segunda-feira, 28 de maio de 2012

O mordomo do Papa e as fraquezas do Vaticano

Nem complô nem golpe de Estado: os últimos episódios da história plurissecular do Vaticano colocam simplesmente em evidência, na coincidência da demissão forçada do banqueiro do Papa e da prisão do seu mordomo, uma dupla fraqueza, escreve Frédéric Mounier, no La Croix, a propósito dos acontecimentos dos últimos dias.


No final da semana passada, soube-se que o mordomo do Papa foi detido, acusado de ter em sua posse documentos confidenciais. Esse facto sucedeu à publicaçãode um livro com vários documentos que traduzem pequenas questiúnculas e supostas guerras de poder no interior da estrutura do Vaticano. E acontece também na sequência da demissão forçada do presidente do banco do Vaticano, o Instituto das Obras da Religião. Mas tudo isto acontece também num contexto em que se pressentem pequenos jogos de antecipação da sucessão de um Papa que, supostamente, já não controla a máquina governativa da Igreja.

Vale a pena atentar nas duas fraquezas apontadas por Mounier no La Croix:

Antes de mais, uma fraqueza estrutural. Para lá das aparências enganosas do poder imperial do Vaticano, a realidade quotidiana do mais pequeno Estado do mundo é constituída por um pessoal pouco numeroso, raramente coordenado, trabalhando com frequência numa espantosa improvisação duplicada por pesos burocráticos.

Mas também uma fraqueza italiana. Estes jogos de poder permanentes, estes clãs, estes pequenos arranjos entre amigos ou entre famílias, de que o presidente do conselho Mario Monti quer fazer tábua rasa na península, são os mesmos que aprisionam em engodos a missão evangélica da Santa Sé.


Pode acrescentar-se ainda a fraqueza de qualquer instituição humana, onde vêm ao de cima os pequenos jogos de poder, as questiúnculas. Há vinte séculos, já Jesus perguntava: Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?

O artigo de Mounier pode ser lido na íntegra aqui.

Bento Domingues: Pasmados, não!

Bento Domingues no "Público" de ontem. "A criatividade de todos é o novo sonho. Mas não basta sonhar ou ficar pasmados a olhar para o céu. Em todas as épocas, será preciso repetir a pergunta feita a S. Pedro: que fazer?"

A ciberteologia das redes

O padre jesuíta Antonio Spadaro é diretor da revista La Civiltà Cattolica. Mas talvez seja mais conhecido como teólogo estudioso e praticante das redes sociais e do ciberespaço. Recentemente publicou um livro intitulado precisamente 'Cyberteologia', que ainda não está traduzido em português. Enquanto isso não acontece, Spadaro disponibilizou em português, e em regime de acesso livre, um e-book com uma série de textos, mais breves uns do que outros, em boa parte publicados no seu blog, e de que destacamos estes:
  • Em busca de Deus em tempos de Google
  • A ciberteologia das redes
  • Entrevista sobre Cyberteologia com Padre Antonio Spadaro SJ
  • A internet é um ambiente, parte integrante da nossa própria vida
  • Espiritualidade e elementos para uma teologia da comunicação em rede
  • O que faria Jesus se fosse um hacker?
  • Habitar a Rede: como vencer o risco de viver em uma bolha filtrada?
  • Limitar o acesso à web? ”É como tirar um pedaço de território”
  • Como encontrar Deus nos «blogs»
  • O fenômeno do Blog: I-II-III-IV
  • Steve Jobs e Inácio de Loyola
  • Deus procurado e achado em todas as coisas
  • Uma Civiltà de escritores, poetas e navegadores da Web 
  • ”Somos chamados a estar nas fronteiras, encruzilhadas e trincheiras”
  • ”A fé nos ajuda a entender a Internet”.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Tempo para o gratuito

