Quem me falou do assunto pertencia aos meios eclesiásticos e não especificou de que assunto se tratava, nem tão pouco eu lhe perguntei. Essa pessoa desconhecia também que eu era amigo do então bispo auxiliar de Lisboa, ainda que fosse raro encontrarmo-nos e sempre em contexto de reuniões familiares.
Depois desse episódio, concretizou-se, de facto, a ida de D. Carlos Azevedo para o Vaticano, para funções que me pareceram consentâneas com os interesses e atividades que o tinham ocupado durante anos - os arquivos, a história, a história da arte, a cultura... Achei muita coincidência, mas a verdade é que também há coincidências.
Depois disso, nunca mais ouvi falar no assunto, até que fui surpreendido pelo trabalho que a revista Visão publicou na última semana e por todos os episódios e silêncios que se lhe seguiram.
Devo dizer que tinha e tenho grande consideração pela pessoa e atividade pastoral de Carlos Azevedo, o que não me impedia de ser crítico, uma vez ou outra, de posições que tomou, nomeadamente quando presidiu à Comissão Episcopal da Pastoral Social (não, naturalmente, quando bradava que a Igreja não podia ficar calada diante das injustiças e das desigualdades, uma atitude bem diferente das falas doces que hoje a generalidade dos bispos adotam relativamente às políticas que cavam ainda mais as mesmas injustiças e desigualdades).
Mas também não posso deixar de dizer que, conhecendo mal o padre que terá denunciado alegadas práticas de assédio sexual por parte de D. Carlos Azevedo, o tenho como pessoa séria, dedicada e que tem desenvolvido um trabalho excecional no que se refere à pastoral da saúde e dos doentes.
Dito isto, não ficaria bem comigo mesmo se ficasse quietinho e calado como se nada se estivesse a passar ou à espera que a tempestade se afaste. Assim:
- Até prova em contrário, não tenho nenhuma razão objetiva para criticar Carlos Azevedo como pessoa e mesmo como bispo e dói-me que se possa estar a assassinar o caráter de uma pessoa com base, como ele confessa, em episódios e comportamentos ocorridos décadas atrás, cuja extensão ou gravidade se desconhece.
- Caso fosse porventura grave a matéria desses factos passados, é mais do que pertinente a pergunta sobre os porquês de os revelar neste preciso momento. É inevitavel, neste contexto, pensar numa figura chamada Gianfranco Ravasi.
- Quer haja quer não haja matéria que torne alguns aspetos do comportamento passado de D. Carlos Azevedo condenáveis, como compreender e aceitar o silêncio a que se tem votado quem com ele trabalhou tantos anos, nomeadamente vários bispos portugueses?
- Admitindo-se que a existência de uma denúncia desta natureza na pessoa de um bispo constitui facto jornalisticamente relevante, é compreensível e aceitável o espalhafato e o sensacionalismo com que a Visão tratou o assunto, dedicando seis páginas, além da capa, a uma matéria com tão pouco de substantivo?
- Tenho consciência dos preceitos da Igreja, mas não sei se o bispo é homossexual ou heterossexual nem isso me preocupa, desde que o seu comportamento e o seu testemunho como pessoa e como bispo sejam o que dele é esperado. Por isso me pareceu pelo menos de grande ambiguidade que algumas pessoas relevantes da Igreja portuguesa tenham invocado esse fator, como se, por si, ele fosse aqui relevante.
- Todos sabemos que o momento atual é delicado e que pode haver razões para aguardar por mais desenvolvimentos. Mas seria trágico que a Conferência Episcopal deixasse cair alguém que foi um dos seus membros mais ilustres não em nome da verdade, mas de interesses outros, mesmo que localizados ao mais alto nível da Igreja.
- Também neste âmbito, e não apenas nos media laicos, a comunidade cristã e a sociedade precisam de uma "informação limpa" por parte da Igreja, nas matérias que lhe dizem respeito.