quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Diante da catástrofe atual: Repensar a Igreja com múltiplas vozes



Anne-Marie Pelletier 
Teóloga e biblista francesa, professora do Collège des Bernardins e vencedora do Prémio Ratzinger 2014



Neste momento em que as profundezas da vergonha parecem sem fundo e porque o Papa Francisco nos chamou a nós, o "povo de Deus", precisamos de acabar com o nosso silêncio!
Em primeiro lugar, precisamos de fazer isso para enfatizar alto e claro, particularmente para aqueles cristãos que se sentem devastados pelos eventos, que há apenas UM sacerdote ou “sumo sacerdote”, como a Carta aos Hebreus diz, e como igualmente o expressa a Lumen Gentium.
E este Sacerdote nunca faltará na Igreja, não importa as provações que possam surgir. Vamos todos reler o que o Evangelho de João diz sobre o “Bom Pastor”!
A instituição - particularmente o sacerdócio ministerial - não é a coroa sagrada da Igreja.
Devidamente entendida e dentro de seus limites, a Igreja institucional é um serviço humilde para a atualidade, responsável pela presença sacramental de Cristo para o povo batizado.
Isso é completamente diferente do que o mundo poderia pensar tendo como base para o seu entendimento os "príncipes da Igreja".

Re-examinar o papel sacerdotal

Esta é a questão principal. Está aí a necessidade fundamental hoje de reexaminar radicalmente a nossa eclesiologia. 
Na opinião de muitos, uma das causas dos crimes de pedofilia e abuso de autoridade é uma maneira muito deficiente, desequilibrada e arrogante de entender o poder sacerdotal.
Uma teologia tradicionalmente piramidal da Igreja tem reconfortado a identidade do padre como um cristão da elite que domina as outras pessoas batizadas, mantendo a jurisdição sobre as vidas dos outros.
O sentido de omnipotência que emana daqui inevitavelmente leva a excessos e remove quaisquer barreiras ao jogo das fantasias de algumas pessoas.
Essa realidade precisa, agora, de ser corajosamente desafiada. Primeiro nos seminários, mas também pelos cristãos que nem sempre estão isentos de uma visão sacralizada do papel sacerdotal, que o Evangelho de facto repudia.
Nesse sentido, não podemos apegar-nos mais a uma eclesiologia desenvolvida e implementada exclusivamente por padres.
Precisamos de imaginar uma Igreja com várias vozes, que evidentemente incluirá as vozes das mulheres. Elas têm um relacionamento diferente dos homens com o poder, o que poderia inspirar de forma útil a igreja institucional.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Abusos sexuais na Igreja Católica: pequeno guia de uma grande tormenta



O Papa Francisco respondendo aos jornalistas, Domingo, 
no voo de regresso a Roma (foto reproduzida daqui)

A tormenta não passou, nem passará tão cedo: a crise dos abusos sexuais continua na Igreja Católica, após a viagem do Papa à Irlanda, que deixou um lastro de várias manifestações de crítica à Igreja e a Francisco, que ali esteve para encerrar o Encontro Mundial das Famílias. Depois de, no sábado, ter feito várias declarações e se ter encontrado com várias vítimas de abusos, o Papa foi ontem ainda, Domingo, 26 de Agosto, objecto de uma carta do arcebispo Carlo Maria Viganò, núncio (embaixador) do Vaticano em Washington entre Outubro de 2011 e Janeiro de 2016, denunciando que Francisco teria conhecimento dos abusos cometidos pelo ex-cardeal Theodore McCarrick, forçado a demitir-se do colégio de cardeais há um mês.
Afinal, Viganò – que foi, ele próprio, acusado de ter encoberto casos de abusos e ordenado a destruição de provas – terá deturpado ou mentido vários factos, como se enumera neste texto do National Catholic Reporter [NCR]. 
Na conferência de imprensa dada a bordo do avião, de regresso a Roma, o Papa pediu que os jornalistas façam o trabalho de casa: respondendo a uma pergunta da jornalista Anna Matranga, da CBS, Francisco disse que o texto da carta “fala por si” e que era importante que os jornalistas o lessem e retirassem as suas conclusões. Quando passar um pouco mais de tempo, acrescentou, poderá voltar ao assunto. (A transcrição da conferência de imprensa está aquipor enquanto apenas na versão italiana.)
Tal como o National Catholic Reporter, o New York Times já fez o trabalho de casa e escreveu: “As suas [de Viganò] alegações infundadas e os ataques pessoais representaram uma extraordinária declaração pública de guerra contra o papado de Francisco, feitas naquele que é talvez o seu momento mais vulnerável.” (o texto do NYT está disponível aqui, em inglês)
Quer tudo isto dizer que se deve menosprezar ou ignorar a acusação do antigo núncio? Certamente que não, mas ela tem de ser compreendida no contexto da pessoa que a faz, que também foi um dos envolvidos no caso “Vatileaks”, um dos que levou à demissão do Papa Bento XVI. No Crux, John Allen Jr. recorda vários desses episódios e ainda no NCR escreve-se como a carta de Viganò manifesta a conspiração contra o actual Papa. 