"Com vícios de soberba e rédea solta, secundarizando a ética e o "bem comum", construímos uma sociedade com menos tempo para o gratuito, ou seja, menos tempo para dar, gratuitamente, à dimensão do que é mais sublime numa Existência que não se questiona porque simplesmente… É, gratuitamente.
Será esta tendência para a redução do tempo para o gratuito um caminho seguro? E como entender esta tendência quando, ao mesmo tempo, se defende uma revolução de paradigmas? Quando se quer que o tempo novo seja de reencontro de afetos, de aprofundamento das relações, de partilha e disponibilidade para o(s) outro(s)? (...)
O tempo para o gratuito é tanto para o ócio como para o aprofundamento das relações. Mas o que se tem verificado é uma tendência para o encurtamento do tempo para o gratuito… com impacto na família, na simbiose obrigatória com a natureza e o meio, no salto do eu solitário para o nós solidário
Podemos apostar na qualidade do pouco tempo que nos é permitido para o gratuito porque, na verdade, tempo em quantidade não significa necessariamente tempo de qualidade. Este é um princípio básico nas relações humanas, nos casais, entre pais e filhos, amigos… Mas o tempo disponível para o gratuito, no jogo da interdependência, é um bem demasiado precioso. "Ninguém é uma ilha".
É no tempo que se expressa o gratuitus, o sentido maior do Ser humano. O tempo conhece todos os sistemas e todos os sistemas vivem e morrem no tempo. No movimento da história, o tempo recuperará a razão contra todos os aparentes e circunstanciais pragmatismos políticos. Nem que seja para nos dizer... é tarde demais!" 

(in SIC Online a 23.01.2012. Ler tudo aqui)

"A aceleração do tempo e a sua falta"

Anselmo Borges escreve na última crónica do DN (19 Maio 2012) sobre... o tempo: "A vida boa é definida pela riqueza das experiências que podemos ter. Multiplicar por dois a velocidade permite multiplicar por dois as experiências. É isso que de modo difuso procuramos no prazer que pomos em multiplicar as nossas actividades". Pergunta-se: e somos mais felizes?" Ler tudo aqui

domingo, 20 de maio de 2012

Sem silêncio não há comunicação, mas com silêncio pode também não haver


Convido o leitor a adivinhar quem poderá ser o autor das seguintes afirmações:
“[D]esejo partilhar convosco algumas reflexões sobre um aspecto do processo humano da comunicação que, apesar de ser muito importante, às vezes fica esquecido, sendo hoje particularmente necessário lembrá-lo. Trata-se da relação entre silêncio e palavra: dois momentos da comunicação que se devem equilibrar, alternar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união profunda entre as pessoas. Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado. O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo”.
O autor destas reflexões não é conhecido por ser um grande pensador dos processos da comunicação humana, mas isso não significa que o que diz não mereça figurar nos tratados sobre a comunicação e não venha, de facto, de um grande pensador. O excerto é, na verdade, do Papa Bento XVI e faz parte da mensagem que propôs para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se celebra no próximo domingo.
Vale a pena ler o texto na íntegra, visto que apresenta uma dimensão dos processos comunicativos absolutamente crucial para os tempos que vivemos. Depois de, na mensagem de 2011, o Papa ter chamado a atenção para outra vertente essencial – «quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais» - desta vez, convoca o silêncio. Não o silêncio dos pusilânimes, mas o silêncio ativo dos que buscam a verdade, se interrogam , meditam e, por essa via, se colocam à escuta, procuram discernir o que faz sentido e vale a pena, dão espaço e tempo aos outros, aos que verdadeiramente nos questionam.
“Aprender a comunicar é aprender a escutar, a contemplar, para além de falar”, diz ainda o Papa.
Mas, se é verdade que sem silêncio não há comunicação, não é menos verdade que, com silêncio também pode não haver. Depende do sentido em que o silêncio é experimentado. E muitas pessoas, inclusive na Igreja, vivem o silêncio não como experiência desejada e como atitude de escuta do outro, mas como resultado de atos de silenciamento. E não se trata sequer de inimigos, mas de pessoas que pensam de modo diferente.
Sempre que o silêncio é unilateral - ou seja, exigido a outros para que nos escutem - é falso e nega a comunicação. Mais: tenho para mim que é sinal de fraqueza de quem o procura impor.
Que revolução se faz necessária para dar, hoje, nas nossas circunstâncias, substância a estes desafiosos!

(Uma versão mais reduzida deste texto foi publicada no diário digital Página 1 de 14.05.2012)

sábado, 19 de maio de 2012

B. Häring: "Vejo com profunda preocupação..."


Escrevia assim o P. [Bernard] Häring há 20 anos (in “La teología ante el tercer milenio”, en: Marciano Vidal, Conceptos fundamentales de ética teológica, ed. Trotta, Madrid, 1992, 15-33):
… Vejo com profunda preocupação como nesta última década do século XX se vai agudizando uma neurose coletiva, de tipo paternalista... Todos desconfiam de todos, recompensa-se os delatores, e há sempre arrivistas dóceis e sem escrúpulos, que medram com as circunstâncias…
… Há uma minoria, em sintonia com o até há pouco chamado Santo Oficio e profundamente envolvida na nomeação de bispos, que pretende impor a toda a Igreja os seus critérios particulares: aos ‘bons’ católicos, que muitas vezes se sentem inseguros e mesmo perplexos, oferece-lhes o seu monopólio de seguranças, a sua verdade absoluta, … aos católicos críticos impõe-lhes o reconhecimento desse monopólio absoluto em todas as questões relativas à fé e aos costumes, sob pena de sanção disciplinar ou mediante a exigência de um juramento de fidelidade às suas directrizes.

Uma empresa que, após ter perdido os seus direitos de exclusividade, continua a comportar-se como se continuasse a possuir todos os seus monopólios e corta sistematicamente as asas às suas forças mais criativas, não demorará a ver-se sem clientela e inclusivamente privada dos seus mais dinâmicos colaboradores…” A voz profética do P. Häring não necessita de comentário.

Post de Juan Massiá en Religión Digital a propósito da advertência da Comissão Episcopal da Doutrina da Fé de Espanha ao teólogo Andrés Torres Queiruga 

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Papa, o descanso, a família e os feriados

O Papa Bento XVI voltou a apelar, na audiência-geral desta quarta-feira, ao respeito do domingo como “dia de descanso”, pedindo atenção à necessidade do “equilíbrio entre duas questões estreitamente ligadas: a família e o trabalho”, noticiou a Ecclesia.
Na sua alocução, Bento XVI referiu mesmo que o trabalho “não deveria colocar obstáculos à família, mas, pelo contrário, sustentá-la e uni-la, ajudá-la à abrir-se à vida e a entrar em relação com a sociedade e com a Igreja”.
A intervenção do Papa não pode vir mais a propósito, nestes tempos de crise económica em toda a Europa e poucos dias depois de ter sido anunciado o acordo entre Portugal e a Santa Sé acerca da suspensão de dois feriados religiosos – o Corpo de Deus e o Dia de Todos os Santos – além dos dois civis (5 de Outubro e 1 de Dezembro) cuja suspensão (ou eliminação) o Governo também já decidira.
Nos últimos anos, e mais ainda nos últimos meses, tem-se instalado um discurso que pretende convencer-nos que as pessoas estão destinadas apenas a ser máquinas de produção. Temos todos que produzir mais, que trabalhar mais, que fazer mais, dizem-nos. Mesmo se todas as estatísticas nos mostram que Portugal é já dos países da União Europeia (e mesmo da OCDE) com mais horas de trabalho por dia ou por semana, como se pode reler aqui.
O problema, portanto, não está em trabalhar mais (talvez esteja, sim, na deficiente organização do trabalho; ou na falta de cultura de muitos empresários; ou na pequena corrupção; ou na injusta remuneração e consequente incapacidade de mobilizar as pessoas para objectivos comuns; ou...). Até porque, agora, ao trabalhar mais corresponde receber menos (pelo menos para quem já recebe menos, como se soube segunda-feira, a propósito das 20 maiores empresas cotadas na Bolsa de Lisboa; ao contrário, quem já recebia mais, mais ficou a ganhar).
A questão dos feriados não é, por isso, uma questão menor. E esteve mal a hierarquia católica em Portugal, ao aceitar abdicar de duas datas festivas sem ter chamado a atenção do Governo para as duas questões centrais que estavam em causa: que a antropologia cristã, como tantas vezes lemos e ouvimos, nos diz que as pessoas não são apenas máquinas de produzir e que necessitam também do lazer, da festa, da família, dos amigos, do desporto, da cultura, do espírito; e que dois feriados a menos não são solução de espécie alguma para a economia portuguesa, como tantos economistas e investigadores têm feito notar.
Pena que o discurso do Papa não tenha tido mais eco.
Já agora: também é pena que alguns sectores e algumas pessoas barafustem tanto com a “intromissão” do Vaticano na vida do país; era mais saudável se protestassem antes contra o que verdadeiramente está em causa – a dignidade humana e uma concepção de pessoa que não nos vê apenas como roldanas de uma máquina.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A crise, quando nasce e cresce, não é para todos



