Depois de Maio, podemos voltar a parte do muito que se publicou sobre
Fátima e que ajudará a sistematizar informação e elementos para vários debates
sobre o fenómeno, que importa agora aprofundar.
Hoje, dia da peregrinação aniversária de Setembro, trago aqui dois
textos sobre a relação de Fátima com a política, ambos publicados no Expresso:
um, publicado a 6 de Maio na Revista E, sobre a oscilação da relação com a
política, ao longo do primeiro século de Fátima. Outro, publicado dia 12 de
Maio no Expresso Diário, sobre a questão específica da guerra e da paz.
Este é o quinto trabalho da série, que terminará a 13 de Outubro. Os
textos já publicados podem ser lidos nestas ligações:
A oscilação política de Fátima – ou o poder da fé
(Foto à direita, em baixo: António Pedro Ferreira, reproduzida daqui)
Neste século, Fátima foi terreno
de conflito entre o catolicismo tradicional e a República, afirmação do desejo
de paz contra a participação de Portugal na guerra, “escola” do nacionalismo
católico durante o Estado Novo e da mensagem anticomunista, lugar de divulgação
de mensagens contra a guerra colonial, centro do catolicismo português depois
da instauração da democracia.
Cem anos e muitas polémicas
depois, o momento presente de Fátima não revela nenhum “motivo de atrito” nem
de “utilizações abusivas entre o Estado e a Igreja”, ao contrário do que
aconteceu durante este primeiro século de Fátima. A conclusão, expressa pelo
historiador José Miguel Sardica na “Enciclopédia de Fátima”, traduz a realidade
de ter sido o regime democrático a estabilizar a relação do Estado com a
Igreja, no que também a Fátima diz respeito.
Ao longo destes 100 anos, a
história do fenómeno faz-se também a partir do que foi a sua relação com o
Estado e a política. E pode concluir-se pela oscilação, pois Fátima foi sendo
várias Fátimas: o relato ingénuo dos primeiros três anos, acerca das visões das
três crianças (e sobretudo de Lúcia) em 1917, coincidindo com a primeira adesão
popular e as críticas severas dos republicanos; o reconhecimento do fenómeno
como “autêntico” por parte da diocese de Leiria; as novas narrativas que Lúcia
acrescenta, a partir da década de 1930 e até 1945; a relação de respeito e
aproveitamento mútuo entre Fátima e o Estado Novo; a oposição surda das
populações à guerra colonial e as ambiguidades de um santuário que falava de
paz mas se silenciava perante um regime que coartava a liberdade e conduzia a
guerra (ver texto “As guerras à volta da paz”); o esvaziamento do discurso
anticomunista após a queda do Muro de Berlim...
(O texto pode continuar a ser lido aqui)
As guerras de Fátima à volta da paz
Panfletos contra a guerra colonial
distribuídos em Fátima, uma carta entregue discretamente a um ex-secretário do
Papa João XXIII, padres angolanos a pensar “ocupar” a nunciatura do Vaticano em
Lisboa durante a visita de Paulo VI a Fátima... A questão da guerra e da paz
esteve muito presente em Fátima desde o início, quando as crianças disseram que
a visão lhes anunciara o fim da Grande Guerra.
A única vez que Joana Lopes foi a
Fátima foi em 1967, na altura da visita do Papa Paulo VI. O objectivo era ela e
José Manuel Galvão Teles, membros da então Junta Central da Acção Católica (um
organismo coordenador desses movimentos de leigos católicos) entregarem ao
antigo secretário do Papa João XXIII, Loris Capovilla, uma carta dirigida a
Paulo VI. Nela se descrevia a situação política em Portugal, marcada pela
guerra colonial e pela falta de liberdade.
“O objectivo foi conseguido”,
recorda agora. Pouco tempo depois, conforme combinado em Fátima, o cartão
recebido do Vaticano a dizer “Missão cumprida”, assinalava isso mesmo. Mas já
alguns dias antes da visita do Papa, como recorda no livro Entre as Brumas da Memória (ed. Âmbar), Joana Lopes tinha ido, com
Nuno Teotónio Pereira e o mesmo Galvão Teles, à nunciatura do Vaticano, falar
com monsenhor Maximilien de Furstenberg, então representante do Vaticano em
Lisboa. “Era ainda uma tentativa de que o Papa não viesse” ou, pelo menos, que
tivesse em conta a situação política do país, explica, recordando o gesto.