Regra de vida de Hélder Câmara: vida, beleza, alegria


Hélder Câmara (foto reproduzida daqui)

Hoje, 27 de Agosto, completam-se 19 anos sobre a morte, em 1999, de Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife (Brasil). Entre os seus 14 e 22 anos, o jovem Hélder viveu no Seminário Diocesano de Fortaleza, Ceará, Brasil. No final da sua permanência ali, ele elaborou uma ‘regra de vida’, posteriormente divulgada entre colaboradoras e colaboradores, tanto no Rio de Janeiro como em Recife. Trata-se de um documento pouco conhecido, mas relevante para a compreensão da sua importância em termos universais, ou seja, para além da instituição católica.
Nesse texto, sobressai, sem resquícios ‘salvacionistas’, a teologia da graça, da vida, da beleza e da alegria e não se fazem referências a ideias como combate ao pecado, penitência, confissão, arrependimento, pecado original, ‘temor de Deus’, morte, culpa, diabo ou inferno. 
(o texto sobre a Regra de Vida de Dom Hélder pode ser lido aqui)

sábado, 25 de agosto de 2018

Verdade, confiança, dar a palavra aos crentes: uma nova Reforma da Igreja




Protestos no Chile contra o encobrimento dos crimes de abusos sexuais do clero católico 
(foto reproduzida daqui)

Hoje, no Público, dia em que o Papa Francisco chega à Irlanda para encerrar o Encontro Mundial de Famílias, escrevo um texto longo sobre as possibilidades de saída da crise dos abusos sexuais do clero:

Conhecer a verdade, restaurar a confiança, dar a palavra aos crentes e promover uma nova reforma da Igreja. Estas são algumas das urgências para enfrentar o que está a acontecer no catolicismo. Uma crise só comparável, na dimensão, extensão, gravidade e profundidade, à que levou à Reforma do século XVI. Nesta crise, revelam-se, tal como há 500 anos, problemas graves como abuso de poder, clericalismo, formas de nepotismo, centralidade da instituição em detrimento do evangelho, má gestão de bens... O Papa Francisco, que este sábado chega à Irlanda, tem alertado para várias destas questões e já repetiu que considera muito grave o que se passa.
(o texto pode continuar a ser lido aqui)

No mesmo jornal, há outros textos sobre o mesmo tema:
Natália Faria escreve sobre os casos conhecidos em Portugal, para concluir que, afinal, os padres já condenados em tribunal continuarem a exercer o ministério. Ou seja, os mínimos continuam por fazer. O texto pode ser lido aqui

Maria João Guimarães descreve a Irlanda que Francisco visita, estabelecendo as profundas diferenças da actual sociedade irlandesa e do seu catolicismo com aqueles que o Papa João Paulo II encontrou, em 1979. Para ler aqui

Também João Miguel Tavares dedica a sua crónica ao assunto, para defender uma investigação mundial sobre o tema e um estudo aprofundado sobre o celibato. Para ler aqui

  

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Os riscos de dois artistas a desenhar igrejas modernas

In Memoriam
António Freitas Leal (1927-2018) e António Flores Ribeiro (1934-2018)



Texto de João Alves da Cunha

Nos últimos tempos vimos partir dois importantes nomes da arquitetura religiosa em Portugal, António de Freitas Leal e António Flores Ribeiro. Dois colegas, dois amigos, que dedicaram a maior parte da sua vida à construção de igrejas modernas fiéis ao espírito do Concílio Vaticano II. Pela sua dedicação e trabalho no MRAR – Movimento de Renovação de Arte Religiosa e no SNIP – Secretariado das Novas Igrejas do Patriarcado, o património arquitetónico religioso em Portugal dos últimos 60 anos muito deve à sua reflexão e ao risco de suas mãos.

António Aires de Freitas Leal

Nasceu no Funchal em 1927. Em 1950 frequentou o curso de Sociologia e Ordenamento de Território da “Économie et Humanisme”, em L’Arbresle, Lyon. Participou no 1º Congresso dos Universitários Católicos, realizado em Lisboa em 1953, onde apresentou, juntamente com José Pedro Martins Barata, uma comunicação intitulada “Natureza e espiritualidade da profissão de arquiteto” (1). No ano letivo de 1953-45 organizou para os estudantes de Arquitetura um curso de Habitação e Urbanismo, e no ano seguinte lecionou a cadeira de Higiene e Urbanismo no Instituto de Serviço Social de Lisboa. Entre 1954 e 1957 foi professor contratado da Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa.
(O texto pode continuar a ser lido aqui)

Foto: Igreja de Santo António de Moscavide (reproduzida daqui)



domingo, 19 de agosto de 2018

Os refugiados, a bomba-relógio e os medos católicos


O padre Camillo Ripamonti, no Centro Astalli, em Roma, 
junto de refugiados

Há a história de um camaronês que tem gravadas, na pele, as marcas da tortura; de um colombiano detido numa cadeia mas que pode sair para ajudar outros; de uma fila de refugiados que carrega uma “bagagem de sofrimento” e vai diariamente buscar comida a um centro de apoio; de um nigeriano que viu morrer gente no barco em que se meteu para chegar a Itália, depois de ter ido a pé do seu país até à Líbia; de um missionário que teme a bomba-relógio que as políticas europeias podem provocar; de um padre que alerta que ninguém pode ser deixado a dormir debaixo da ponte; de um cardeal criticado por defender o dever evangélico de acolher o estrangeiro; de uma revista católica que coloca na capa a foto de um ministro e lhe diz: “Vade retro”; e, ainda, do responsável do Serviço Jesuíta aos Refugiados em Itália que diz ser inadmissível que haja pessoas a more no Mediterrâneo. 
Hoje, no Público, publico uma reportagem sobre os receios das organizações católicas que trabalham no acolhimento aos refugiados em Itália, tendo em conta o novo quadro político do país e as indecisões dos governos europeus. E também uma entrevista com o director do Serviço Jesuíta aos Refugiados-Itália, padre Camillo Ripamonti, que começa por dizer porque quis ser médico, antes de ser padre, e porque é que o trabalho que agora faz lhe levou quase as mesmas realidades...

sábado, 18 de agosto de 2018

Os abusos sexuais na Pensilvânia e a urgente Reforma da Igreja


Esta foto de Ivan Alavarado/Reuters/CNS (reproduzida daquié mais um sinal dos sentimentos 
de raiva, nojo, náusea, horror e traição que atingem fiéis católicos por todo o mundo: 
dia 25 de Julho, numa missa na catedral de Santiago do Chile, 
uma mulher segura um cartaz onde diz: “Não mais bispos encobridores”. 

