(ilustração: Teresa d'Ávila, reproduzida daqui)
Decorre
em Lisboa, entre amanhã (sexta) e sábado, o III Colóquio de Teologias
Feministas, dedicado ao tema da justiça, com o título “...'Que não haja
indigentes entre vós' – Da dignidade e do porvir". Os trabalhos do colóquio
decorrem no CES de Lisboa (Picoas Plaza, na R. Viriato) entre as 10h e as 18h.
O programa completo pode ser consultado aqui.
Momentos
importantes do colóquio serão a intervenção da monja beneditina catalã Teresa
Forcades i Vila sobre Las falsas democracias y las consecuencias políticas
de la noción cristiana de ‘persona’ (sexta, 10h15) e também a apresentação da edição portuguesa de A Teologia Feminista na História, da
mesma autora (sábado, 17h45).
O
título pode levar a leituras rápidas e superficiais. Na obra, Teresa Forcades tenta
resgatar do esquecimento os nomes e a obra de várias mulheres que, ao longo dos
séculos, deram um contributo por vezes decisivo à teologia. Nomes que estão
para lá de alguns que, nas últimas décadas, já se tornaram óbvios, como os de
Hildegarda de Bingen, Juliana de Norwich, Teresa d’Ávila ou Teresa de Lisieux.
Na
introdução ao livro, a que RELIGIONLINE teve acesso em primeira mão, escreve
Teresa Forcades, recordando alguns desses casos:
“«O céu é o limite» foi a
expressão utilizada por Van Schurman numa carta dirigida à também filósofa e
teóloga francesa Marie de Gournay, em defesa do acesso das mulheres ao estudo
das ciências sem qualquer tipo de restrições. Van Schurman dominava a álgebra,
a aritmética, a geometria e a astronomia, mas era teóloga acima de tudo. Para
ela, a expressão «o céu é o limite» significava que o critério último é Deus e
não os costumes ou as conveniências humanas. Ou seja: foi Deus quem formou
tanto a mulher como o homem à sua imagem, e fê-los seres racionais para que o
louvem através da criação; as capacidades de cada pessoa são um dom que Deus
lhe deu e pelo qual Deus a tornou pessoalmente responsável (parábola dos
talentos, Mt 25,14-30); viver humanamente, viver cristãmente, significa
responder com toda a gravidade e responsabilidade ao dom de Deus em nós,
cultivando fielmente até ao limite os próprios talentos para assim o louvar.”
Teresa Forcades é,
pessoalmente, também um exemplo desta mesma atitude. A sua formação em
medicina, sempre a par com a teologia, permitiu-lhe já que ela aparecesse em
público a denunciar os crimes das multinacionais farmacêuticas.
Um percurso que o padre e
biblista José Tolentino Mendonça recorda no prefácio, quando lembra que Teresa
Forcades defendeu uma tese em medicina, sobre medicinas
alternativas e outra, em teologia, sobre o conceito de pessoa na teologia
trinitária clássica em relação com a moderna noção de autodeterminação.
“Para esta catalã, uma ciência que não tenha vontade crítica
arrisca a completa irrelevância”, escreve José Tolentino Mendonça no texto, que
pode ser lido aqui na íntegra.
“É assim que a vemos tanto empenhada na denúncia dos crimes
das multinacionais farmacêuticas, como numa teologia que se confronte com as
situações objectivas de discriminação. Onde quer que actue, o seu método é
corajosamente o mesmo: colocar em evidência as contradições e procurar
alternativas de interpretação que sustentem uma ruptura de sentido e de
civilização. Uma das convicções com que este livro nos deixa é que o futuro do
cristianismo depende muito do processo de desocultação que formos capazes de
fazer do seu passado e do seu presente.”
Para Tolentino Mendonça, Teresa Forcades “lembra-nos o
essencial: que Jesus de Nazaré não codificou, nem normativizou. Jesus viveu.
Isto é, construiu uma ética da relação; somatizou a poética da sua mensagem na
visibilidade da sua carne; expôs como premissa o seu próprio corpo”.
No seu processo de desocultação, Teresa Forcades fala da
“querele des femmes” como marco do nascimento da modernidade. E apresenta vários
nomes de mulheres importantes na cultura europeia e na teologia cristã. Para
que constem: Christine de
Pizan, Isabel de Villena, Teresa de Jesus, María de Jesús de Ágreda, Juana
Inés de la Cruz, Marie de Gournay, Bathsua Makin e Anna Maria van Schurman, Margaret
Fell, Mary Astell, Elena Cornaro Piscopia, Laura Bassi e Maria Gaetana Agnesi.
Na
introdução citada, Teresa Forcades escreve: “A
definição escolástica da teologia é «fé que procura compreensão» — fides
quarens intellectum. Recuperar a figura de Van Schurman e de todas as
mulheres que ao longo dos séculos fizeram teologia, ou seja, reflectiram de
forma sustentável e sistemática sobre a sua fé, é uma das tarefas da teologia
feminista na sua vertente histórica. Na sua vertente filosófica, a teologia
feminista pergunta-se pela causa: porque é que as contribuições
intelectuais das mulheres tiveram tendência a desaparecer da História?”
E acrescenta: “A
resposta não é fácil. Não é suficiente responder: «Porque os homens dominam a
História ou o mundo e não quiseram ou não puderam preservar ou ter em conta as
contribuições intelectuais das mulheres». É verdade que os homens dominam a
História ou o mundo? Porquê? É verdade que não quiseram ou não puderam
preservar as contribuições intelectuais das mulheres ou tê-las em conta?
Porquê? E
Deus, o que diz de tudo isto?”
Outros
momentos importantes do debate serão as intervenções de Ivoni Richter Reimer, da Universidade Católica de Goiás (Brasil),
acerca de “Comunhão e partilha como
ruptura e transgressão de sistemas de dominação: diaconia de mulheres nos Atos
dos Apóstolos e no Brasil” (sexta, 17h) e de Bärbel Wartenberg-Potter, da Igreja Luterana Alemã, sobre “Ser justos uns para os outros – reflexões
bíblicas sobre as mulheres e a Criação” (sábado, 15h).
Bärbel Wartenberg-Potter foi directora do
Departamento Mulheres na Igreja e na Sociedade, do Conselho Mundial de Igrejas
e, entre 1997 e 2001, foi também directora executiva do Conselho de Igrejas
Cristãs da Alemanha. Entre 2001 e 2008,
foi bispo da diocese luterana de Holstein-Luebeck.
O
colóquio, promovido pela Associação Portuguesa de Teologias Feministas em
colaboração com o Policredos, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, parte da ideia de que, neste tempo de crise, as mulheres se encontram
“entre as mais pobres de entre os pobres, juntamente com os seus filhos, mas
também são heroínas que procuram, no seu dia-a-dia, negar a morte como última
palavra da história”. Nesse sentido, a iniciativa “pretende trazer à luz e à
fala discursos, práticas e reflexões de teologias feministas sobre a justiça
enquanto lugar de dignidade, de denúncia do presente (‘que não haja indigentes
entre vós!’) e de esperança para o futuro.”
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