segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Abusos sexuais na Igreja Católica: pequeno guia de uma grande tormenta



O Papa Francisco respondendo aos jornalistas, Domingo, 
no voo de regresso a Roma (foto reproduzida daqui)

A tormenta não passou, nem passará tão cedo: a crise dos abusos sexuais continua na Igreja Católica, após a viagem do Papa à Irlanda, que deixou um lastro de várias manifestações de crítica à Igreja e a Francisco, que ali esteve para encerrar o Encontro Mundial das Famílias. Depois de, no sábado, ter feito várias declarações e se ter encontrado com várias vítimas de abusos, o Papa foi ontem ainda, Domingo, 26 de Agosto, objecto de uma carta do arcebispo Carlo Maria Viganò, núncio (embaixador) do Vaticano em Washington entre Outubro de 2011 e Janeiro de 2016, denunciando que Francisco teria conhecimento dos abusos cometidos pelo ex-cardeal Theodore McCarrick, forçado a demitir-se do colégio de cardeais há um mês.
Afinal, Viganò – que foi, ele próprio, acusado de ter encoberto casos de abusos e ordenado a destruição de provas – terá deturpado ou mentido vários factos, como se enumera neste texto do National Catholic Reporter [NCR]. 
Na conferência de imprensa dada a bordo do avião, de regresso a Roma, o Papa pediu que os jornalistas façam o trabalho de casa: respondendo a uma pergunta da jornalista Anna Matranga, da CBS, Francisco disse que o texto da carta “fala por si” e que era importante que os jornalistas o lessem e retirassem as suas conclusões. Quando passar um pouco mais de tempo, acrescentou, poderá voltar ao assunto. (A transcrição da conferência de imprensa está aquipor enquanto apenas na versão italiana.)
Tal como o National Catholic Reporter, o New York Times já fez o trabalho de casa e escreveu: “As suas [de Viganò] alegações infundadas e os ataques pessoais representaram uma extraordinária declaração pública de guerra contra o papado de Francisco, feitas naquele que é talvez o seu momento mais vulnerável.” (o texto do NYT está disponível aqui, em inglês)
Quer tudo isto dizer que se deve menosprezar ou ignorar a acusação do antigo núncio? Certamente que não, mas ela tem de ser compreendida no contexto da pessoa que a faz, que também foi um dos envolvidos no caso “Vatileaks”, um dos que levou à demissão do Papa Bento XVI. No Crux, John Allen Jr. recorda vários desses episódios e ainda no NCR escreve-se como a carta de Viganò manifesta a conspiração contra o actual Papa. 

Como se tudo isto  não bastasse, uma outra resposta do Papa provocou outra tempestade. Quando questionado sobre o que diria a um pai de um filho/a homossexual, Francisco sugeriu muito diálogo e compreensão: “Sempre houve pessoas com tendências homossexuais... Eu diria a um pai para orar, não para condenar, dialogar, compreender, abrir espaço para o filho e para a filha se expressarem. Em que idade surge essa inquietação? Uma coisa é se ela se manifesta como crianças: há tantas coisas a ver com a psiquiatria, para ver como são as coisas. Outra é quando ela se manifesta depois dos 20 anos. O silêncio não é um remédio : ignorar um filho com tendência homossexual é uma falta de paternidade ou de maternidade.”
Uma citação incompleta da AFP (Agence France-Presse) e comentários de vários ONG francesas de homossexuais condenaram o que o Papa disse – ou não disse, como este texto do DN esclarece e no qual se pode ver o vídeo da conferência de imprensa.  
A Portugal, chegou sobretudo a versão da AFP, de que se pode ler aqui um dos exemplosEm qualquer caso, o Vaticano corrigiu a declaração do Papa, retirando a referência à psiquiatria, com o argumento de que Francisco não queria que isso gerasse equívocos. 
Por cá, houve já alguns comentários sobre toda esta questão dos abusos, ainda antes da viagem de Francisco à Irlanda. No DN, Anselmo Borges chamou a atenção para a sacralização que o clero se atribuiuNo JN, Fernando Calado Rodrigues defendeu esta segunda-feira que “não se pode passar a ideia que é uma prática generalizada na Igreja o abuso de menores e que nada tem sido feito para o evitar” (texto aqui), depois de, na semana passada, ter defendido que é preciso acabar com os abusos: “Um só caso que aconteça, em qualquer lugar, será sempre motivo de ‘vergonha’ e de ‘dor’ para a Igreja”. 
Na Visão, o pastor protestante José Brissos-Lino referiu-se também à carta do Papa sobre os abusos, falando da luta contra o clericalismo

1 comentário:

Rumos Novos - Católicas e Católicos LGBT (Portugal) disse...

Como no texto se referem reações de organizações de homossexuais católicas francesas à resposta de Sua Santidade sobre a questão referente à homossexualidade, pode referir-se a propósito que a Rumos Novos - Católicas e Católicos LGBT (Portugal) foi das poucas, senão mesmo a única, associação da católic@s LGBT que não embarcou na condenação das palavras do Papa Francisco e que compreendeu o contexto da utilização da palavra "psiquiatria" nas palavras do Sumo Pontífice, como resulta claro da entrevista do nosso coordenador nacional à Radio France Internationale, que pode ser escutada no seguinte link: .