(foto reproduzida daqui)
Vários comentários retomam ainda a viagem do Papa a África, que
terminou segunda-feira passada. No CM
de sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues pegava nas declarações do Papa no
regresso de Bangui (República Centro-Africana), a propósito da sida. Sob o título
A Igreja e o preservativo, escrevia:
Mais importante do que ditar o uso
ou não uso do preservativo, a Igreja deve preocupar-se em propor valores, como
sejam o altruísmo e a abertura à vida, ou a humanização da sexualidade, como
defendeu Bento XVI. No fundo, é fazer o mesmo caminho que percorreu em relação
à organização política das sociedades: em vez de propor um modelo a partir da
sua Doutrina Social, fornecer os valores a respeitar no exercício do poder. E
denunciar todos os comportamentos que não os respeitam, sem canonizar um
qualquer sistema político.
(Texto na íntegra aqui)
No Público, Alexandra Lucas
Coelho toma esse e outros pretextos para falar d’O PREC do Papa em 2015:
É aqui que o Papa Francisco entra,
detendo o ponteiro enlouquecido da bússola. Ao ir onde vai, ao dizer o que diz,
ao abraçar quem abraça, ele redefine o eixo da fé em 2015, uma fé tão nos antípodas
da Inquisição ou das seitas cristãs contemporâneas como a minha família de Gaza
está nos antípodas do “Estado Islâmico”. A grande revolução de Francisco será
essa, resgatar a fé da zona vermelha do saque, começando pelos saqueadores do
Vaticano, porque um cristão humanista estará sempre mais próximo de um
muçulmano humanista do que de um cristão fundamentalista, tal como um muçulmano
humanista está mais próximo de um cristão humanista do que de um muçulmano
fundamentalista. Dois crentes humanistas estarão sempre próximos,
independentemente da Igreja.
(Texto na íntegra aqui; a propósito da última referência do texto, a Israel e Palestina, pode
recordar-se a importante viagem do Papa Francisco à Terra Santa, onde ele se
referiu exactamente à urgência do reconhecimento mútuo dos dois Estados, bem como a outras questões do conflito)
No Crux, o site de informação
religiosa do Boston Globe, Inés San
Martín escrevia que a viagem a África como que sublinhou e sintetizou, numa
espécie de “miniatura”, os diferentes aspectos do “Papa das periferias”.
No texto, a correspondente do Crux em Roma destaca que a viagem permitiu ao Papa colocar as periferias no
centro da Igreja e insistir na ideia de um catolicismo centrado na misericórdia
de Deus.
A paz, os pobres, o ambiente, o diálogo inter-religioso, a
reconciliação, os doentes e os jovens são alguns dos tópicos do Papa na viagem
ao Quénia, Uganda e República Centro-Africana (RCA), destacados por Inés San
Martín. “Por detrás de tudo, a misericórdia foi um refrão constante”, nota a
jornalista, recordando o gesto da abertura da porta do ano jubilar da
misericórdia na catedral de Bangui.
A ideia da misericórdia esteve ainda presente, acrescenta o texto no
facto de a RCA ser o terceiro país mais pobre do mundo, de ser a primeira vez
que um Papa contemporâneo visita um país numa situação de guerra activa.
(O texto, em inglês, pode ser lido aqui na íntegra)
No DN de segunda-feira, o dia
em que a viagem do Papa terminou, publiquei um artigo sobre o catolicismo
africano. Fica a seguir o texto, com o título
O Papa perante uma Igreja plural, a falar ao mundo
O Papa Francisco deixa hoje a
República Centro-Africana (RCA), país mergulhado num violento conflito e última
etapa desta já histórica viagem, depois de ter estado no Quénia e no Uganda.
Nestes seis dias intensos, o Papa despertou uma Igreja com desafios críticos
pela frente, tocou todos os graves problemas das sociedades africanas e não
deixou de ter os olhos postos no mundo – por exemplo, com as referências ao
meio ambiente e ao terrorismo.
Francisco repetiu críticas à
corrupção política e eclesial, condenou o tribalismo e a violência terrorista,
apelou à defesa do ambiente, dos mais pobres e das mulheres, e pediu educação e
emprego para os jovens como forma de prevenir a violência.
O Papa não deixou de se referir
aos tremendos desafios que se colocam à Igreja africana – ou melhor, às muito
diferentes expressões do catolicismo africano, como chama a atenção José Carlos
Rodríguez Soto, ex-padre e missionário, que vive em África há 24 anos (Uganda,
República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Gabão) e trabalha
actualmente na Cáritas do Uganda e outras organizações não-governamentais.
