Texto de Joaquim Franco
Duas
deputadas, um deputado e dois autarcas debateram esta quarta-feira, na Biblioteca
Fernando Piteira Santos, na Amadora, o tema Religião
e Política: Entre a convivência, a tensão e a indiferença. Com todos eles,
representando as principais sensibilidades políticas presentes no Parlamento, a
coincidir na importância do fenómeno religioso e na necessária articulação
entre religião e política, como duas faces inseparáveis da mesma realidade. “A
religião está sempre presente na sociedade, é como uma mochila que trazemos às
costas”, afirmou, a propósito, o comunista Bernardino Soares, presidente da
Câmara Municipal de Loures.
A
religião aparece como produtora de ideias e de uma ética de convivência para o
bem comum, ferramentas imprescindíveis da acção política. Esta, por seu lado, é
o exercício de uma reflexão pragmática sobre o bem comum. Assim, é nesse
terreno comum que se jogam sintonias e desentendimentos, tornando impossível a
negação mútua.
Para
José Manuel Pureza, o desafio das religiões também é político, pois “é o
desafio da desigualdade e da discriminação”. O professor universitário e
deputado do Bloco de Esquerda defendeu a criação de “pontes e diálogo entre
estruturas políticas e estruturas religiosas”, para valorizar a “centralidade
do empenhamento político” e olhar a política “como espaço virtuoso de
intervenção”.
Assumindo-se
como católico “desalinhado”, Pureza admitiu ter um “encontro e desencontro
diário entre política e fé” e levou ao debate uma pergunta que ouvia do
sociólogo Alfredo Bruto da Costa, antigo governante e presidente da Comissão
Nacional Justiça e Paz, da Igreja, que morreu em 2016: “Como é possível um país
católico chegar ao século XXI ainda com dois milhões e meio de pobres?”.
Também
Ana Rita Bessa falou da “condição de política e crente”, reconhecendo ser uma
relação “umas vezes com ânimo e outras vezes com dúvidas”. A deputada do CDS
disse ser católica e “estar na política”, mas “fiel a uma ética de construção
do bem comum, mais do que a uma moral”. Até porque, entende, a “política é o
sítio mais extraordinário para cumprir o bem comum”.
Não
é possível separar o sentimento religioso da ação política, acrescentou
Bernardino Soares. O problema, afirmou o presidente da Câmara Municipal de Loures
e membro do Partido Comunista, é quando de forma lesiva “há contaminação” de
uma dimensão sobre a outra, embora hoje a sociedade tenha “maturidade” para
prevenir essas situações e separar as águas.
“A
religião está sempre presente na sociedade, é como uma mochila que trazemos às
costas”, e isso “pode dar para o bem ou pode dar para o mal”, disse Bernardino
Soares, lembrando “não é a religião que vai resolver os problemas da
humanidade, mas a política”.
Confessando-se
católica, a deputada socialista Idália Serrão esclareceu não ter “uma boa
relação com a Igreja, embora o balanço seja positivo”. E explicou: “Oiço
representantes políticos e religiosos numa tentativa de mostrarem que são o que
não são, porque depois os comportamentos não correspondem às ideias”.
As
mediações políticas para a intervenção dos crentes são variadas e estão por
todo o espectro partidário, defende Pureza, para quem “não há um entendimento
cristão sobre a sexualidade, ou a forma de assegurar a saúde pública ou o
ensino”. Há sim, defendeu, uma via de pluralidade, sublinhando o deputado os
apelos do Papa à participação dos cristãos na política, mas advertindo que “a
pior das coisas é o sindicato dos crentes, o partido dos crentes ou a política
dos crentes”.
A
laicidade foi referida por Ana Rita Bessa como um bem a defender se comparada a
“uma tela branca” que pode ser o “ponto de encontro” de várias visões da
política e da religião. “Vivo bem com esta laicidade, vivo mal com o extremo de
uma religião que quer impor-se e com políticos que querem «apagar» o sentimento
religioso”, afirmou a deputada centrista. Já a socialista Idália Serrão
acrescentou que religião e política não podem ser ”tolerantes com o ódio e o
fundamentalismo”.
O
fenómeno de Fátima foi também levado ao debate, através do social-democrata e presidente da Câmara
Municipal de Ourém. Luís Albuquerque garantiu que as relações entre a autarquia
e o santuário “estão bem, mas há uma história de tensões” ocasionais. Deu o
exemplo de um recente diferendo entre a autarquia e o santuário por causa de um
terreno. A autarquia perdeu o caso nos tribunais e tem de pagar agora os
respetivos custos, “na ordem dos 200 mil euros”.
O
espaço de ação dos poderes públicos locais está preservado, assegurou, e o
santuário tem atuado no âmbito da sua legitimidade.
Fátima,
que em 2017 teve nove milhões de visitantes, é um “espaço de diversidade e
liberdade, nos antípodas do radicalismo e da intolerância”, representando assim
uma oportunidade politicamente rica para promover “a paz e a tranquilidade com
espírito aberto ao diálogo”, defendeu o autarca. “Há lugar para todos”, disse,
revelando que o turismo local está a desenvolver estratégias de promoção da
«marca» Fátima também em países e mercados turísticos de cultura religiosa
não-católica, sobretudo na Ásia e América do Sul.
Se
em Ourém a diversidade religiosa se limita institucionalmente a uma reduzida
presença evangélica, em Loures houve a necessidade de criar um gabinete
autárquico para Assuntos Religiosos. O concelho tem mais de 120 nacionalidades
e uma das maiores, senão a maior, diversidade étnica e religiosa em Portugal.
O
edil Bernardino Soares falou da religião como importante “instrumento da
política”, sendo as organizações religiosas parceiras “preciosas” para auxiliar
a ação, por exemplo, nas políticas sociais.
Alguns
representantes de confissões religiosas presentes na assistência questionaram os
políticos sobre a Liberdade Religiosa e a utilização de textos sagrados na
narrativa política. Os oradores defenderam que os textos sagrados, por
princípio, são também cultura e por isso “não são interditos” ao discurso
político, desde que essa utilização não represente uma tentativa de influência
no exercício do poder, podendo manipular a opinião dos crentes.
Já
quanto à Liberdade Religiosa, foram unânimes em considerar que ela não pode ser
dada como adquirida e que a Assembleia da República – que recentemente recusou
uma petição que pedia a ilegalização das Testemunhas de Jeová – deveria
porventura reforçar a atenção ao tema.
Num
comentário conclusivo, Paulo Mendes Pinto reafirmou a “importância vital “ das
religiões no espaço da cidadania. O coordenador da Área de Ciência das
Religiões da Universidade Lusófona lamentou que a Assembleia da República não seja
o reflexo, na sua composição, “da diversidade religiosa e étnica da sociedade
portuguesa”.
Este
foi o terceiro de um ciclo de debates a realizar na Amadora, no âmbito do
projeto O Mundo na Amadora – Religiões e
Culturas em Diálogo, numa parceria entre a autarquia e a Área de Ciência
das Religiões da Lusófona. Depois do papel das religiões na sociedade, da
reflexão religiosa sobre a igualdade de género, da relação entre religião e
política, segue-se o binómio religião/educação, com um debate, a 9 de Maio,
numa das escolas da cidade.
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