Sábado Santo e a água como símbolo de fecundidade plena
Fédor Zubov, O Profeta Elias no Deserto
(1672), Museu de Arte de Jaroslavl
Hoje, Sábado Santo, as liturgias
cristãs – de modo especial a católica – assinalam o dia do grande silêncio. Os
crentes contemplam o Cristo sepultado, mas experimentam, na aparência de uma
derrota, a confiança na ressurreição. Como quem sabe que, mesmo no meio do
deserto, há água que brota.
O profeta Elias – representado no
ícone O Profeta Elias no Deserto, de Fédor
Zubov – foi um dos que, na história bíblica, entendeu essa realidade. A seca
atormentava o povo de Israel. Elias é então convocado por Deus, que queria
“mandar chuva sobre a terra”, para manifestar que só ele era o verdadeiro Deus.
E, depois de um despique com os sacerdotes de Baal, a chuva sobrevém e o povo
volta-se de novo para o seu Deus. Antes, já o mesmo Elias recriara alimento na
casa de uma pobre viúva que sofria asperamente os efeitos da seca e não tinha
pão nem farinha.
Em ambas as histórias, Elias é
aquele que acredita contra toda a lógica. A água virá, a fome acabará, mesmo se
o deserto é que nos envolve – tal é o sentido da acção do profeta, narrada no
livro bíblico de Reis.
A água é, na Bíblia, esse sinal
da fecundidade plena. No início, conta o livro dos Génesis, já o Espírito de Deus pairava sobre as águas. No dilúvio
de Noé, a água é o sinal da destruição mas também da purificação. Para fugir da
escravatura no Egipto, os hebreus atravessam a pé enxuto o Mar Vermelho. Para
os egípcios que tentarão perseguir os antigos escravos, a água será o seu cemitério,
tornando-se sinal de liberdade plena.
Esta noite, na Vigília Pascal – a
mais importante celebração do calendário litúrgico católico – os crentes
recordam a água que fecunda a terra, que dá “frescura e pureza aos nossos
corpos”. É dessa ideia que nasce o rito do baptismo. Na Vigília Pascal, celebra-se
muitas vezes o baptismo de alguns e todos os crentes são aspergidos, recordando
o dia em que cada um foi introduzido, pela água, na comunidade dos crentes. Como
o viajante que passa por uma fonte: pára, refresca-se, descansa e retoma forças
para o caminho. Como quem acredita que, entre os sinais da desesperança, é
possível perscrutar o que os olhos não vêem.
(texto publicado no Público a 26 de Março de 2005)
(texto publicado no Público a 26 de Março de 2005)
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