sábado, 28 de março de 2015

Deus-mãe, sem-abrigo no museu e a maior intensidade

Na sua crónica deste sábado, no DN, Anselmo Borges pergunta: E se Deus fosse mãe?

Não há dúvida de que Jesus contribuiu decisivamente para a emancipação feminina. Também São Paulo reconheceu a radical dignidade de homens e mulheres e refere nomes de apóstolas - na Carta aos Romanos, por exemplo, escreve: “Saudai Andrónico e Júnia que tão notáveis são entre os apóstolos.” No entanto, a Igreja Católica é hoje a última grande instituição machista no Ocidente. Sem uma rápida conversão, ela, que, sucessivamente, desde o século XVIII, foi perdendo os intelectuais, os operários e os cientistas, os jovens, acabará por perder as mulheres.


Ontem, no CM, sob o título Os sem-abrigo no museu, Fernando Calado Rodrigues comentava a distribuição de exemplares dos Quatro Evangelhos aos peregrinos na Praça de São Pedro, com a ajuda de pessoas sem-abrigo, bem como a visita gratuita aos Museus do Vaticano oferecida pelo Papa a 150 pessoas sem-abrigo:

“Os mais necessitados são os que nos dão a Palavra de Deus”, disse o Papa. (...) Desta forma “os mais carenciados, que geralmente apenas têm acesso à escadaria exterior à colunata da Praça de São Pedro” tiveram a oportunidade de “apreciar o património artístico do Vaticano”, de acordo com uma nota divulgada pela Santa Sé.


Na Voz da Verdade, no comentário aos textos bíblicos da liturgia católica deste Domingo de Ramos, Vítor Gonçalves toma a frase do Evangelho de São Marcos, “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus” (Mc 15, 39) para escrever sob o título A maior intensidade:
                
Entramos na Semana Santa com a promessa de muito calor! E tudo se conjuga para umas pequenas férias vividas com intensidade, no calor primaveril, depois da chuva, neve e vento que pareciam prolongar o inverno. Estes são também os dias de maior intensidade da liturgia cristã ao celebrar a Páscoa de Jesus na nossa vida. Na força dos gestos e das palavras que se escutam, reviver os passos de Cristo, do sofrimento à explosão da vida ressuscitada, não é uma simples memória, nem a reprodução gasta de ritos ancestrais. É confrontar-nos de novo com o que é importante e decisivo em ser cristão. A Páscoa, mais do que uma data, é um dinamismo de vida nova, um princípio de mudança e de transformação do que está mal e pode ser bem e melhor. Se não nos comprometer com maior intensidade no crescimento das pessoas e do mundo, como Deus nos mostra em Jesus crucificado e ressuscitado, talvez o melhor seja mesmo aproveitar uns dias de sol e praia!


(ilustração reproduzida daqui)
    
Foi já há quinze dias que li uma entrevista do filósofo e pensador José Gil ao jornal “i”. E daí retirei esta expressão “intensidade” para esta partilha de hoje, que ele coloca na definição de felicidade: “Entendo a felicidade como um terreno que permite todos os prazeres vividos com a maior intensidade. Nesse aspecto, ser feliz não é um estado de espírito, mas uma disposição geral que faz com que cada prazer e cada dor, sejam subordinados ao prazer de existir. […] (A felicidade) deveria ser a reivindicação de uma vida feliz em comunidade, a predisposição de uma comunidade para viver intensamente, para existir intensamente. A felicidade não é egoísta.” Mas a “intensidade” revela-se também quando diz: “já não distinguimos bem o que é importante do que é acessório”, ou “o mundo tenta domesticar quem pensa o que não é o pensamento único”, e também, “o amor ainda salva. Quando deixar de salvar, não é amor”.
Os vários personagens que encontramos no relato da paixão segundo São Marcos são uma espécie de espelho para nós: Judas que trai o seu mestre com um beijo, os fariseus que não se importam em condenar um inocente, Pilatos e Herodes que “lavam as mãos” para contentarem as multidões, Pedro que nega conhecê-l’O depois de três anos de caminhos comuns, os soldados que se entregam a uma violência excessiva, as multidões que O acusam e insultam. São só eles? Com que intensidade vivemos as paixões que continuam a tocar pessoas tão próximas de nós? Continuamos a assistir a uma “correcta” distância, como os apóstolos e tantos discípulos? Se a Páscoa de Jesus é fonte de felicidade para todos, é porque Ele nos mostra que é possível viver com a máxima intensidade. Chamou-lhe “vida em abundância”, “rios de água viva”, “há mais alegria em dar do que em receber”, “amai-vos como Eu vos amei”, “fazei isto em memória de mim”, “vai e não tornes a pecar”, e tantas outras! E se já sabemos a as palavras, talvez só falte pôr mais intensidade no que somos e fazemos!

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