No Expresso Diário de quinta-feira, dia 16, publiquei um texto sobre os abusos sexuais por membros do clero em seis dioceses da Pensilvânia (Estados Unidos): 

(...) um relatório de 1356 páginas regista 300 casos supostos de “padres depredadores” sexuais em seis dioceses, que vitimaram pelo menos mil crianças e adolescentes, entre 1947 e o início deste século. 
O padre jesuíta Thomas Reese, do Catholic News Service, uma das vozes que tem defendido a abertura de arquivos e a tolerância zero para com estes casos, afirmou que o documento deve ser um “alerta” para outras dioceses: os responsáveis devem contratar investigadores externos para averiguar tudo o que se passou até hoje e publicar os resultados. 
Naquele que é talvez o comentário mais certeiro ao caso, Reese acrescentou, citado pelo jornal digital Crux: “Muitos bispos pensam: ‘Isto aconteceu antes de eu chegar aqui, lamento que tenha acontecido, mas já mudámos os procedimentos e já não está a acontecer.’” O problema, acrescenta, é que não se averiguou toda a sujidade, ao mesmo tempo. Se isso tivesse sido feito “não estaríamos a ser mortos com mil golpes”. O relatório da Pensilvânia é apenas mais um, depois de outros. “É a mesma história em todos os lugares.”
(o texto pode continuar a ser lido aqui)

Como seria de esperar, o caso está a levantar uma avassaladora onda de reacções. A mais forte, até ao momento, será o apelo lançado por centena e meia de teólogos, educadores e leigos responsáveis de instituições católicas, que fizeram um apelo a que todos os bispos dos EUA apresentassem a sua resignação ao Papa Francisco, tal como fizeram, em Maio, os 34 bispos do Chile.
O apelo foi lançado sexta-feira mas, nesta tarde de sábado, o número de signatários já ia em mais de 700. “Hoje, pedimos aos bispos católicos dos Estados Unidos que orem e genuinamente considerem submeter ao Papa Francisco a sua renúncia colectiva como um acto público de arrependimento e lamento diante de Deus e do povo de Deus”, lê-se num texto publicado ontem mesmo, sexta-feira, em inglês e espanhol no blogue Daily Theology e noticiado pelo National Catholic Reporter (NCR).
Este seria “o primeiro de muitos passos para chegar à justiça, à transparência e à conversão” e só depois poderá começar o doloroso trabalho de cura, acrescenta o texto. 
Num editorial do mesmo NCR, com o título O corpo de Cristo deve reclamar a nossa Igrejaa prestigiada publicação católica alinha pelo mesmo tom muito crítico, defendendo uma urgente Reforma da Igreja. O texto começa por escrever que “raiva e nojo não parecem palavras suficientemente fortes” para definir o que se está a passar e soma três palavras: “Náusea? Horror? Traição?”
O editorial acrescenta, depois: “As revelações dos últimos dois meses tornam inegavelmente claro que é a hora de os leigos reclamarmos que esta Igreja nos pertence. Nós somos o corpo de Cristo, nós somos a Igreja. É tempo de exigirmos que os bispos assumam as suas verdadeiras vocações como servos do povo de Deus. E eles devem viver desse modo.

Dizer duas coisas aos bispos

No texto, admite-se que os leigos, neste momento, podem “fazer muito pouco” para provocar as mudanças necessárias nas “grandes questões” que afligem a Igreja – “carreirismo, abuso de poder, falta de transparência, nenhuma prestação de contas”. Os leigos têm pouco poder, diz o editorial, mas a raiva deve ser transformada em “determinação” e na exigência de mudanças claras. 