O Público noticiava ontem com destaque que "Gestores do PSI-20 ganham 44 vezes mais que os trabalhadores". E explicava:
"Os salários dos gestores das principais cotadas na bolsa de Lisboa não seguiram a tendência geral de perda de rendimentos que se verificou em 2011. As remunerações dos presidentes executivos destas 20 empresas aumentaram 5,3%, para 17,6 milhões de euros. Já a média salarial dos trabalhadores caiu quase 11%."
Comentando esta informação, escreve hoje Manuel António Pina, no Jornal de Notícias:
"A notícia ontem conhecida segundo a qual as remunerações dos gestores das principais empresas cotadas subiram 5,3% em 2011 enquanto o salário médio dos trabalhadores (dos privilegiados que ainda têm trabalho e salário) baixou quase 11%, apenas confirma - se isso precisasse de confirmação - a quem está o Governo a cobrar os custos da "crise" e contra quem é dirigida a política de "empobrecimento" de que fala o primeiro-ministro.
Cresceu igualmente o fosso da desigualdade entre salários
de topo e de base: em 2010, os executivos recebiam 37 vezes mais do que os trabalhadores; em 2011, com a propalada "austeridade para todos", essa diferença aumentou... para 44 vezes".
"Vemos, ouvimos e lemos" todos os dias que as desigualdades, o desemprego e a precariedade não páram de crescer. Neste quadro, será razoável e ético, já para não dizer evangélico, que, salvo poucas excepções, os discursos que predominam nos principais responsáveis da nossa Igreja como que elidam a questão da justiça social, reduzindo os desafios desta hora ao socorro aos mais necessitados, sem pôr, ao mesmo tempo, em evidência e denunciar com vigor os processos e políticas que produzem a miséria e o abandono? Não se estará a reduzir e a truncar a riqueza da Doutrina Social da Igreja, em nome de lógicas, conveniências ou interesses que não podem ser certamente os do Evangelho? Bastaria, para tanto, dar publicamente respaldo ao que tem dito e publicado a Comissão Nacional Justiça e Paz e os movimentos operários católicos.


(Crédito da foto: AMBCVLumiar Blog)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Músicas que falam com Deus (13) - Silêncio

Guardamos-te, Bernardo, na tua música e no nosso coração.


(uma evocação aqui, escrita pelo Francisco Marujo)

A crise, os mais vulneráveis e a fraternidade operativa

“A Cáritas Europa está preocupada com a evolução das políticas atuais, que considera de solução fácil e a curto prazo não enfrentando os desafios fundamentais das nossas sociedades”, noticia a agência Ecclesia. Os responsáveis da instituição manifestaram-se mesmo “alarmados” com os efeitos da crise económica sobre os “mais vulneráveis da sociedade”.
No sábado, a propósito das críticas que diversos teólogos espanhóis têm feito ao poder financeiro internacional, Anselmo Borges recordava, na sua coluna do DN, a referência de Xabier Pikaza à actual “santíssima trindade” que nos domina: "A Trindade cristã era formada por Deus Pai, o Filho Jesus Cristo (que éramos todos os seres humanos) e o Espírito Santo (que era a comunhão ou amor entre Deus e os seres humanos, entre todos os seres humanos). Mas agora surgiu uma Trindade diferente, formada por Deus-Capital (que não é Pai, mas monstro que tudo devora), pelo Filho-Empresa, que não redime, mas produz bens de consumo ao serviço dos privilegiados do sistema, e pelo Espírito Santo-Mercado, que não é comunhão de amor, mas forma de domínio de uns sobre os outros."

