terça-feira, 11 de setembro de 2018

Cristãos e marxistas aprendem juntos o que podem fazer pelo bem comum e a democracia


Texto de António Marujo

Ilustração reproduzida daqui

Os bens comuns, a democracia, a Europa e o diálogo foram os quatro temas que mobilizaram 35 jovens estudantes e vários professores, cristãos e marxistas, numa universidade de Verão. A iniciativa, que decorreu toda a semana passada em Ermoupoli, na Grécia, foi promovida por pessoas ligadas sobretudo ao movimento dos Focolares, do lado católico, tendo à frente o arcebispo Vincenzo Zani, secretário da Congregação da Educação Católica. Do lado marxista, eram sobretudo pessoas da rede Transform Europe, que congrega movimentos da esquerda política, entre os quais o brasileiro Michael Löwiradicado em França, que dirige a área de Ciências Sociais no Centre National de la Recherche Scientifique. 
Vindos de vários países, incluindo alguns de África e da Ásia, os participantes trabalhavam sempre com um professor católico e outro marxista, quer na análise da realidade quer na construção de cenários futuros. A ideia nasceu do diálogo entre Franz Konreif, membro do movimento dos Focolares, na Áustria, e o secretário-geral do Partido Comunista austríaco, Walter Baeir, que, em 2014, e em conjunto com o actual primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, foram recebidos pelo Papa Francisco em audiência. 
O Papa Francisco pediu aos Focolares para levarem a iniciativa por diante, conta José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda, que participou na academia, que o próprio apresentou neste artigo na Visãoe sobre a qual prestou declarações neste outro texto no DN.
Todos os dias, além das aulas, havia um momento inicial de invocação de trajectos pessoais ou políticos. O protestante Dietrich Bonhoeffer, assassinado pelos nazis, e o compromisso histórico entre a Democracia Cristã e os comunistas italianos foram duas das histórias trazidas por diferentes professores. José Pureza evocou Dorothy Daya activista católica que, nos Estados Unidos, criou o jornal The Catholic Worker, que acabou por dar origem a uma rede de centros onde sem-abrigo, pobres, desempregados e outros necessitados se juntam e gerem as próprias casas. 
Conta ainda o deputado português que um dos participantes disse, a dado passo: “Quem mais fala do Papa não somos nós, os católicos, mas vocês, os marxistas.” Francisco foi, aliás, uma presença sentida, pois os participantes iam manifestando solidariedade com o Papa, nesta altura de tensões e conflitos na Igreja Católica. 
A academia de Verão foi realizada no ano em que se assinalam os 200 anos do nascimento de Karl Marx. A propósito dessa efeméride, o actual arcebispo de Munique e Frisinga, cardeal Reinhard Marx, falava dos escritos do autor de O Capital, como textos que o impressionaram bastante e que podem ajudar a compreender muito bem os conflitos actuais, muitos deles fundados sobre a injustiça económicaSem o pensador do século XIX, não haveria doutrina social da Igreja, acrescentava o cardeal, que foi já, em tempos, professor de ética social. 

(Acerca do tema, pode ler-se este texto, em francês, sobre os intelectuais cristãos, a propósito da publicação do livro A la gauche du Christ - les chrétiens en France de 1945 à nos jours, de Denis Pelletier e Jean-Louis Schlegel (dir.), Le Seuil.)

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