sábado, 11 de agosto de 2018

Livros: A mentira – Contra a mentira

Texto de Rui Pedro Vasconcelos

A publicação, no nosso contexto, de uma obra clássica da Tradição cristã – neste caso de Santo Agostinho – representa um acontecimento a registar. Agora, o leitor recebe nas suas mãos dois opúsculos de Agostinho de Hipona, escritos respetivamente em 395 e 420 d. C., sobre a temática da mentira. O primeiro opúsculo, A Mentira, adquire uma linguagem formal e académica, própria das investigações do autor na área da filosofia e da ética; já o segundo opúsculo, Contra a Mentira, consiste numa carta dirigida a um cristão, Consêncio, como resposta a dúvidas levantadas por este sobre a legitimidade de usar a mentira e táticas semelhantes para infiltrar grupos considerados heréticos, como os priscilianistas (movimento de caráter espiritual e popular muito influente na Península Ibérica ao longo dos séculos IV e V, fundado por Prisciliano, bispo de Ávila). Em ambos os opúsculos, Agostinho é perentório: a mentira nunca é, em caso algum, um meio legítimo de evangelização ou anúncio da verdade.
Agostinho procura responder a uma ampla corrente, oriunda da filosofia grega e difundida em significativos autores cristãos da época, segundo a qual a mentira poderia ser justificada em determinadas situações ou de acordo com a intenção de quem a proferisse. Agostinho defende que, podendo em alguns casos ser um mal menor ou leve, a mentira nunca é um bem ou um meio que se justifique, independentemente do fim – seja perseguir a verdade com a mentira ou defender a vida com o falso testemunho. Os mártires elevam-se como baluartes desta integridade da linguagem. Como é bem referido por José Maria Silva Rosa na sua Introdução à obra, a reflexão de Agostinho transporta-nos, hoje, para a natureza do discurso político. Um livro exigente, graças ao qual o leitor se aproximará da sua própria linguagem no comum dos dias.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

“O poder é necessário e é um serviço”


Entrevista ao bispo Carlos Azevedo a propósito do livro “Ministros do Diabo”



D. Carlos Azevedo, fotografado no final de Julho em Santa Maria da Feira 
(foto © Paulo Pimenta/Público)

Defende que o proposto “Museu das Descobertas” deveria ter outro nome e que a Igreja faria bem em promover um processo de reflexão que pudesse levar a pedir perdão pelas atitudes de uma parte dos seus membros durante a guerra colonial. O bispo Carlos Azevedo transcreve e estuda, no seu último livro, sermões de um bispo de Coimbra em autos-da-fé da Inquisição.

O facto de viver em Roma permitiu-lhe um acesso mais fácil aos arquivos do Vaticano. À procura de documentos sobre o bispo João de S. José Queirós, do século XVIII, tropeçou num texto do padre João Moutinho a criticar a Inquisição, no qual condenava os bispos portugueses como heréticos. Agora, encontrou seis sermões do então bispo de Coimbra, Afonso de Castelo Branco, em autos-da-fé – o único caso conhecido em que alguém faz seis sermões em sessões do tribunal da Inquisição.
Delegado do Conselho Pontifício da Cultura, o bispo Carlos Azevedo fala, nesta entrevista em Roma, sobre o seu último livro: Ministros do Diabo (ed. Temas e Debates), onde reproduz e investiga seis sermões do então bispo de Coimbra, Afonso de Castelo Branco. E analisa o que ainda ficou nos portugueses sobre o espírito inquisitorial: “Por vezes, vem ao de cima algum espírito de caça ao erro ou ao mal que é típico deste espírito, em que bastava ser denunciado para ser condenado.”
(o texto pode continuar a ser lido aqui)



terça-feira, 7 de agosto de 2018

Eles ajudam a construir memórias para tornar o futuro possível na Síria



(Foto reproduzida daqui)