A ditadura financeira actual (é disso que se trata) já nem se esconde atrás de subterfúgios: sexta-feira passada, dois ministros alemães – o das Finanças e o dos Negócios Estrangeiros – disseram que Grécia e França teriam que cumprir os programas de austeridade (assim chamados, mas que são de austeridade apenas para alguns). Os povos votam, têm a ilusão de estar a decidir o seu futuro através desse exercício democrático, mas a meia-dúzia de iluminados que nos desgovernam é que pretendem ditar as regras. 

Hoje, no Público, ficámos a saber que os salários dos presidentes das empresas do PSI-20 (as mais importantes do país) subiram 5,3 por cento, ao contrário dos salários dos trabalhadores, cuja média desceu 11 por cento.

Em Fátima, na tarde de dia 12, o bispo de Leiria-Fátima, António Marto, disse que “os mercados foram criados para servir a humanidade e não a humanidade para servir os mercados”. E na homilia da missa com que encerrou a peregrinação de 13 de Maio, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Cosenlho Pontifício da Cultura, dizia que os cristãos não deviam “ter medo de sujar as mãos, ajudando os miseráveis da terra” e empenhando-se numa “fraternidade operativa”.

Uma fraternidade operativa que passa hoje, parece-me, em primeiro lugar, pela denúncia da usurpação de direitos a que os mesmos mercados e a ditadura financeira nos tem submetido - tirando cada vez mais gente para o leque dos "miseráveis" da terra - ou os mais vulneráveis, na expressão da Cáritas. A questão da justiça social deve voltar a ser colocada, desde logo, através do re-questionamento do papel do Estado na redistribuição da riqueza. Porque se o Estado (e os governos) não serve para isso, então de pouco serve(m). Esse é, seguramente, um dos desafios fundamentais dos tempos que vivemos.
(ilustração: Cáritas Europa)

domingo, 13 de maio de 2012

Abusos sexuais do clero: dez anos depois

São passados dez anos sobre a eclosão, nos Estados Unidos da América, do escândalo do abuso sexual sobre crianças e adolescentes por parte de membros do clero, na sua maioria na segunda metade do séc. XX. A onda de denúncias de abusos semelhantes propagou-se, entretanto, a outras partes do mundo. O Vaticano e diversos episcopados, sob a égide do atual Papa, tomaram, na última década, medidas para lidar com estas situações e prevenir novos casos. Mas inúmeros aspetos se mantêm em aberto e muitas mais questões continuam sem ser afrontadas. Nesta sexta-feira, um conjunto de personalidades reuniu-se na Universidade de Santa Clara, na Califórnia, para uma espécie de ponto de situação. Intitulou-se a conferência “Clergy Sexual Abuse Ten Years Later”. Um dos conferencistas convidados foi o padre jesuita Thomas J. Reese, do Woodstock Theological Center em Georgetown e antigo diretor editorial da revista America. As notas que se seguem são extratos da sua conferência:
"Primeiro, acho que a igreja - e por igreja eu quero dizer tanto o clero como o povo de
Deus - precisa de re-equacionar a sua atitude para com os sobreviventes de abuso sexual. (...) [N]ão devemos olhar para as vítimas de abuso simplesmente como clientes ou problemas com que temos de lidar (...) precisamos de ver os sobreviventes de abuso como pessoas que podem ensinar-nos o que significa ser cristão, o que significa ser igreja. Ninguém que ouve as suas histórias pode deixar de ser tocado por eles. Isto significa que não podemos responder a cada nova vítima que surge com "Oh, não, mais outro!" Ao contrário, temos de vê-los como parte integrante da nossa comunidade, pessoas que devem ser acolhidas. Tal atitude encorajaria a igreja a chegar aos milhares de vítimas de abuso sexual que não se manifestaram. Queremos que eles se cheguem à frente, a igreja precisa deles". (...)

