sábado, 1 de setembro de 2018

Celibato obrigatório e abusos sexuais - que relação?

Presidente da conferência dos bispos e Presidente dos institutos religiosos da Austrália, respetivamente Mark Coleridge e Monica Cavanagh, na apresentação do relatório


Os responsáveis da Igreja Católica australiana (conferência dos bispos e dirigentes dos institutos religiosos) declararam estar abertos a colocar à Santa Sé a questão do celibato voluntário dos padres, na linha das recomendações feitas pelo relatório final da Royal Commission para os abusos sexuais, publicado em 2017.
Essa disponibilidade consta de um extenso documento em que os bispos e os religiosos esclarecem qual a sua posição relativamente a cada recomendação e as medidas que já tomaram ou se dispõem a tomar para combater os abusos e proteger e acautelar os direitos das crianças. É nele que manifestam concordância em clarificar os critérios da escolha dos bispos, assunto que terá de contar com a concordância do Vaticano; e em que se opõem terminantemente a revelar casos ou situações de pederastia de que tenham conhecimento no confessionário. Esta questão já foi objeto de lei em alguns dos estados australianos, mas os bispos entendem que, além de ser uma questão inegociável e uma matéria de liberdade religiosa, argumentam também que uma medida deste tipo é ineficaz, uma vez que a probabilidade de um perpetrador ou de uma vítima colocarem uma situação de abuso na confissão se reduziria se soubessem que o segredo não estava garantido.
No caso do celibato dos padres, trata-se, no entanto, de uma disponibilidade cheia de matizes. Na verdade, os bispos dizem ter já transmitido a recomendação aos seus superiores no Vaticano, com quem têm tido consultas sobre o assunto e que eles próprios têm buscado conselho da parte de teólogos e especialistas de direito canónico. Recorde-se que o órgão que a própria Igreja australiana criou para coordenar a resposta ao problema dos abusos - o  Truth Justice and Healing Council – escreveu, sobre este assunto o seguinte:
“Esta questão deve ser levada ao conhecimento do grupo de trabalho da Santa Sé [sobre os abusos], solicitando em particular que seja feito um estudo sobre o impacto do celibato obrigatório no comportamento dos perpetradores de abuso sexual de crianças e sobre a influência do clericalismo na resposta institucional ao abuso por pate da igreja”.

Os bispos colocam-se numa posição defensiva, que tem sido a linha oficial, dizendo, que a Royal Commission “não apresentou nenhuma evidência de conexão causal entre celibato e abuso sexual infantil; que o celibato voluntário é uma prática positiva há muito estabelecida na Igreja tanto no Oriente como no Ocidente, particularmente para os bispos e a vida religiosa; e que uma formação inicial e contínua inadequada de sacerdotes e religiosos para a vida celibatária pode ter contribuído para um risco maior de abuso sexual infantil, mas não o celibato como um estado de vida em si”.
Outras recomendações que mexem com a vida celibatária e que foram aceites pelo episcopado e pelos representantes dos religiosos são as seguintes:
Todos os institutos religiosos católicos na Austrália, em consulta com as respetivas lideranças e a Santa Sé, conforme o caso, devem implementar medidas para fazer face a riscos de danos às crianças e a potencial disfunção psicológica e sexual associada à regra celibatária da vida religiosa. Isto deve incluir que se considere se e como os modelos existentes de vida religiosa poderiam ser modificados para facilitar formas alternativas de associação, períodos mais curtos de compromisso celibatário e / ou celibato voluntário (quando isso se adequar à forma de associação escolhida)”.
e
A fim de promover vidas saudáveis para aqueles que escolhem ser celibatários, ACBC e todos os Institutos religiosos católicos na Austrália deveriam desenvolver, avaliar e melhorar continuamente os seus processos de seleção, triagem e formação de candidatos para o clero e a vida religiosa, bem como os processos de formação permanente, apoio e supervisão do clero e religiosos.
Refira-se, finalmente, que muitas das recomendações apresentadas pela Royal Commission, na sequência de cinco anos de inquirições, vão implicar uma substancial revisão do actual Código do Direito Canónico da Igreja Católica. No entanto, a aceitação dessas directrizes por parte dos católicos australianos terá de contar ainda com a anuência de Roma. Mas, ao mesmo tempo, dão relevantes indicações sobre medidas que se tornam urgentes para a Igreja Universal.

Sem comentários: