Crónicas
Nas crónicas do último fim-de-semana, há ainda dois
textos que devem ser lidos. “À Procura da Palavra”, Vítor Gonçalves, na Voz da Verdade, pergunta: “Perdido?
Quem?”, a propósito do evangelho sobre Zaqueu, lido nas missas de domingo
passado. E escreve: “Queremos sinais de um verdadeiro
encontro com Jesus? Salva-se o que muitos diziam estar perdido, transforma-se a
vida em caridade e serviço, a condenação dá lugar ao acolhimento, e a alegria
promove uma festa! Os outros ‘encontros’ que podem até ser ‘cerimónias e
procissões’, e coisas afins de muita pompa e circunstância, poderão ser mais
‘desencontros’, e talvez a vassoura de S. Martinho continue com muita
utilidade!”
O
texto integral pode ser lido aqui.
(foto reproduzida daqui)
No Público de domingo, frei Bento Domingues recomenda: “Não deixem
tudo para o Papa”. É o seguinte o texto da sua crónica:
1.
Se uns católicos projectam sobre o novo Papa os seus desejos de mudança, outros
receiam a sua desenvoltura.
Bergoglio
já mostrou que conhece as diversas correntes espirituais e culturais do
catolicismo, nos diversos países. O que ainda não sabemos - apesar de alguns
gestos e entrevistas importantes -, é o método da sua liderança. Situando-se no
seio de uma Igreja, toda ela chamada a ser aprendiza e testemunha do Evangelho
no mundo, seguirá o método de João XXIII. Se passar o tempo a invocar o poder
papal para exercer o seu magistério, reprimindo as correntes teológicas que não
o reproduzam, será mais do mesmo. Foi esse o lamentável estilo adoptado, embora
com acentos diferentes, durante 150 anos, mais precisamente, desde a encíclica
programática Mirari vos, de Gregório
XVI (1832), que procurava levantar um dique contra o mundo moderno.
Espero
que o papa Francisco vença a tentação de desenhar o futuro de modo
voluntarista, apoiado apenas nas suas concepções pré-estabelecidas e invocando
imperativos da divina tradição. Vimos, na crónica do passado Domingo, as
consequências da tentativa de parar o tempo, mediante a declaração
intimidatória de João Paulo II, sobre a “ordenação sacerdotal” das mulheres.
Na
expressão de K. Rahner, esse comportamento estava situado no Inverno da Igreja.
Para este teólogo, as autoridades eclesiásticas de Roma, em 1985, davam a
impressão de favorecer mais um retorno medroso aos “bons tempos passados”, do
que tomar consciência clara da situação actual do mundo e da humanidade, com espírito
evangélico, no seguimento do Concílio Vaticano II.
Se
as mulheres começarem, em breve, a fazer parte da instituição do cardinalato,
será um bom sinal. Ninguém poderá adiantar qualquer argumento teológico contra
tal decisão e esta poderá contribuir para desbloquear o debate sobre o papel
das mulheres nas comunidades cristãs. Não esperemos, no entanto, que o papa
possa resolver tudo com uma penada. Embora os regimes democráticos funcionem
ainda muito mal, na Igreja Católica nem sequer foram ensaiados, salvo em alguns
nichos.
2.
O grande historiador, Giuseppe Alberigo, orientou um número especial da Concillium (108, 1975), dedicado à
renovação da Igreja e à reconfiguração do serviço petrino. Naquela data, não
foi tido em conta. Parece-me que chegou o momento de o revisitar com proveito.
Na altura, a meta a atingir com esse dossier consistia em formular alguns
pontos operacionais capazes de concretizar, no seio da Igreja, uma imagem
realista e praticável daquilo que poderia ser e fazer o papado, no seio da
Igreja dos últimos decénios do séc. XX. Como já foi referido, meteu-se pelo
meio um longo inverno. Não se pretendia, de modo nenhum, ter identificado o
ponto central e decisivo da renovação da Igreja. Pelo contrário. É necessário manter
viva a consciência de que o papado romano constitui, apenas, um factor da
Igreja e nem sequer é o mais decisivo. Por outro lado, parece igualmente
importante abandonar o “globalismo” paralisador, muito difundido, que em nome
da necessidade de levar em conta todas as componentes da problemática eclesial,
nos impede de as considerar, uma a uma, com realismo e oportunidade.
Recolocar
os ministérios eclesiais dentro do Povo de Deus, como fez o Vaticano II,
constitui o fundamento e o critério de uma nova fase na história do papado.
Torna-se incontornável e urgente a reapropriação do papado romano por parte da
Igreja, superando tanto a animosidade anti-romana, como a imagem mitificada do
papa.
Temos
um longo e complexo caminho pela frente. Esse caminho pressupõe uma efectiva
capacidade da Igreja para exprimir, mediante formas adequadas e responsáveis –
sem servilismos nem arrogância – indicações pertinentes sobre o espaço e
conteúdos do serviço que o Papa deve prestar.
3.
Alberigo, no seu contributo, destacou e desenvolveu a seguinte tese: é preciso
que a consciência eclesial se compenetre de que o estatuto do papado romano não
é, nem do ponto de vista teológico nem histórico, um dado indiscutível e
imutável.
Se
fizermos uma reavaliação da possibilidade de modos, estilos e conteúdos
diferentes daqueles que se tornaram mais habituais e constantes, ver-se-á que,
quase tudo aquilo que se sabe do papado romano, depende das circunstâncias
históricas. Estas sofreram repetidas e profundas modificações, ao longo dos tempos.
Quando
os papas são apresentados sob um único denominador comum, figuras tão
diferentes e contrastadas como as de Gregório Magno, Gregório VII, Paulo III,
Pio IX e João XXIII, acabam por conduzir a história da Igreja a uma história do
papado e ao triunfo de uma uniformidade construída. Nenhum papa é a Igreja. Não
deixemos tudo para este iluminado e desarmante argentino.
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