quinta-feira, 5 de maio de 2011

José Augusto Mourão. in memoriam

SALMO

Cantai a seiva que sobe das raízes,
O arado do tempo cortando o nevoeiro;
Cantai a vida que sangra e incendeia,
Vós todos que lavrais a terra, tecelões e pedreiros

Entrai na força escondida do desejo,
Domadores de cavalos, aguadeiros,
Pois vossas mãos acenderam candeias
E vossos olhos alumiaram a noite

Trazei à taça da vida nova que se anuncia
Os trapos velhos das dores enterradas;
Joalheiros de dedos magoados,
Vós todos que esperais o parto das sementes

Assinalai a pedra onde caístes
E a madeira em que vos crucificaram:
Porque há música nos ritos da tortura
Que canta o dia novo que não tarda

Enquanto não sabemos o caminho,
Cantemos já o dom de caminhar;
Se estamos juntos não teremos medo:
Alguém no invisível nos espera

Plantemos flores à beira do abismo
Há-de haver no deserto um lugar de água
Alguém que nos chame pelo nome
E nos acolhe ao termo da viagem.

José Augusto Mourão
in O Nome e a Forma

Outras fontes:
Visão: José Augusto Mourão - Ignoto Deo
Pàgina 1: O Vazio Verde.

3 comentários:

Maria do Rosário disse...

Maravilhoso salmo/poema!

Encontrar José Augusto Mourão é encontrá-lo na alegria da música, da poesia, do texto, da palavra e de uma expressividade invulgar que nos conduz ao mais delicado e belo sentido da vida, e nos impulsiona para a vida!
Obrigada Manuel Pinto pelo envio deste link que me fez reflectir bastante!

Um abraço.
Maria do Rosário Sousa

Et lux perpétua... (Requiem de w. A. Mozart).

Anónimo disse...

Um professor que recordo, talvez não tanto pela teoria da literatura, mas por essa "expressividade invulgar". Só ontem vim a saber que partiu... um professor que não esquecerei.

alexandre disse...

meu anjo e querido amigo, nunca esquecerei de ti.