domingo, 28 de junho de 2015

O ecumenismo de sangue, a democracia na Igreja e a entrevista de Edgar Morin sobre a encíclica do Papa

Crónicas

No seu texto deste domingo, no Público, frei Bento Domingues escreve sobre o ecumenismo de sangue. Sob o título Só para depois do juízo final, diz:

A teologia vive bem na oração, como consciência do mistério insondável de Deus. Este não cabe em nenhuma definição. Quando a teologia se torna soberba, pensa que tem Deus na mão e transforma-se em juíza das expressões da fé das outras confissões cristãs. Não concebe a importância de procurar os pontos de convergência no caminho para uma Realidade que não é propriedade das Igrejas Ortodoxas, da Igreja Católica Romana, ou das Igrejas Protestantes.
(texto completo aqui)


No DN de sábado, Anselmo Borges escreve sobre Democracia na Igreja, citando um livro de Karl Rahner:

"Só quando tivermos um Sínodo nacional que eventualmente (iure humano) adopte decisões normativas que possam ser chocantes para um bispo; só quando, se for o caso disso, um bispo se submeter a um árbitro imparcial; só quando os conselhos presbiterais, os conselhos pastorais, etc., tiverem autonomia e eficiência frente aos bispos..., é que a relação entre liberdade e manipulação na Igreja será tranquila e ao mesmo tempo estará num movimento contínuo, que dissolverá, sempre de novo, o anquilosamento do meramente tradicional".
(texto completo aqui)


Hoje, no Diário do Minho, na sua crónica Os Dias da Semana, Eduardo Jorge Madureira regressa à entrevista de Edgar Morin sobre a encíclica do Papa. Sob o título Laudato si’, o acto número um para uma nova civilização, escreve:

Embora se use em demasia, a expressão “não deixa ninguém indiferente” é acertada para aplicar a Laudato Si’. A carta encíclica do Papa Francisco Sobre o cuidado da casa comum não só não suscita indiferença, como se tem mostrado capaz de mobilizar a adjectivação mais veemente dos que teriam preferido que ela não tivesse sido escrita ou dos que a aplaudem sem reservas.
O Papa Francisco é “a pessoa mais perigosa do planeta”, disse Greg Gutfeld, comentador da Fox News, uma conhecida cadeia de televisão dos Estados Unidos da América. Poderá tratar-se apenas de uma frase de efeito, um daqueles sound bites que servem para alguém se fazer notar, mas é portadora de um incontornável valor sintomático. Será muito pouco menos do que isso o que uns quantos pensarão sem coragem para o afirmarem em voz alta.
Os encómios a Louvado Sejas (editada em Portugal pela Paulinas Editora) foram subscritos por gente de dimensão superior, como é o caso de Edgar Morin, um sociólogo e filósofo francês com vida e obra. Se a autoridade intelectual se medisse por honrarias, os 27 doutoramentos Honoris Causa que foram concedidos a Edgar Morin por universidades de todo o mundo garantiriam uma óbvia mais-valia aos elogios.

“A Laudato Si’ é, talvez, o acto número um de um apelo para uma nova civilização”, disse, há dias, Edgar Morin ao diário francês La Croix. “A última encíclica é um regresso integral às fontes evangélicas. Os cristãos, quando animados pela fonte da sua fé, são tipicamente pessoas de boa vontade, que pensam no bem comum. A fé pode ser uma protecção contra a corrupção de políticos ou de administradores. A fé pode dar coragem”. Para o sociólogo e filósofo, estamos perante uma encíclica “providencial”. “Providencial”, não no sentido da divina providência, explicou, acrescentando: “Mas nós vivemos uma época de deserto do pensamento, um pensamento fragmentado em que os partidos que se dizem ecologistas não têm qualquer correcta visão da amplitude e da complexidade do problema, perdendo de vista o interesse daquilo que o Papa Francisco, numa maravilhosa fórmula retomada de Gorbatchev, chama de ‘a casa comum’”.
Edgar Morin refere que sempre se sentiu animado por uma visão complexa, global, no sentido de que é preciso tratar as relações entre cada parte. “Neste ‘deserto’ actual, eis que, pois, surgiu esse texto que considero muito bem pensado, e que responde a esta complexidade!” Francisco, nota Edgar Morin, definiu a “ecologia integral”, explicando que ela toca profundamente as nossas vidas, a nossa civilização, os nossos modos de agir, os nossos pensamentos.
O apreço por Louvado Sejas deve-se ainda ao facto de o Papa criticar profundamente “um paradigma ‘tecno-económico’, esta maneira de pensar que ordena todos os nossos discursos, submetendo-os completamente aos postulados técnicos e económicos para tudo resolver”. Com a encíclica, “há, simultaneamente, um apelo a uma tomada de consciência, uma incitação a repensar a nossa sociedade e a agir. Esse é o sentido providencial: um texto inesperado e que mostra o caminho”.
Francisco de Assis veio à conversa com Edgar Morin, que considerou uma sorte tê-lo como uma figura incontornável do cristianismo. “Sem ele, teríamos escassas referências...” Explica o entrevistado que hoje se sabe que temos em nós células que se multiplicaram desde as origens da vida, células que nos constituem como a qualquer ser vivo... “Se remontarmos à história do universo, dar-nos-emos conta de que carregamos em nós todo o cosmos, e de um modo assaz singular”. Daí que, segundo o sociólogo e filósofo, haja uma profunda solidariedade com a natureza, embora sejamos diferentes, pela consciência, pela cultura. “Mas, apesar de sermos diferentes, somos todos filhos do Sol. O verdadeiro problema não é reduzirmo-nos ao estado da natureza, mas não nos separarmos do estado de natureza”.
O facto, admitido pelos entrevistadores, de a reflexão de Francisco poder ser tributária da cultura argentina é confirmado pelo entrevistado. Diz ele que sempre se impressionou ao sentir na América Latina, de distintas formas, uma vitalidade, uma capacidade de iniciativa que não se encontra na Europa. Edgar Morin considera a Argentina, que conheceu tantas provações, que foi obrigada a abolir a dívida porque estava falida, um país em que há uma vitalidade democrática extraordinária. “Eu não diria que é um milagre, mas foi necessário que um Papa viesse de lá, com esta experiência humana”.

Francisco, diz o sociólogo e filosofo “é um Papa impregnado por esta cultura andina que opõe ao ‘bem-estar’, exclusivamente materialista europeu, o ‘bem-viver’, que é desenvolvimento pessoal e comunitário autêntico”. Um aspecto da maior relevância na mensagem pontifical encontra-se no apelo a uma mudança, a uma nova civilização, algo a que Edgar Morin se mostra muito sensível. “Esta mensagem é, talvez, o acto número um para uma nova civilização”.

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