quarta-feira, 15 de abril de 2015

Escutar a cidade sobre pobreza, emprego e crise financeira


Foto © Adriano Miranda

Desde sempre a Igreja apresenta-se como “perita em humanidade” e “cuidadora dos pobres”. Mas nesta quinta-feira, 16 de Abril, no Fórum Lisboa, entre as 19h e as 21h00, é ela que vai ouvir as reflexões, os desafios e os reptos formulados por vozes autorizadas conhecedoras da cidade e dos seus mecanismos da produção e da reprodução da pobreza. É mais um encontro da iniciativa Escutar a Cidade com o título Pobreza, emprego e crise financeira.
O jornalista da TSF Fernando Alves, o perito em relações laborais António Brandão Guedes, a socióloga Isabel Guerra e o economista Pedro Lains serão os oradores de uma sessão em que a observação, a participação em muitos programas de luta contra a pobreza, o conhecimento das situações de desemprego e a análise do impacto da crise financeira nas classes de menores rendimentos estarão em diálogo com a percepção que a Igreja da diocese de Lisboa tem da crise social em que vivemos e com as respostas que tem procurado dar-lhe.

Identidades, comportamentos e modos de vida

Os encontros do Escutar a Cidade permitiram já um conjunto de enunciados importantes para a caminhada do Sínodo que os católicos do patriarcado estão a realizar até ao Outono de 2016.
No primeiro encontro, sobre Identidades, Comportamentos e Modos de Vida, o crítico e ensaísta António Guerreiro propôs Um breve léxico do nosso tempo, a partir de palavras como crise, economia, futuro, política/biopolítica/despolitização, precariedade e trabalho. E afirmava: “Não existe Igreja senão comprometida com este tempo, capaz de agarrar a ocasião histórica. A história apresenta-se como um campo de tensões percorrido por duas forças opostas: a primeira, a que S. Paulo chamava catechon é aquela que adia o fim ao longo do curso linear e homogéneo do tempo cronológico; a segunda é a de um tempo messiânico, a sua economia é a economia da salvação.” (o texto pode ser lido aqui na íntegra)
Maria Benedicta Monteiro perguntou O que querem os jovens? Falando sobre o que pensam os jovens acerca de segmentos das população como os idosos e os migrantes, a psicóloga afirmou: “Como crescem e se sentem estes alunos? Que margem de manobra têm para fazer percursos escolares ‘limpos’, como muitos dos seus colegas de origem portuguesa? Que oportunidade têm de pertencer, verdadeiramente, à comunidade nacional? Será que também a estes jovens vai ser perguntado, no estudo da União Europeia, quais as suas atitudes e expectativas acerca das políticas públicas de educação, de coesão social, e de organização económica, social e cultural da nossa vida colectiva? Essa é a esperança de vir a dar voz cidadã, tanto à maioria dos jovens portugueses como à minoria de origem imigrante. Para que possamos compreender como nos poderemos dirigir para uma sociedade em que tanto os jovens como os cidadãos mais velhos venham a fazer verdadeiramente parte do novo modelo de sociedade em construção.” (o texto pode ser lido aqui na íntegra)
Na última intervenção desse primeiro encontro, o sociólogo José Machado Pais propôs uma reflexão sobre a solidão na cidade: “O que quero dizer é que para entendermos a solidão – enquanto sentimento individual – há que olhar o seu avesso, que é tecido de laços sociais: ausentes ou presentes.” E, depois de contar a história de como um dia deixou à chuva o seu amigo José, um sem-abrigo que circulava pela zona da Praça de Londres, concluiu: “Cheguei a casa com a alma encharcada de remorsos. Nessa noite não consegui dormir. Tinha deixado um amigo na rua. Não se abandona um amigo na rua.”
(texto integral aqui; os vídeos das diferentes intervenções, bem como os textos de apresentação da sessão e do vídeo inicial estão disponíveis aqui)

