quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A desocultação da mulher na teologia



(ilustração: Teresa d'Ávila, reproduzida daqui)

Decorre em Lisboa, entre amanhã (sexta) e sábado, o III Colóquio de Teologias Feministas, dedicado ao tema da justiça, com o título “...'Que não haja indigentes entre vós' – Da dignidade e do porvir". Os trabalhos do colóquio decorrem no CES de Lisboa (Picoas Plaza, na R. Viriato) entre as 10h e as 18h. O programa completo pode ser consultado aqui.
Momentos importantes do colóquio serão a intervenção da monja beneditina catalã Teresa Forcades i Vila sobre Las falsas democracias y las consecuencias políticas de la noción cristiana de ‘persona’ (sexta, 10h15) e também a apresentação da edição portuguesa de A Teologia Feminista na História, da mesma autora (sábado, 17h45).
O título pode levar a leituras rápidas e superficiais. Na obra, Teresa Forcades tenta resgatar do esquecimento os nomes e a obra de várias mulheres que, ao longo dos séculos, deram um contributo por vezes decisivo à teologia. Nomes que estão para lá de alguns que, nas últimas décadas, já se tornaram óbvios, como os de Hildegarda de Bingen, Juliana de Norwich, Teresa d’Ávila ou Teresa de Lisieux.
Na introdução ao livro, a que RELIGIONLINE teve acesso em primeira mão, escreve Teresa Forcades, recordando alguns desses casos:
“«O céu é o limite» foi a expressão utilizada por Van Schurman numa carta dirigida à também filósofa e teóloga francesa Marie de Gournay, em defesa do acesso das mulheres ao estudo das ciências sem qualquer tipo de restrições. Van Schurman dominava a álgebra, a aritmética, a geometria e a astronomia, mas era teóloga acima de tudo. Para ela, a expressão «o céu é o limite» significava que o critério último é Deus e não os costumes ou as conveniências humanas. Ou seja: foi Deus quem formou tanto a mulher como o homem à sua imagem, e fê-los seres racionais para que o louvem através da criação; as capacidades de cada pessoa são um dom que Deus lhe deu e pelo qual Deus a tornou pessoalmente responsável (parábola dos talentos, Mt 25,14-30); viver humanamente, viver cristãmente, significa responder com toda a gravidade e responsabilidade ao dom de Deus em nós, cultivando fielmente até ao limite os próprios talentos para assim o louvar.”

Teresa Forcades é, pessoalmente, também um exemplo desta mesma atitude. A sua formação em medicina, sempre a par com a teologia, permitiu-lhe já que ela aparecesse em público a denunciar os crimes das multinacionais farmacêuticas.
Um percurso que o padre e biblista José Tolentino Mendonça recorda no prefácio, quando lembra que Teresa Forcades defendeu uma tese em medicina, sobre medicinas alternativas e outra, em teologia, sobre o conceito de pessoa na teologia trinitária clássica em relação com a moderna noção de autodeterminação.
“Para esta catalã, uma ciência que não tenha vontade crítica arrisca a completa irrelevância”, escreve José Tolentino Mendonça no texto, que pode ser lido aqui na íntegra.
“É assim que a vemos tanto empenhada na denúncia dos crimes das multinacionais farmacêuticas, como numa teologia que se confronte com as situações objectivas de discriminação. Onde quer que actue, o seu método é corajosamente o mesmo: colocar em evidência as contradições e procurar alternativas de interpretação que sustentem uma ruptura de sentido e de civilização. Uma das convicções com que este livro nos deixa é que o futuro do cristianismo depende muito do processo de desocultação que formos capazes de fazer do seu passado e do seu presente.”
Para Tolentino Mendonça, Teresa Forcades “lembra-nos o essencial: que Jesus de Nazaré não codificou, nem normativizou. Jesus viveu. Isto é, construiu uma ética da relação; somatizou a poética da sua mensagem na visibilidade da sua carne; expôs como premissa o seu próprio corpo”.
No seu processo de desocultação, Teresa Forcades fala da “querele des femmes” como marco do nascimento da modernidade. E apresenta vários nomes de mulheres importantes na cultura europeia e na teologia cristã. Para que constem: Christine de Pizan, Isabel de Villena, Teresa de Jesus, María de Jesús de Ágreda, Juana Inés de la Cruz, Marie de Gournay, Bathsua Makin e Anna Maria van Schurman, Margaret Fell, Mary Astell, Elena Cornaro Piscopia, Laura Bassi e Maria Gaetana Agnesi.
Na introdução citada, Teresa Forcades escreve: “A definição escolástica da teologia é «fé que procura compreensão» — fides quarens intellectum. Recuperar a figura de Van Schurman e de todas as mulheres que ao longo dos séculos fizeram teologia, ou seja, reflectiram de forma sustentável e sistemática sobre a sua fé, é uma das tarefas da teologia feminista na sua vertente histórica. Na sua vertente filosófica, a teologia feminista pergunta-se pela causa: porque é que as contribuições intelectuais das mulheres tiveram tendência a desaparecer da História?”
E acrescenta: “A resposta não é fácil. Não é suficiente responder: «Porque os homens dominam a História ou o mundo e não quiseram ou não puderam preservar ou ter em conta as contribuições intelectuais das mulheres». É verdade que os homens dominam a História ou o mundo? Porquê? É verdade que não quiseram ou não puderam preservar as contribuições intelectuais das mulheres ou tê-las em conta? Porquê? E Deus, o que diz de tudo isto?”
Outros momentos importantes do debate serão as intervenções de Ivoni Richter Reimer, da Universidade Católica de Goiás (Brasil), acerca de “Comunhão e partilha como ruptura e transgressão de sistemas de dominação: diaconia de mulheres nos Atos dos Apóstolos e no Brasil” (sexta, 17h) e de Bärbel Wartenberg-Potter, da Igreja Luterana Alemã, sobre “Ser justos uns para os outros – reflexões bíblicas sobre as mulheres e a Criação” (sábado, 15h).
Bärbel Wartenberg-Potter foi directora do Departamento Mulheres na Igreja e na Sociedade, do Conselho Mundial de Igrejas e, entre 1997 e 2001, foi também directora executiva do Conselho de Igrejas Cristãs da Alemanha.  Entre 2001 e 2008, foi bispo da diocese luterana de Holstein-Luebeck.
O colóquio, promovido pela Associação Portuguesa de Teologias Feministas em colaboração com o Policredos, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, parte da ideia de que, neste tempo de crise, as mulheres se encontram “entre as mais pobres de entre os pobres, juntamente com os seus filhos, mas também são heroínas que procuram, no seu dia-a-dia, negar a morte como última palavra da história”. Nesse sentido, a iniciativa “pretende trazer à luz e à fala discursos, práticas e reflexões de teologias feministas sobre a justiça enquanto lugar de dignidade, de denúncia do presente (‘que não haja indigentes entre vós!’) e de esperança para o futuro.”

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