dentro e fora das religiões, nos espaços sagrados ou profanos, diz-nos que os fariseus e os escribas ainda não são uma espécie em extinção. Quem dera! Mas ainda persiste o gosto de novas formas de apedrejar “suspeitos” em praça pública.
(texto na íntegra disponível aqui)


Na semana passada, Anselmo Borges escrevia sobre A paixão e a política:

Pascal observou agudamente nos Pensamentos: Jesus estará em agonia até ao fim do mundo; é preciso não dormir durante este tempo.” Todos sabemos do calvário do mundo, e as personagens são as mesmas.
(texto na íntegra disponível aqui)


No dia 12, o mesmo autor escrevia, sob o título Bem-aventurados os ricos:

O que está em vigor são as bem-aventuranças ao contrário, como escreve Jesús Mauleón: "Bem-aventurados os ricos, porque têm massa, manjares, luxo e abundância para pagar todas as suas necessidades e caprichos. Bem-aventurados os ricos, porque muita gente crê que são mais respeitáveis do que os pobres. Bem-aventurados os ricos, porque podem permitir-se ter à sua volta gente que os serve e lhes recorda que o são. Bem-aventurados os ricos, porque, embora neste mundo nem tudo se possa comprar com dinheiro, pode-se comprar tantas coisas e tantas pessoas... Bem-aventurados os ricos, porque, quanto mais dinheiro acumulam, embora não seja muito claro como, mais espertos parecem." Etc.
(texto na íntegra disponível aqui)


No comentário aos textos da liturgia católica deste domingo, Vítor Gonçalves escreve, sob o título O dia novo:

Primeiro foi a espera. A dos discípulos, tolhidos pelo medo, fechados talvez na casa onde Jesus os reunira na ceia. E a de Maria, que foi ao túmulo, envolta num amor que o sofrimento não apagou totalmente. Perante a pedra retirada e o sepulcro vazio, a incredulidade de Pedro e a fé de João, continuam a ser espera. Quantas esperas existem em nós como vazios desejosos de plenitude? Em palavras ou em silêncio, esperamos, e isso, tantas vezes sem o sabermos, é já abertura para o encontro e a comunhão com Deus. Jesus veio como o jardineiro, humilde e sem triunfalismos, chamar Maria pelo nome; veio como o amigo que nenhuma parede pode deter, dar a paz aos discípulos. Este é o dia novo em que toda a esperança se realizou. O dia novo que nos faz novos!

A novidade da ressurreição é difícil expressar em palavras. Também os poetas falam mais da paixão e da morte, tão conhecidas e íntimas de todos nós. E os poemas com sabor a Páscoa são mais raros, como se fosse difícil falar do dinamismo da vida ressuscitada que começou naquele dia, mas permanece sempre tão abraçado à cruz. E assim, em jeito de “presente” pascal, partilho um poema de Daniel Faria: “Este é o dia novo. Sei-o pelo desejo / De o transformar. Este é o dia transformado / Pelo modo como apoio este dia no chão. / Coloco-o na posição humilde dos meus joelhos na terra / Abro-o com os olhos que retiro de todas as coisas quando os fixo / Na atenção. // E fico atento, fico deitado porque não sei crescer / Num terreno que se levante. / Cresço na clareira de um homem que é uma palavra / Na sua túnica inteira / Porque este é o sítio do dia sem horário // Sem divisões // E ponho-me de frente no seu lado, / Nos seus braços abertos para me unir / E entro pelo lado aberto e ardo – como Elias / Em chamas subindo para o céu.”

Neste dia novo, Deus já não escreve uma lei em tábuas de pedra, mas das palavras e da vida de uma mulher espalha-se o anúncio inacreditável: “Jesus ressuscitou”. O anúncio precede a compreensão de tamanha maravilha, e transmiti-lo é condição para melhor o compreendermos. É nos corações dos discípulos que se imprime o encontro e a presença de Jesus, para comunicarem aquilo que parece indizível: Cristo amou e ofereceu o perdão de Deus em plenitude. Comunicou-nos o amor que vence a morte, que recria o que parecia perdido, que derrota a violência e o egoísmo. A sua presença, pelo Espírito Santo, faz novas todas as coisas. Ressuscitar é o verbo que identifica os discípulos de Jesus Cristo. Conjuga-se na passagem da solidão à comunhão, do isolamento à fraternidade. É assim que a oração, o dom dos sacramentos, o “sacramento dos mais pequeninos” que nos são confiados, o sonho de transformar o mundo, os desejos de felicidade lançam-nos no abraço a Jesus e a todos. “Permanecendo sozinhos é difícil acreditarmos na ressurreição”, diz o Irmão Alois de Taizé! Na ressurreição de Jesus a espera transformou-se no dia novo que vamos criando!

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