No site da Fundación Sur, Rodríguez
Soto escrevia recentemente que África acolhe um catolicismo que tanto pode ter
uma grande implantação na maioria da população (Congo-Kinshasa, Uganda,
Burundi, Gabão), como ser uma minoria com forte implantação social (Mali,
Chade) ou uma minoria em sociedades de maioria cristã ortodoxa (Etiópia,
Eritreia) ou de maioria cristã protestante (África do Sul).
O ex-padre refere ainda uma Igreja
Católica que, em determinados países, vive mais acomodada com o poder (Guiné
Equatorial) ou que, pelo contrário, contesta ditaduras e defende a paz e a
dignidade humana (República Democrática do Congo ou República Centro-Africana,
onde o Papa chegou ontem). E recorda ainda Soto casos como o do bispo John
Baptist Odama, do Uganda, que esteve nas negociações de paz, falava com
guerrilheiros na selva ou dormia nas ruas da sua cidade, Gulu, junto das
crianças de rua, que fugiam da guerrilha.
Lideranças frágeis
Saído de séculos de colonização,
só nas últimas décadas o catolicismo africano foi ganhando rostos e lideranças
autóctones. Mas estas são ainda muito frágeis: estão por vezes demasiado
ligadas a políticos autoritários ou não investem suficientemente na formação
teológica, sem reflectir a realidade africana.
Apesar dos seminários cheios, em
muitos casos “é difícil detectar as verdadeiras motivações” dos candidatos a
padre, como escrevia Rodríguez Soto. Muitas vezes, acrescentava, a ideia do
padre demasiado ligado ao poder ou ao prestígio social acaba por pesar mais na
vocação do que o serviço à comunidade.
Sexta-feira, no Uganda, Francisco
agradeceu o trabalho dos mais de 15 mil catequistas do país – e das centenas de
milhares que, por todo o continente, asseguram muitas das estruturas locais da
Igreja. Os catequistas, mulheres e homens, “são autênticos padres não
ordenados”, diz ao DN o padre José Vieira, actual provincial (responsável) dos
Missionários Combonianos em Portugal, que viveu na Etiópia (1993-2000) e no
Sudão do Sul (2006-13). “Eles transmitem a fé, animam a liturgia e a celebração
da missa, fazem as homilias, asseguram a ligação ao bispo.”
José Vieira diz que o papel dos
catequistas é uma das potencialidades maiores do catolicismo africano – a par
da juventude da Igreja. Mas o modo como a autoridade é vista é um problema,
confirma este missionário: “Os anciãos são vistos como guardadores da tradição
e muitos bispos encarnam esse papel, preservando da novidade. Um bispo queniano
dizia-me uma vez: ‘Eu estou sempre com Roma.’ Essa frase traduz a tendência
grande para estar do lado do poder, seja ele qual for.”
O missionário aponta outros
problemas do catolicismo africano: a dependência do financiamento externo, que
“confirma o conservadorismo e induz a corrupção”, a “dificuldade em responder à
cultura tecnológica e ao crescimento dos novos movimentos religiosos”, ou ainda
o tribalismo e a submissão da mulher – “as mulheres são submetidas, não
submissas”, corrige, “porque, quando elas têm espaço, conseguem manifestar-se e
são elas que levam para a frente a sociedade e a Igreja”.
O Papa como que confirmou alguns
aspectos deste retrato: a corrupção, que se entranha “como um açúcar”, é um dos
problemas das sociedades, mas também da Igreja, disse em Nairobi (Quénia). A
lógica do tribalismo – num continente onde cristãos de etnias diferentes por
vezes se matam, como aconteceu há duas décadas no Ruanda e no Burundi – deve
ser contrariada, disse também o Papa na primeira etapa da viagem. “Há bispos
literalmente rejeitados só por serem de uma etnia diferente”, confirma o padre
José Vieira.
O tribalismo pode ir ao ponto de
provocar guerras civis ou, pelo menos, graves conflitos em diversos países –
como é o caso da RCA. Para o Papa, é clara a relação entre a pobreza, a
degradação ambiental e o terrorismo ou a violência. Francisco não se cansou de
repetir essa mensagem. Resta saber se ela passou também para os responsáveis da
Igreja (e das sociedades).
Texto anterior no blogue
Novas figuras do Advento, a mulher mais poderosa e uns sapatos - crónicas de frei Bento Domingues, Anselmo Borges e Vítor Gonçalves
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