Encontro histórico em Havana
termina com declaração conjunta a apelar à comunidade internacional para travar
perseguições a cristãos
O Papa Francisco e o patriarca
Cirilo, da Igreja Ortodoxa Russa, querem uma "acção urgente da comunidade
internacional para prevenir nova expulsão dos cristãos do Médio Oriente".
Ao mesmo tempo, pedem à comunidade internacional que "faça todos os
esforços possíveis para pôr fim ao terrorismo valendo-se de ações comuns,
conjuntas e coordenadas", mas de modo "responsável e prudente".
E os cristãos devem rezar para que Deus "não permita uma nova guerra
mundial".
A declaração conjunta dos dois
líderes religiosos, naquele que é o primeiro encontro entre o bispo de Roma e o
patriarca de Moscovo em mil anos de separação das duas Igrejas, foi assinada
ontem, cerca das 17.00, em Havana (22.00 de Lisboa). No documento, Francisco e
Cirilo dizem que, ao levantar a voz em defesa dos cristãos perseguidos,
exprimem igualmente a sua "compaixão pelas tribulações sofridas pelos
fiéis doutras tradições religiosas, também eles vítimas da guerra civil, do
caos e da violência terrorista".
(texto para continuar a ler aqui, de onde também é reproduzida a foto abaixo; a seguir, um segundo texto sobre a história e as razões da separação entre católicos e ortodoxos)
O patriarca Cirilo, de Moscovo, e o Papa Francisco,
ontem em Havana
Política e religião, razões de um
cisma de mil anos
Foram
razões políticas que levaram à excomunhão mútua entre os cristãos do Ocidente e
do Oriente, em 1054, mesmo se havia já divergências teológicas importantes.
Depois, o modo de entender a fé cavou mais fundo a separação. Hoje, a política
e os modos de entender a fé cristã aproximam os dois grandes ramos do
cristianismo, mesmo se subsistem importantes factores de divisão em ambos os
campos.
Durante
os primeiros séculos, o cristianismo dos dois lados da Europa foi seguindo
modos diferentes de se entender a si mesmo e de compreender a presença cristã
na sociedade política. Mas a primeira grande divergência aparece ainda no século
VIII, com a crise iconoclasta, a querela relativa às imagens. Nela “intervieram
a teologia, a disciplina e a polícia”, como recorda o teólogo alemão Hans Küng,
na sua monumental obra “O Cristianismo. Essência e História” (ed. Círculo de
Leitores/Temas e Debates).
Em
725 e 726, o imperador Leão III, de Bizâncio, fez vários discursos apoiando um
movimento que pretendia a destruição das imagens, com isso agravando as
discussões já existentes. E mandou mesmo destruir uma imagem de Cristo na porta
do seu palácio, muito venerada pela população.
A
questão teve sucessivos episódios nos séculos seguintes, agravando o fosso
entre as duas metades da Europa. A liturgia foi também seguindo caminhos
diferentes. No século XI, as questões políticas – com Roma e Constantinopla a
discutir sobre quem tinha a herança do Império Romano – deram um carácter definitivo
à separação, com a excomunhão mútua do enviado do Papa a Constantinopla, o
cardeal Humberto Candida, e do patriarca Miguel Cerulário.
“O
ponto mais baixo das relações mútuas” ainda estaria para vir, com as cruzadas,
como nota Küng. Massacres de latinos às mãos dos bizantinos, o cerco e saque de
Constantinopla às mãos dos cruzados e a imposição da hierarquia latina à Igreja
oriental durante meio século foram factores a agravar o cisma – e permanecem no
inconsciente colectivo de muitos cristãos ortodoxos como uma ferida aberta.
As
divergências teológicas que vinham de trás aprofundaram-se a partir daí: os
cristãos orientais admitem os ícones mas não as imagens em escultura, as liturgias
tornam-se cada vez mais distintas, a organização da Igreja torna-se mais
sinodal e autónoma no Oriente, e mais centralizada na figura do Papa, no
Ocidente latino – o reverso desta medalha é que, no Oriente, cada Igreja, não
dependente de um poder religioso centralizado, pode ficar mais dependente do
poder político do momento.
Surge
também uma profunda divergência teológica: para o cristianismo latino do
Ocidente, o Espírito Santo procede de Deus Pai e de Jesus Cristo; para o
cristianismo oriental ortodoxo, ele procede apenas de Deus Pai.
Hoje,
o papel do Papa é ainda motivo de divergência e as diferenças teológicas permanecem,
mas já não têm o peso de outrora. Os papas João Paulo II e Francisco admitiram
rever o lugar do bispo de Roma, como passo para uma Igreja que alie a unidade e
uma maior autonomia das igrejas locais. A excomunhão mútua foi retirada em
1964, a aproximação pessoal, institucional e teológica é cada vez maior. A política
veio de novo baralhar a questão, em questões como a reivindicação, por parte
dos católicos orientais, dos bens que o regime comunista lhes tirou para
entregar à Igreja Ortodoxa; ou com a maior complacência da Igreja Ortodoxa
russa para com situações como a invasão russa da Ucrânia.
O
encontro de ontem, em Havana, é um passo de gigante para aplanar um milénio de
zangas.
(texto publicado também na edição deste sábado do DN)
Texto anterior no blogue
O encontro de Francisco com o patriarca Cirilo será mesmo histórico - uma antecipação do encontro que decorreu esta sexta-feira em Havana
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O encontro de Francisco com o patriarca Cirilo será mesmo histórico - uma antecipação do encontro que decorreu esta sexta-feira em Havana
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