Em Fevereiro de 2001, escrevi no "Público" este comentário, que actualizei apenas no que se refere aos nomes e números dos protagonistas dos últimos anos. O seu sentido parece-me continuar actual, precisamente na hora em que, na Capela Sistina, os cardeais começam o processo de escolha de um novo Papa.
(Foto: Capela Sistina preparada para o conclave, reproduzida daqui.)
Entre
os protagonistas do conclave que elegerá o próximo Papa, há um grande ausente: chama-se Joseph Ratzinger. No entanto, será esse grande ausente quem mais influenciará a eleição
do sucessor. É que, ao fim de oito anos de pontificado, foi ele que escolheu
67 dos 115 cardeais eleitores (os restantes foram escolhidos pelo seu antecessor, João Paulo II). Uma
situação inadmissível para a Igreja Católica.
A
função de cardeal foi instituída em 1050 (há menos de mil anos) pelo Papa Leão
IX (que governou entre 1049-54), com o objectivo de ajudar o bispo de Roma no
governo da Igreja Católica. Desde 1179, o colégio passou a ser o único órgão a
eleger o Papa, substituindo-se assim à tradição sinodal e conciliar, até aí
dominante nos processos de decisão da Igreja. Os bispos, incluindo o de Roma,
eram eleitos pelos padres e pelos outros fiéis da respectiva diocese.
A
instituição do cardinalato tentou resolver o problema da necessária reforma que
a Igreja então enfrentava. O papado estava entregue a lutas intestinas entre
várias famílias e nobres de Roma e Leão IX queria rodear-se de homens capazes
de o apoiar no objectivo reformador. Chamou-os cardeais, nome dado aos padres que
então celebravam a missa e os sacramentos nas diferentes igrejas romanas. São
estes colaboradores, vindos de fora de Roma, que acabam por, ao longo dos
séculos, assegurar cada vez mais o governo central da Igreja, substituindo
mesmo a estrutura do Sínodo de Roma.
Hoje,
é verdade que o Colégio Cardinalício está mais internacionalizado, e esse é um
progresso. Esse caminho, iniciado por Paulo VI, fica a dever muito ao facto de
João Paulo II ser um Papa polaco (e teve recuos com Bento XVI). Mas isso não chega: uma estrutura e um cargo
que não tem raízes bíblicas nem teológicas deveria ser seriamente repensado
pela Igreja Católica. E o argumento da tradição não colhe: instituições como a
primeira comunhão têm pouco mais de cem anos e não foi pela falta da tradição
que alguma vez deixou de haver comunhão.
Após
o Concílio Vaticano II (1962-65), instituiu-se o Sínodo dos Bispos como órgão
de consulta e aconselhamento do Papa. Faz todo o sentido, por isso, que seja o
Sínodo ou um colégio eleitoral de bispos delegados para esse efeito que passe a
eleger o Papa. Para que o bispo de Roma, teologicamente entendido como garante
da unidade, não seja escolhido por um conjunto de pessoas que, afinal — e ainda
que mais internacionalizado — não representa senão o Papa que os escolheu para
tal cargo. Um sistema mais democrático na eleição do Papa não anula, antes
aperfeiçoa, a colegialidade ao conjunto dos bispos.
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