"Terceiro, nós ainda não temos um sistema orientado para a prestação de contas por parte dos bispos. É uma desgraça que só um bispo (o Cardeal Law) se tenha demitido por causa de sua incapacidade de lidar com a crise de abuso sexual. A igreja seria um lugar muito melhor, hoje, se 30 ou mais bispos se tivessem levantado, reconhecido os seus erros, assumido responsabilidades integrais, pedido desculpas e se tivessem demitido. É suposto que um pastor dê a vida pelas suas ovelhas; estes homens não estiveram dispostos a depor o báculo para o bem da igreja".
Os bispos também têm que estugar o passo e fiscalizar-se a si próprios. Eu sei que "à luz do Direito Canónico, só o papa pode julgar um bispo". Mas há muitas coisas que os bispos podem fazer, em todo o caso. Primeiro, devem falar e criticar publicamente aqueles bispos que não estão a seguir a 'carta' [com as normas a seguir relativamente a casos de abusos sexuais do clero, de 2002] ou que falham nas suas responsabilidades. Os bispos, incluindo, claro está, o presidente da conferência episcopal, devem poder dizer "Que vergonha, bispo, ponha a sua casa em ordem". Isto não é um julgamento canónico, é correção fraterna. O Vaticano também precisa de fazer a sua parte. Parece não ter qualquer problema quando se trata de investigar freiras e teólogos, mas investigar um bispo por má gestão não é uma prioridade. Um bispo pode ser rapidamente removido na Austrália por sugerir a necessidade de discutir o tema da ordenação das mulheres e de padres casados, mas já os bispos que falharam na gestão dos abusos sobre crianças não são removidos. Apenas o foram, em alguns cssos, na Irlanda por ação de um arcebispo corajoso e da pressão do primeiro-ministro e do governo.(...)"

"O problema hoje, na Igreja Católica, é que a sua hierarquia se centrou tanto na obediência e no controle que perdeu a capacidade de ser uma instituição de correção fraterna. A hierarquia ataca os teólogos criativos, investiga as religiosas, censura as publicações católicas convertendo a lealdade na virtude mais importante. Tais ações são justificadas pela hierarquia por causa do temor de "escandalizar os fiéis", quando na verdade foi a hierarquia que os escandalizou".


Ler o texto integral, em inglês, AQUI.

Monoteísmo conduz ao fundamentalismo?

Hoje ao serão (22h30), Paula Moura Pinheiro conversa, no programa Câmara Clara da RTP2, com Anselmo Borges e João Gouveia Monteiro, ambos docentes da Universidade de Coimbra. Um dos motes é debater se o monoteísmo conduz ao fundamentalismo. Mas vários outros temas de atualidade serão tratados, como se pode ler no press release distribuído pelo programa:
"Na semana em que a Santa Sé chegou a acordo com a República Portuguesa sobre os feriados religiosos a suprimir, uma conversa sobre os limites do laicismo do Estado. Anselmo Borges é padre, teólogo, Professor de Filosofia na Universidade de Coimbra e autor em questões religiosas. João Gouveia Monteiro é ateu, Professor de História na Universidade de Coimbra e autor em questões de História Medieval e de Civilização e cultura. Ambos organizaram o colóquio internacional que agora dá origem ao livro As Três Religiões do Livro, editado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, e ambos convergem em diversas ideias. Duas dessas ideias: a escola pública contemporânea devia ensinar História das Religiões, há mais verdade no conjunto de todas as religiões que numa só religião. O mau tratamento a que as mulheres são sujeitas nas três religiões do livro e as melhores edições da Tora, da Bíblia e do Corão em português são outros dos temas tratados".

domingo, 6 de maio de 2012

"Gosto de gente convicta, mas..."

 A palavra de Ferreira Fernandes, no Diário de Notícias:
"João César das Neves (JCN) na sexta-feira passada foi a Fátima, onde disse (cito a Lusa, que é laica, e cito o site Fátima Missionária, que não o é) que "o verdadeiro problema da saúde é religioso e a solução para o ultrapassar está na Igreja Católica". Antes, JCN diagnosticara os problemas da saúde em Portugal, assim: "A saúde comeu de mais e sofre de obesidade, tem vida sedentária, já experimentou vários tratamentos mas não terminou nenhum, em consequência, tem a tensão alta, tonturas e depressão." E desse quadro clínico passou para o tal remédio: "A solução" é o trabalho da comunidade cristã. Gosto de gente convicta mas receei que a solução única de JCN - ou se vai por aqui (pela via religiosa), ou nada... - pudesse de alguma forma impedir outras hipóteses de remédio. É que eu estava particularmente sensível à arrogância, naquela sexta-feira, dia 4, em que ouvi JCN. Porque por um daqueles milagres que abalam até infiéis como eu, Miguel Esteves Cardoso tinha respondido, no dia 3, ao que JCN escreveria no dia seguinte. MEC, que é crente como JCN, tem o seu amor muito doente. Com o seu jeito sagrado para as palavras, MEC tem exposto a sua dor em público (que ninguém mais tente, só ele o sabe). Naquele dia, no Público, ele escreveu uma carta a Deus. E ele dizia a Deus: "Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar."
A resposta dada no dia anterior - DN
Ler o texto de João César das Neves AQUI

