Crónica
O pão e o peixe, símbolos eucarísticos dos primeiros cristãos
Na sua crónica À procura da Palavra,
comentando os textos da liturgia católica do próximo Domingo, Vítor Gonçalves
escreve sobre a festa do Corpo de Deus, cujo feriado teria sido assinalado
ontem, quinta-feira. Sob o título “Sem o domingo não podemos viver!”, escreve:
Esta foi a resposta de Emérito, diante do pró-consul de
Cartago, no ano 304, quando interpelado por estarem a celebrar a Eucaristia
apesar das proibições do imperador Diocleciano. Ele e outros 48 cristãos de
Abitene, na actual Tunísia, foram torturados e mortos, por quererem celebrar a
sua fé. Hoje, na festa do Corpo de Deus, quase nem nos damos conta dos muitos
lugares do mundo onde tantos, que vivendo a mesma fé que nós, não se poderão
reunir, pelo perigo de morte que isso representa. Com procissão ou sem ela, não
celebramos nenhum triunfo mundano, mas a entrega de amor de Jesus, feito
alimento para que ninguém tenha fome de Deus.
Vivemos num tempo de grandes perseguições aos cristãos e
a outros crentes em muitos países. Num recente relatório da Open Doors, uma
organização protestante norte-americana, diz-se que 75% da população mundial vive
hoje em países com sérias restrições ao exercício da liberdade religiosa. A
perseguição aos cristãos chega a “extrema” em alguns países: Coreia do Norte,
Arábia Saudita, Afeganistão, Iraque, Somália, Maldivas, Mali, Irã, Iêmen,
Eritreia, Síria. Não é a liberdade religiosa um direito humano fundamental
consagrada no artigo 18 da Declaração dos Direitos do Homem? E quantos outros
continuam a ser atropelados?
Esta festa do “Corpo de Deus” (como gostamos de lhe
chamar no nosso país) orienta-nos para a centralidade da Eucaristia. E
interpela-nos sobre a profundidade, a verdade e a alegria com que a vivemos.
Como pergunta José António Pagola, um teólogo espanhol, “não precisa a Igreja no seu centro de uma experiência mais viva e
encarnada da ceia do Senhor do que a que oferece a liturgia actual? Estamos
certos de estar fazendo hoje bem o que Jesus quis que fizéssemos em sua memória?”.
E continua perguntando como é possível ajudar hoje os crentes a viver o que
Jesus viveu naquela ceia onde “se
concentra, se recapitula e se manifesta como e para quê viveu e morreu”? As
“nossas eucaristias” atraem-nos a “viver
como seus discípulos ao serviço do reino do Pai”? Celebrar a entrega pascal
de Jesus faz-nos perguntar como se vai ela concretizando na vida de cada um de
nós, na presença salvadora da Igreja, na coragem do compromisso para que
ninguém passe nenhuma espécie de fome. Há sempre o perigo de fazermos “bonitos passeios de Nosso Senhor”, que
encantam turistas e basbaques, esquecendo que aquele “em memória de Mim” quer
dizer muito mais!
Miguel de Unamuno, um pensador espanhol, escreveu em
pequenas folhas de papel que cabiam no bolso, durante nove anos, pequenos
poemas dos quais partilho um sobre a Eucaristia: “Sonhamos a dor / Ou é o sonho / que nos dói? // Mói-te no seu moinho /
O nosso Dono, / Ó vida. // Peito para fazer / Da tua polpa / Farinha.// Sonho,
pena, saudade, / Muito fina. // E pão com a tua flor / De farinha.// Porque
assim se comunga / O Senhor.” Podemos viver sem Ele?
(in Voz da Verdade, 7 de
Junho de 2015)
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