sábado, 5 de dezembro de 2009

Calendário de Advento (1) - Advento, uma pedagogia do desejo


Advento? O que é isso? Jesus Cristo nasceu mesmo a 25 de Dezembro? O que celebram os católicos a 8 de Dezembro, que os protestantes rejeitam? E o nascimento é valorizado no islão ou no budismo, tal como o cristianismo fala do nascimento de Jesus? São a perguntas como estas a que aqui se tenta responder, repescando um calendário do Advento especial, já publicado no “Público” em 2005, e aqui actualizado em alguns pormenores: à semelhança dos tradicionais calendários da época que antecedem o Natal, cada dia será aberta uma janela sobre temas ligados ao Natal ou a este tempo do calendário cristão. Em cada dia inclui-se um poema também então publicado no jornal e, por vezes, pequenas notas à margem do tema.

(Ilustração: Loujaina Al-Assil, Síria: A criação de Alá, in "La Creazione, Seconda Rassegna Internazionale di Illustrazione per l'Infanzia, Ed. Messagero, Padova)


Durante as quatro semanas que antecedem o Natal e lhe servem de preparação, o espírito abre-se, progressivamente, à festa do primeiro mistério cristão. E é de esperança, de vigilância activa que se fala, quando se fala do Advento.

“Tenho acerca de vós desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança.”
(Jeremias, 29, 11)

Advento é tempo novo, presente ainda por desembrulhar. Não por acaso, os cristãos iniciam o seu calendário litúrgico (que é como quem diz, um novo ano) com o primeiro domingo do Advento – que foi, este ano, no domingo passado. Durante as quatro semanas que antecedem o Natal e lhe servem de preparação, o espírito abre-se, progressivamente, à festa do primeiro mistério cristão: Deus nasce e vive no meio da humanidade.

De esperança, de vigilância activa se fala quando se fala do Advento. A um tempo novo, corresponde uma esperança renovada. Experiência profunda do quotidiano, essa vontade de recomeço perante tantas agruras da vida: tensões, sofrimentos, inimizades, anseios não concretizados, doenças, rupturas. E, no meio delas, sempre uma centelha. Tantas vezes chamada esperança. “Inúmeros são aqueles que aspiram hoje a um futuro de paz, a uma humanidade livre das sombras da violência”, escrevia há um ano o irmão Roger, de Taizé, na carta Um Futuro de Paz.

No interior dessa profunda experiência humana, os cristãos celebram uma dupla expectativa: a memória do nascimento de Jesus, para eles o próprio Deus que acampa no seio da humanidade; e a esperança – o desejo – da última vinda de Cristo no fim dos tempos, como senhor da história. Como escreve o salmista (Salmo 63, 2): “Ó Deus, Tu és o meu Deus! Anseio por ti! A minha alma tem sede de ti; todo o meu ser Te deseja, como terra árida, exausta e sem água.”

História e futuro conjugam-se para trazer ao Advento magia, gestos, símbolos. Velas e luzes, presentes que se trocarão, rostos que se abrem. Ou a coroa do Advento, costume iniciado no Norte da Europa e da América: quatro velas, colocadas numa coroa de ramos verdes, que se podem acender domingo após domingo. Sinais de esperança, justiça, alegria ou paz.

Memória e expectativa, sempre. Tal conjugação torna o Advento o tempo do desejo e da sua pedagogia, como escreve Domenico Pezzini (O Tesouro e o Barro, ed. Paulinas): durante estas quatro semanas, na liturgia (católica, no caso), há um verbo que “resume o grito em que se condensam todas as expectativas: ‘Vem!’ Grito que brota da solidão, da angústia, da fragilidade e do medo de todos aqueles sentimentos que marcam brutal e dolorosamente a nossa incompletude e a relativa necessidade de que alguém venha, precisamente, socorrer-nos.”

Um grito assim é atirado “em todas as direcções, não necessariamente e talvez só raramente em direcção a Deus”. Mas se o que cada um procura é um bem que espera alcançar, é Deus “que, no fundo, invoca[mos]”.

A espera de Deus, o desejo de Deus, portanto: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei”, confessa Santo Agostinho (Confissões, Livro X, XXVII, 38). Mesmo se essa beleza, Deus, se manifesta, no final, como uma criança nascida entre pastores, os últimos do povo, os mais desprezados pelo sistema religioso da época em que Jesus nasce. “E eis que estavas dentro de mim e eu fora, e aí te procurava. (…) Chamaste, e clamaste, e rompeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha cegueira; exalaste o teu perfume, e eu aspirei e suspiro por ti.”


Poema - Breve Sumário da História de Deus, de Gil Vicente

Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.

Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas,
louvai nas alturas
Deus das criaturas.

Louvai, arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.

(In Natal... Natais – Oito Séculos de Poesia sobre o Natal,
antologia de Vasco Graça Moura, ed. Público)

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