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Para que cada vez mais gente seja gente"

Frei Fernando Ventura, em debate, ontem, com Ana Lourenço, no programa Contracorrente, na SIC Notícias, transcrito pela jornalista Helena Teixeira da Silva.
"Não é tempo de pendurar as esperanças no senhor do tempo, num qualquer messias. Este
tempo é um ponto de chegada, um momento de antítese, dos ismos todos que não funcionaram à espera da síntese final. É um tempo em que a nossa missão é ser gente com gente para que cada vez mais gente seja gente. É o tempo da serenidade consciente, que terá de levar fatalmente à cidadania praticante. Eu tenho muito medo dos cidadãos não praticantes. É tempo de mobilizar a urgência urgente deste tempo. Não são os nossos governos que nos governam! Nós vivemos numa fatalidade edipiana de termos de bater no pai, mas o pai é pobre. Por ali não haverá salvação.

Quando vi as imagens do Pingo Doce, fiquei triste e alarmado. Vi isto na Venezuela, com o Chavez, exactamente o mesmo tipo de reacção. Fiquei com esta imagem como um ícone, ou como um contra ícone, uma mensagem de sinal contrário daquilo que é uma das urgências a descobrir hoje. Desde logo, querem convencer-nos que economia e finanças é a mesma coisa - e não é. As finanças serão uma pequena parte daquilo que é a economia, a gestão da casa, que tem de ser uma casa comum. Estamos confrontados com um discurso de inevitabilidades - que não existem! Nós, enquanto seres humanos, independentemente das nossas sensibilidades políticas ou religiosas ou seja o que for, nós enquanto seres existimos entre dois abismos de solidão: nascemos sozinhos e morremos sozinhos, ninguém nasce por nós e ninguém morre por nós. O desafio e o bloqueio que neste momento nos mata... porque a crise não é económica, a crise é racional acima de tudo. A crise tem a ver com isto: quem és tu para mim? Nestes dois limites de solidões, aquilo que se nos pede enquanto seres humanos é que sejamos capazes de criar redes de solidariedade. Desculpem lá puxar a brasa para a minha sardinha franciscana: nós vivemos um mito urbano quando para se falar dos franciscanos se continua a falar da pobraza franciscana, como se Francisco de Assis fosse tolinho da cabeça e como se alguém no seu perfeito juízo fosse capaz de optar por um não-valor. O que Francisco traz à História é uma opção pela fraternidade, o que é outra coisa - e tem consequências. Tem consequências na relação com o outro, tem consequências naquilo que tem que ser - e isto é que nos vai doer muito - o milagre que pode levar à saída da crise. Não quero proclamar que tenho a chave para a saída da crise, mas tenho pelo menos uma pista de reflexão. Ou pelo menos uma ideia que gostava de partilhar. Há uma ideia que me arrelia muito: nos últimos tempos, temos uma sociedade marcada por uma partidarite aguda, tribalizada. E a partidarite é uma inflamação da democracia. Vivemos esta falta de ideias e tantas vezes damos conta que em vez de termos uma linha de pensamento, só temos uns gatafunhos ideológicos que nos matam e que nos prendem, que não nos deixam depois chegar a esta que pode ser uma primeira pista de reflexão para nos entendermos e para nos situarmos. Porque quando o cinzento é a cor da moda, o arco-íris é um insulto. E nós estamos cinzentos, demasiado cinzentos.