Política, participação e democracia

No segundo encontro, sobre Política, participação e democracia, participaram o jornalista João Pacheco, a socióloga Ana Drago, a autarca Inês Drummond e o professor universitário e ensaísta Viriato Soromenho-Marques.
Na primeira das intervenções dessa sessão, João Pacheco contou histórias; como aquela de, um dia, o pai o ter espantado com um livro que lhe deu: “Uma Bíblia? Eu sabia perfeitamente como o meu pai não queria ter nada a ver com missas. E devo ter ficado com cara de parvo, a olhar para aquela encadernação pirosa. O meu pai terá dito qualquer coisa como – ‘Um dia vais ler e vais perceber que este é um grande romance’.” Mas João Pacheco também pediu que os crentes cumprissem três mandamentos: Conhece a tua própria história; Faz por conhecer a história dos que te rodeiam no quotidiano; Tenta conhecer e dar a conhecer a história daqueles por quem passas sem notar. (texto integral disponível aqui)
Ana Drago falou da cidade como “espaço de confluência das diferenças, manifestando-se contra o “estreitamento do projecto democrático e a incapacidade de o abrirmos a novas expectativas”. Defendeu o conceito de justiça como possibilidade de recuperar a democracia e disse que é necessário “reintroduzir alguma forma de conflito político que nos permita (…) afrontar as questões da desigualdade, da invisibilidade, da exclusão e da violência”. (vídeo da intervenção disponível aqui)
Na terceira intervenção, Inês Drummond, presidente da Junta de Freguesia de Benfica (Lisboa), analisou a intervenção das instituições sociais católicas a nível local. Apontando as suas virtudes, apelou também à necessidade de um apoio “mais holístico e pluridisciplinar”. Salientou as dificuldades dessas instituições da Igreja no que diz respeito ao trabalho em rede, fruto da sua atitude mais reactiva do que de proposta, pela falta de formação de muitos dirigentes e pela estrutura de decisão muito pesada. E defendeu que a Igreja Católica seja, no campo social, “mais interventiva, mais criativa e mais cooperativa na definição de estratégias”. (vídeo da intervenção disponível aqui)
Viriato Soromenho-Marques apelou a que “a Igreja Católica utilize todas as suas estruturas para dinamizar uma discussão livre sobre as grandes questões europeias – modelo de construção, assimetria Norte-Sul, dívida – num ambiente de fraternidade”. E recordou a ideia do perdão como dimensão política, proposta por Hannah Arendt, “não como uma atitude de desobrigação do outro, mas como um vínculo entre aquele que ofende e aquele que foi ofendido”, na perspectiva da inclusão de todos (vídeo da intervenção disponível aqui)
Na mesma sessão, os Império Suburbano falaram também, através da linguagem musical do hip-hop, da consciência social e do empenhamento individual e colectivo. O vídeo da sua participação pode também ser visto aqui ou no filme a seguir.



Dinâmicas sociais no território da Diocese

O terceiro encontro do Escutar a Cidade, realizado em Março, foi dedicado ao tema das Dinâmicas sociais no território da diocese de Lisboa. Nessa sessão, o geógrafo João Ferrão fez várias perguntas: “Como dar, então, mais espaço aos que têm tempo e mais tempo aos que têm espaço? Ou, por outras palavras, como garantir o direito à cidade – a usá-la e vivê-la – aos primeiros e como assegurar o direito ao tempo lento – da contemplação, da reflexão, da leitura e do convívio – aos segundos?” E acrescentou: “Olhemos, por exemplo, para os que têm espaço mas não têm tempo. A multi-presença que caracteriza o quotidiano de tantos habitantes das cidades limita-se, a maior parte das vezes, a passagens efémeras e desatentas pelos vários locais percorridos. Mas não poderemos transformar os casos de multi-presença em situações de multi-pertença, através da partilha de ideias, valores e projetos com quem conhecemos nesses diversos locais, construindo, por essa via, novas identidades a partir de múltiplas redes? E como aproveitar as situações de multi-pertença e a formação de novas identidades que elas proporcionam para “tornarmo-nos outros”, isto é, para nos transformamos individual e coletivamente? E, finalmente, como mobilizar essa capacidade individual e coletiva de “tornarmo-nos outros” para construir comunidades com sentido de futuro e, por isso, capazes de vislumbrar futuros desejados e antecipar a sua ocorrência?” (texto integral aqui)
Na segunda intervenção da noite, a filósofa Olga Pombo defendeu a ideia de que a escola tem a transmissão do conhecimento como missão prioritária. E afirmou: “Há pois que reconhecer que, no nosso mundo de hoje, uma das funções mais silenciadas da escola, mas nem por isso menos incontornável, é a de tomar conta dos filhos enquanto os pais vão trabalhar. Só que, um tal facto vai desencadear implicações profundas e insuspeitadas. Se, durante largas horas diárias, a escola se constitui como substituto, ainda que precário, da antiga casa familiar, como resistir à tentação de, conjuntamente com a transferência de grande parte da responsabilidade na custódia diurna das crianças (e dos jovens, bem entendido), transferir também para a escola direitos e deveres educativos que, primordialmente seriam - sempre foram - da responsabilidade dos pais?” (texto integral aqui)
A demógrafa Teresa Rodrigues caracterizou algumas das tendências demográficas do país, para afirmar: “As ações em termos de políticas públicas têm-se concentrado nas questões do envelhecimento, dada a maior visibilidade do fenómeno. Com efeito, será necessário o envolvimento de toda a sociedade civil com vista a garantir a mudança de paradigma associado ao envelhecimento.” (texto integral aqui; o texto de apresentação da sessão e os vídeos das diferentes intervenções, podem ver-se aqui; o vídeo seguinte reproduz a leitura do primeiro dos poemas ditos por Teresa Lima; a partir dele, pode aceder-se aos restantes vídeos.)



O Escutar a Cidade é uma iniciativa de três dezenas de movimentos, comunidades e organizações católicas da Diocese de Lisboa, com o objetivo de inserir no caminho de preparação do sínodo do patriarcado (2014-2016) a audição de pessoas que não partilham a condição de pertença eclesial. As sessões são públicas e de entrada livre, decorrem no Fórum Lisboa, das 19h00 às 21h00, sempre às quintas-feiras. Depois da sessão de 16 de Abril, os encontros seguintes decorrem a 14 de Maio, sobre Ciência, arte e conhecimento  e 18 de Junho (Linguagens, espiritualidades, sexualidades e convicções).


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