domingo, 24 de maio de 2015

São Romero de América: “A Igreja não pode ficar calada diante de tanta abominação”

Agenda e evocação


A vida e mensagem de Óscar Arnulfo Romero, arcebispo de San Salvador, assassinado há 35 anos e ontem beatificado na cidade onde morreu, serão evocadas nesta segunda-feira à noite, a partir das 21h, no Convento de São Domingos, de Lisboa. Na véspera da sua morte, Romero dizia: A Igreja, defensora dos direitos de Deus, da lei de Deus, da dignidade humana, da pessoa, não pode ficar calada diante de tanta abominação.
A sessão, com o título Monsenhor Oscar Romero – Profeta e Mártir de um mundo novo, é organizada pela comunidade do Convento de São Domingos e tem a colaboração da editorial Apostolado da Oração, dos jesuítas, que acaba de publicar uma biografia de Óscar Romero. O encontro contará com a participação do dominicano fr. Rui Grácio e da irmã Mariana Vilar, das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Na ocasião, farei uma curta apresentação da biografia editada na última semana pela AO (deve corrigir-se que a beatificação foi feita ontem, em San Salvador, pelo cardeal Angelo Amato).
Romero, de quem a Consolata Editora editou A Doce Violência do Amor, que recolhe excertos de homilias e textos, foi um incansável defensor dos mais pobres e do povo sofrido de El Salvador, que acabou por ser vítima de uma guerra civil que custou milhares de vidas.
O seu martírio foi reconhecido pelos Papas João Paulo II e Bento XVI, mas as teias burocráticas do Vaticano e a oposição declarada de alguns bispos e cardeais fizeram com que tardassem 35 anos até ao reconhecimento institucional, pela Igreja Católica, de que São Romero da América, como já há muito era chamado pelo povo, foi morto por causa da fé, como aqui já se recordou.
Na homilia que fez na véspera da sua morte, Óscar Arnulfo Romero fez um apelo especial aos militares, terminando quase com um grito: “Parem a repressão!” As suas palavras, nessa homilia, interrompida várias vezes por aplausos dos fiéis, transcrevem-se a seguir:


Eu queria fazer um apelo, de modo especial, aos homens do exército, e em concreto às bases da Guarda Nacional, da polícia, dos quartéis. Irmãos: são do nosso mesmo povo; matam aos vossos próprios irmãos camponeses. Diante de uma ordem de matar, que alguém dê, deve prevalecer a lei de Deus que diz: “Não matar.” Nenhum soldado está obrigado a obedecer a uma ordem contra a lei de Deus. Ninguém tem de cumprir uma lei imoral. Já é tempo de recuperar a sua consciência e que obedeçam antes à sua consciência que à ordem do pecado. 
A Igreja, defensora dos direitos de Deus, da lei de Deus, da dignidade humana, da pessoa, não pode ficar calada diante de tanta abominação. Queremos que o Governo leve a sério que de nada servem as reformas se elas forem tingidas com tanto sangue. Por isso, em nome de Deus, e em nome deste povo sofrido, cujos lamentos sobem até ao céu, cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes, em nome de Deus: Parem a repressão!

No documentário de 28 minutos, que pode ser visto a seguir, em castelhano, recordam-se estas palavras de Romero e a sua acção, que acabou por levar ao assassinato, por um esquadrão da morte ao serviço da junta militar que então governava o país. Mas também se alude aos atrasos de que Romero foi vítima, no reconhecimento do martírio. O padre Jon Sobrino, por exemplo, conta o que se passou na segunda visita do Papa João Paulo II ao país, em 1996. Num encontro com os bispos salvadorenhos, o Papa perguntou o que achavam de Romero e da sua possível canonização; um dos bispos respondeu, aludindo aos mortos da guerra civil que rebentou logo após o assassinato de Romero: “Monsenhor Romero foi responsável por 70 mil mortos.”
Jon Sobrino recorda também como Romero, que já dava grande atenção aos mais pobres, passou a defender uma atitude mais interventiva da Igreja diante dos poderes políticos e militares (e, porque não acrescentar, eclesiásticos, como se pode ler na biografia de Roberto Morozzo della Rocca), depois do assassinato do padre jesuíta Rutilio Grande, em 1977. Na missa do funeral, “diante do amor do padre Rutilio e a inocência de dois camponeses – um velhinho e uma criança – [que foram mortos na mesma ocasião] ele mudou”.


(Outro documentário, mais longo, sobre a vida de Romero pode ser visto aqui)

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