Deixem-me deixar esta ideia bíblica: nós, em alguns arroubos místico-gasosos, ficamos muito alarmados e muito agitados interiormente com a multiplicação dos pães e dos peixes. Se nós percebêssemos o que está ali, se nós percebêssemos o desafio de construção social e de acusação contra o egoísmo cego do capitalismo que mata a História, ou dos ismos todos, quaisquer que eles sejam, quando a pessoa não está no centro, e que matam a História!... Sejam totalitarismos de direita ou totalitarismos de esquerda (mantendo-nos ainda nesta linguagem primitiva de separações destes géneros). O que aconteceu naquele momento? A cena é descrita como tendo sido ao final da tarde, imensa gente, tudo cheio de fome, é preciso dar de comer a esta gente. A resposta de Jesus à cena foi: "dai-lhes vós de comer". Pânico! Como é que vamos arranjar de comer para esta gente toda? Quem teve a solução ali naquele momento? Um catraio, alguém que não tem nada a perder. Só uns pães e uns peixes. Só houve multiplicação porque houve divisão. A solução tem que passar por aqui: é preciso dividir para multiplicar e é preciso somar sem subtrair nada a ninguém. O segredo está aqui. A chave está aqui. E por aqui pode construir-se a esperança. Por aqui pode criar-se redes de relações, por aqui pode dizer-se às pessoas que a esperança é possível. É preciso organizar esta esperança.

Eu, hoje, vi as cenas do Pingo Doce e vi as cenas das manifestações das duas centrais sindicais. As manifestações têm uma função catártica, porque é preciso gritar e é preciso explodir e é preciso libertar energias. Mas depois do final da manifestação, depois de enrolar a bandeira, o que é que eu faço com aquilo, para onde vai a minha desesperança? Eu que deixei a minha centralidade, e aqui voltamos a Imaus, eu que deixei a minha esperança pendurada na centralidade de uma Jerusalém qualquer, e vou a caminho da minha Imaus do desespero. Hoje não são só dois que vão a caminho de Imaus do desespero, são milhões no mundo inteiro, que perdem o emprego, que deixam de poder satisfazer as necessidades da sua família, onde a esperança desaparece. São às centenas os que morrem como gatos afogados no mediterrâneo a saltar do Norte de África para chegar a Lampedusa, à Sicília, às costas do Sul de Espanha. É este subir, pegar no cachorro para ver o muro do outro lado. Quem tem a História nas mãos somos nós. As revoluções nunca se fazem pelas estruturas, as revoluções começam por baixo contra as estruturas. As estruturas são coisas estáticas, têm um medo desgraçado de serem tocadas. Isto é a piscina de água choca, está toda a gente com a água por aqui [pelo pescoço], quando alguém faz onda, todos gritam: não faças ondas! Todas as estruturas sofrem deste mal.

Hoje, depois da manifestação, pensei: para que Imaus vai esta gente? Que esperança podemos trazer à História? Será que as centrais sindicais, a Igreja, as associações do bairro, não têm uma responsabilidade social? Têm! Têm que ter! A nossa resposta e o nosso grito não pode ser só enrolar a bandeira até à próxima manifestação ou até à próxima greve geral. É preciso sermos imaginativos e fazer outra coisa. Deixem-me ser profundamente demagógico agora: nós estamos todos com a corda ao pescoço. De cada vez que metemos gasolina, os nossos carros andam a impostos, 84% do que metemos no carro são impostos e aquilo anda. E os preços estão a subir, não porque a matéria prima esteja a subir, mas porque o consumo está a baixar. Isto é maquiavélico, um ciclo vicioso. Temos quatro companhias em Portugal a vender gasolina. O Governo já disse, pela activa e pela passiva, várias vezes, que não tem poder para mexer naquilo. O lobi está instalado. Mas nós temos maneira de mexer. Imagine que durante uma semana a CGTP e a UGT dizem: esta semana ninguém compra gasolina e gasóleo em duas destas marcas. Aqueles senhores, ao fim de uma semana, terão os preços mais baixos. E as outras duas vão ter que baixar também, por causa da concorrência. De cada vez que vou na auto-estrada sinto-me insultado. Porque é que gastaram aqueles milhões a colocar aqueles painéis sobre a informação de preços quando os preços são todos iguais? Isso é brincar!

Ou nos galvanizamos ou nos albanizamos! Não há via do meio."


(Via: Pedro Santos Guerreiro)

Luz nas trevas

Naquele tempo, Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou;
e quem me vê a mim vê aquele que me enviou.
Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas.
Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar.

Evangelho segundo S. João 12,44-48