Mais de seis milhões de sírios fugiram do país nos últimos sete anos. Dentro da Síria, pelo menos 6,6 milhões estão deslocados. Perante isso, o que se pode fazer? O padre Fouad Nakhaleh, director do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS, na sigla inglesa), na Síria, sugere o que se pode fazer: “Promover a justiça, chamar a atenção para situações de injustiça e, na medida das capacidades de cada um, repor a justiça”.
Ghalia, muçulmana de Damasco orgulhosa de trabalhar entre cristãos, que agora vê futuro para si em Portugal, explica que quando a ajudaram ganhou mais forças para ajudar os outros. E no momento em que a palavra “sírio” se tornou para tantos um símbolo de “radical”, lembra que “as pessoas, lá e cá, precisam de ser defendidas”. “Falem, falem em nossa defesa”, pede. Ajudar é também nunca, nunca “esquecer a Síria”.
O padre Fouad não estava preparado para a guerra, como nenhum outro sírio. Agora, enquanto responsável do JRS na Síria, não desiste da paz. E sublinha que os sírios não desistiram, ainda, da hospitalidade: “Hospitalidade e dignidade. Os sírios mantiveram a capacidade de expressar o seu ‘obrigado’ com muito pouco.” E recorda uma história, de 2013: “Organizámos uma distribuição para 3000 pessoas e era estilo supermercado, elas entravam e escolhiam o que queriam”, conta. “No dia seguinte, uma senhora voltou com a sua família e trouxe-nos um pequeno bolo. Era mesmo pequeno [e mostra o tamanho formando um círculo com as mãos]. ‘É isto que eu tenho’, disse. Éramos 100 voluntários mas fizemos uma grande festa com este bolo”, diz, emocionado com as suas memórias.
(excertos de uma reportagem de Sofia Lorena no Público, que pode ser lida na íntegra aqui)

(Aqui também, pode ser lido um texto sobre Nouar Machlah, o jovem sírio que se reviu na imagem de Cavani ajudado por Ronaldo. Nouar vive em Évora, depois de ter fugido à guerra na Síria natal. Agarrou uma bolsa da plataforma de Jorge Sampaio para formar líderes e agora quer recompensar Portugal pelo que lhe deu...)

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A “aventura irrealizável” de traduzir a Bíblia para português corrente

Augusto de Almeida Esperança (1928-2018), In memoriam


Augusto Esperança, em Outubro de 2004, na Igreja Inglesa, em Lisboa, 
na celebração dos 200 anos das Sociedades Bíblicas; ao lado, a viúva, Felícia Fiandor Esperança

No início, parecia uma aventura “irrealizável”: Portugal tornava-se, em 1972, o sexto ou sétimo país, no mundo inteiro, a fazer uma tradução da Bíblia, directamente dos originais, com uma equipa interconfessional. “Não tínhamos dinheiro nem tínhamos tradutores, especialmente no meio evangélico. Tive que os escolher a dedo depois de muita ponderação e oração”, recordava, em 13 de Julho de 2002, o pastor Augusto de Almeida Esperança, da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP), que morreu ontem, domingo, dia 5 de Agosto, em Lisboa. O funeral será esta quarta-feira, 8 de Agosto, às 10h, saindo da Igreja Presbiteriana, na Rua Tomás da Anunciação, onde o corpo ficará a partir das 21h desta terça-feira, dia 7. 
Na mesma evocação, Augusto Esperança recordava algumas peripécias: “Fizemos o primeiro seminário, ou curso de tradução, durante uma semana no Centro Ecuménico [Reconciliação] da Igreja Presbiteriana, em Buarcos [Figueira da Foz]. (...) Arrisquei convidar biblistas católicos mesmo sem os conhecer, mas de quem tive as melhores referências. Foram eles o Dr. Carreira das Neves e o Dr. António Tavares, escolha de que nunca me arrependi. (O Dr. José Ramos entrou mais tarde para a equipa).”
Desses convites, ficaram amizades para a vida. Augusto Esperança recordava ainda que esse curso especializado teve a orientação dos melhores biblistas das Sociedades Bíblicas Unidas. Entre eles, o Dr. Bratcher, Dr. Wonderly, Dr. Eugene Nida e Dr.Tippox. Mais tarde, tivemos como consultores o Dr. Ellingworth, o Dr. Jan de Waard,o Dr. Mendoza e o Dr. Jean-Claude Margot. Do nosso meio protestante português tínhamos o Dr. Soares de Carvalho, o Rev. Pinto Ribeiro, o bispo Emílio de Carvalho de Angola e o Dr. Almeida Penicela, de Moçambique. (O pastor Pedro Cardoso e o Dr. Alexandre Júnior que colaboraram na tradução experimental de Marcos não estiveram presentes. Aliás os dois não puderam continuar, por motivos particulares).”