No Correio da Manhã,
Fernando Calado Rodrigues escrevia sexta-feira sobre Padres “trepadores”:
Seria bom que as
montanhas ganhassem novos alpinistas e que a Igreja se libertasse desses
“trepadores” que procuram o poder pelo poder. E seria bom, também, que os fiéis
deixassem de olhar para os sacerdotes como meros funcionários do sagrado, a
quem se recorre para determinados serviços, e encontrassem neles os guias
espirituais de que necessitam.
(o
texto pode ser lido aqui na íntegra)
No
Público de domingo, frei Bento Domingues escreveu no domingo sobre Deus activista dos
Direitos Humanos:
1. Roubei este título a uma obra de
Boaventura de Sousa Santos – Se Deus fosse um activista dos Direitos
Humanos – (Almedina, 2013). Como, porém, Deus é a palavra dos usos
mais sublimes e mais perversos, antes de me deter nessa obra notável, respondo
à minha pergunta, ao modo dos escolásticos, dizendo: distingo!
Importa, com efeito, saber de que
Deus se trata nessa interrogação. Se for aquele que me apresentaram quando
comecei a ir à Missa, à catequese, aos sermões que ameaçavam os “pecadores” com
o inferno, esse Deus que mandava os padres insistir nos pecados - o original e
o actual, o venial e o mortal, além do pior de todos, o sacrilégio – nada tinha
a ver com um activista dos direitos humanos. Antes pelo contrário.
O Deus da teologia nacionalista de
Israel - presente em muitas passagens da Bíblia - que incita à guerra a e ao
extermínio dos inimigos - porque eterno é o seu amor! – também
não é propriamente um bom defensor dos direitos humanos.
Aquele que é invocado para justificar
as Inquisições, etc., e é o Deus de grupos “cristãos” rivais que se odeiam e
matam nas chamadas guerras de religião, é apenas um ídolo da violência.
Quando em nome de Alá se ameaçam,
raptam e matam os infiéis, esse Deus é um inimigo público da humanidade; quando
em nome da destruição do “eixo do mal” é semeada a violência, a guerra e a
tortura, o recurso a Deus é uma blasfémia.
2. Tudo isso é abominável. Mas não
podemos ignorar que a palavraDeus evoca, sobretudo na corrente
sapiencial da Bíblia, Aquele que olha o mundo como a construção de um poema e o
ser humano (homem e mulher) surge como a coroa da bondade e da beleza do
universo, a zelar por um jardim. É o contrário de um Deus centrado no pecado e
na morte. Transcrevo do Livro da Sabedoria: “Tu tens compaixão de todos, pois
tudo podes e desvias os olhos dos pecados dos seres humanos, a fim de os levar
à conversão. Tu amas tudo o que existe e não detestas nada do que fizeste;
pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado. Como poderia subsistir se
tu a não quisesses? Ou como se conservaria, se não tivesse sido chamada por ti?
Tu tratas bem de todos, porque todos são teus, ó Senhor, que amas a vida (Sb.
11,23-26).
Diante do crime, do desprezo ou da
indiferença, a única pergunta de Deus, desde o começo até ao fim do mundo, é
apenas esta: que fizeste do teu irmão (Gn 3, 4-12: Mt 25,
31-45)? O cento das preocupações do Deus de Jesus Cristo é a defesa das
vítimas, a ponto de se identificar com elas: o que fizeste a um destes foi a
mim que o fizeste! O mais interessante da encenação simbólica do
tribunal da História é o seguinte: o encontro ou o desencontro com o Absoluto
transcendente joga-se, de forma inequívoca, na imanência da pura gratuidade das
atitudes e acções, em favor das vítimas da sociedade. De tudo o que conheço das
expressões do fenómeno religioso é a única vez na qual a divindade se
identifica com as suas criaturas.
Tomás de Aquino cunhou, a este
respeito, uma formulação tão exemplar quanto esquecida: “Deus não é ofendido
por nós a não ser quando agimos contra o nosso próprio bem, ou dos outros”
(C.G., III, c.122). Insistiu, por outro lado, numa condição fundamental de toda
a ética: “Só é livre quem faz o bem porque é bem e evita o mal porque é mal e
não porque é um mandamento do Senhor (Cf. In 2Cor., 3,17 e
par.). O afeiçoamento ao bem é interpretado, na sua teologia, como fruto do
Espírito Santo que alimenta a própria raiz da liberdade.
3. Antes e depois
de Jesus Cristo e em áreas religiosas e culturais que nunca tiveram qualquer
contacto com o seu testemunho, a palavra Deus ou algo equivalente não
significava apenas idolatria, desfiguração do divino e do humano. Nos Actos dos
Apóstolos é narrado um acontecimento extraordinário. Paulo, em Atenas,
“inflamava-se-lhe o espírito de indignação com o espectáculo desta cidade cheia
de ídolos”. Em vez de reagir como um fundamentalista, um dono da verdade
absoluta, sente que tem de sair do seu registo judaico. Depara com outras
culturas, outras filosofias, outras religiões. Será nas suas possíveis
aberturas, e a partir delas, que encontrará caminho para a novidade de que é
testemunha, Jesus Cristo ressuscitado. Até encontrou, no meio de toda aquela
religiosidade e dos seus monumentos sagrados, “um altar com a inscrição: ao
Deus desconhecido”. Aquele que adoreis sem o conhecer, é esse que eu
vos venho anunciar.
Apresenta, depois, a sua visão do
mundo e da criação como uma grande história da busca da divindade. Divindade a
ser atingida, ainda que às apalpadelas, pois ela não está longe de nós. É
nela, com efeito, que temos a vida, o movimento e o ser. E
acrescenta: Assim, aliás, disseram alguns dos vossos – pois nós somos
também da sua raça.
Não impõe uma doutrina. Torna-se um
intérprete do que estava implícito nos seus poetas e filósofos. Se somos da
raça de Deus, não devemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, à
prata, à pedra, esculpida pela arte e o engenho do ser humano. (Act. 17,
14-34).
Pertence à teologia desfazer
confusões. Como a palavra Deus é usada para o melhor e para o pior, importa
restituir-lhe a sua luz. Dizer Deus é dizer que a vida tem sentido.
Continuaremos.
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