O Salmo
53 termina, dizendo:
“Quem
dera que viesse de Sião a salvação de Israel!
Quando
Deus reconduzir os cativos do seu povo,
Jacob
rejubilará e Israel exultará de alegria.”
É este
poema que se pode ouvir no vídeo acima. No salmo, um dos versos também diz “Não
há razão para tremer”. Mas, ao escutar estas (poucas) vozes, que cantam o Salmo
53 em aramaico – a língua que Jesus falava –, há todas as razões para tremer,
pela intensidade e beleza que é colocada na interpretação desta oração bíblica
(a gravação foi feita durante a visita do Papa Francisco à catedral patriarcal
Svietyskhoveli, em Mtskheta, na Geórgia, a 1 de Outubro de 2016).
Hoje, a
Oriente, tendo em conta a diferença de calendário, a maior parte das igrejas
ortodoxas, católicas orientais, coptas, caldeias, sírias e arménias celebram o
Sábado de Páscoa – coincidindo, aliás, com o Sábado da Pessah judaica,
celebração final que culmina uma semana de memória da saída do cativeiro doEgipto.
No hino de Sábado Santo da tradição oriental, reza-se: “Tu desceste à
terra para salvar Adão, mas não o encontrando na terra, oh Senhor, foste buscá-lo
aos infernos.” É por isso que muitos ícones da ressurreição representam, na
tradição oriental, Cristo descendo aos infernos. (Uma pequena polémica
mediática envolveu de novo o Papa Francisco, dias antes da Páscoa, por ele
alegadamente ter dito que o Inferno não existe; uma ideia, aliás, que já João Paulo II tinha assumido, nas suas
catequeses de quarta-feira, no Verão de 1999, o inferno não é um lugar físico
mas a “situação de quem se afasta de Deus”, e que seria depois contraditada por Bento XVI.)
Diz a homilia de São João Crisóstomo, que se lê na Divina Liturgia
ortodoxa da noite de Páscoa: “Saciai-vos todos no
banquete da fé, vinde servir-vos do tesouro da misericórdia. Que ninguém
lamente a sua pobreza, porque o Reino chegou para todos; que ninguém chore as
suas faltas, porque o perdão brotou do túmulo; que ninguém receie a morte,
porque a morte do Salvador dela nos libertou.” (o texto
completo da homilia pode ser lido aqui, em português)
No seu Prado Espiritual,
Aleksej Remizov escreve: “A santa mãe, a Ressurreição do Tríduo, purificada no
orvalho de Primavera, acende a aurora, e no final da liturgia, resplandecente a
conduz sobre o monte mais alto.”
A linguagem de uma profunda poética de interioridade, fortemente ancorada
nas celebrações pascais, marca a linguagem do cristianismo oriental. Tal como a
tradição do acolhimento e a “intensa procura da comunhão com Deus”, como
escreve o dominicano fr. José Luís de Almeida Monteiro, na apresentação da
edição portuguesa dos Relatos de um Peregrino Russo ao seu Pai Espiritual.
E, na Pequena Filocalia, pode ler-se, num dos Quatrocentos
textos sobre o amor, de São Máximo, o Confessor: “Bem-aventurado o homem
que não fica cativo do que é finito, transitório, corruptível.”
(Sobre
outras tradições pascais, podem ouvir-se duas reportagens de Manuel Vilas Boas
na TSF. Uma, que conta a Páscoa judaico-cristã de Castelo de Vide, que passa
pelas matracas de Quinta-feira
Santa, a bênção dos cordeiros no Sábado, o ensurdecedor toque nocturno das
campainhas e chocalhos no interior da igreja e pelas ruas desta vila medieval
até à procissão da Ressurreição, no Domingo de Páscoa. Para ouvir aqui.
A outra, sobre as tradições minhotas do Compasso ou Visita Pascal, que
inclui cortejos de cruzes floridas, bênção das casas e a travessia do rio
Minho, entre Portugal e a Galiza. Para escutar aqui.)
Ilustração: Ícone O Anjo e as Mulheres junto do túmulo de Jesus, Museu de São Petersburgo
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