Sobre a polémica que ontem dominou comentários políticos e mediáticos, fui convidado a escrever um comentário no Diário de Notícias, que foi hoje publicado; aqui fica o texto:
A imagem do Bloco sobre Jesus tem
um problema constitucional: pode um partido político fazer profissão de fé pública
em Jesus Filho de Deus – aquilo em que acreditam os cristãos? Se, por exemplo,
um primeiro-ministro se benzesse publicamente, quantos não o censurariam por
ameaças à laicidade? António Guterres fê-lo uma vez e foi criticadíssimo (ou
seja, um político perde o direito às convicções pessoais, mesmo se tal não
ameaça em nada o Estado ou a laicidade).
O BE faz pelo menos duas
profissões de fé: em Jesus como Filho de Deus e em Deus-Pai. E tem outro
problema: ignora a figura da mãe e refere apenas o tradicional Deus-pai. O que,
para muitos cristãos, hoje, é redutor, porque entendem Deus como pai e mãe. O
Bloco alia-se, assim, ao cristianismo conservador (também na imagem usada).
A frase não é original, já vários
grupos protestantes e católicos a publicaram – ver o BE a imitar cristãos tem
graça... E, mais do que ofensiva (o que a frase diz é verdade cristã), a imagem
é um desastre de comunicação. Como diz o grupo Rumos Novos, de homossexuais
católicos: “Atitudes como [esta] terão sempre o efeito contrário ao pretendido
e tornarão mais difícil a integração plena das pessoas de orientação
homossexual, criando anticorpos...” E Marisa Matias, a eurodeputada do Bloco,
escreveu no Facebook: “Acho que saiu ao lado da intenção que se pretendia. Que
foi um erro.”
Seria interessante ver o Bloco
preocupado também, por exemplo, em apoiar as crianças cristãs perseguidas só
pelo facto de o serem (na Síria, Iraque, Palestina, Índia...). E também seria
interessante ver a indignação de tantos católicos voltar-se não tanto contra
cartazes com pouca graça mas contra a tirania financeira que despreza as
pessoas – filhas de Deus e irmãs umas das outras, como afirma a fé cristã. É
porque o Deus dos cristãos deve rir-se imenso com estas birras sem interesse. O
que o afligirá mesmo é o sofrimento de tantas pessoas.
(Texto disponível também aqui)
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1 comentário:
Caro António Marujo,
Só hoje vi o texto.
É brilhante, inteligente e económico. Diz tudo o que é importante em poucas palavras.
Espero que muita gente leia.
Lisete Fradique
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