Relatório diz que 75 por cento da população mundial vive com severas
restrições à liberdade religiosa
Países com violações significativas da liberdade religiosa
(Fonte: AIS, Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo 2016;
o mapa está disponível no sítio digital do relatório)
Ekhlas, uma adolescente da minoria
yazidi, do Norte do Iraque, foi raptada pelos militantes do Daesh, da sua casa
em Sinjar, viu o pai e o irmão serem mortos à sua frente. Ela e todas as outras
raparigas com mais de oito anos foram raptadas, encarceradas e violadas. Uma
delas, com nove anos, foi violada tantas vezes que acabou por morrer. Ekhlas
acabou por escapar, depois do bombardeamento da área onde estava encarcerada. A
sua história, que a própria contou a um grupo de deputados britânicos, traduziu-se
na aprovação, em Abril deste ano, de uma moção, por 278 votos a favor e nenhum
contra, em que os deputados britânicos da Câmara dos Comuns pedem ao Governo
que apele ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que este remeta ao
Tribunal Penal Internacional os crimes cometidos pelo Daesh.
O caso de Ekhlas, um entre
milhares, é um dos relatados no relatório bianual 2014-16, sobre a Liberdade
Religiosa no Mundo, divulgado esta quinta-feira pela Ajuda à Igreja que Sofre
(AIS), fundação de direito pontifício dependente da Santa Sé.
Em termos globais, o relatório faz
a conta e conclui que “mais de 75% da população mundial vive em áreas com
severas restrições à liberdade religiosa”, de acordo com dados do Pew Research
Center). E, dos 196 países analisados, 38 revelam sinais de graves e
sistemáticas violações da liberdade religiosa.
A situação na Síria e no Iraque,
onde o Daesh tem dominado vastos territórios, bem como a de outros países
asiáticos e africanos leva os autores do relatório a concluir que “nunca o fundamentalismo
religioso foi tão letal como agora”.
Há um “novo fenómeno de violência
com motivação religiosa”, que pode ser denominado de “híper-extremismo
islamita”, acrescenta o documento. Este fenómeno tem provocado morte,
destruição, deslocações forçadas de pessoas numa escala sem precedentes e
instabilidade regional, que colocam em risco “a paz mundial, estabilidade e a
harmonia social do Ocidente”.
A AIS considera que os factos
coligidos no documento revelam uma realidade inquietante: “Em algumas regiões
do Médio Oriente, que incluem o Iraque e a Síria, este híper-extremismo está a
eliminar todas as formas de diversidade religiosa e ameaça fazer o mesmo em
certas zonas de África e do subcontinente asiático.”
Este “híper-extremismo” é visível “em
actos de pura selvajaria, denota intenções genocidas, que já foram, aliás,
denunciadas, no que diz respeito” ao Daesh, pela ONU e pelos parlamentos de
vários países – em Portugal, a Assembleia da República condenou, em Abril,
“formalmente e por unanimidade”, o “terrível genocídio” contra os cristãos e
outras minorias étnicas e religiosas em África e no Médio Oriente.
Aumentam os refugiados e o antisemitismo
O aumento extraordinário do número
de refugiados no mundo – mais de 65 milhões, o maior de sempre, ultrapassando
mesmo o número de refugiados na altura da II Guerra Mundial, é outra das
consequências maiores desta violência que se reivindica de uma inspiração
religiosa.
O aumento dos ataques de carácter
antissemita é outra das notas do relatório, cuja versão portuguesa foi
apresentada numa sessão na Sociedade de Geografia de Lisboa, quinta à tarde. O
deputado Fernando Negrão, que apresentou o relatório e integra um grupo
informal de deputados para as questões da liberdade religiosa, afirmou que esta
deve deixar de ser um “direito órfão”.
Na sessão, participou também
Bachar Warda, bispo de Erbil (Iraque), 47 anos, nascido em Bagdad, a capital do
país, na comunidade de língua aramaica (a mesma que Jesus falava). Numa
entrevista publicada no DN de quinta-feira, o bispo denuncia também as
atrocidades e o clima de terror provocado pelo Daesh, mas admite que, na altura
da ditadura de Saddam Hussein predominava o silêncio dos cristãos. Mas a melhor
protecção dos cristãos, acrescenta, não é a dos ditadores mas a de um Estado
respeitador da lei. “O cristianismo floresce sempre que existe Estado, lei e
liberdade”, diz, na entrevista.
As características do híper-extremismo
O relatório nota ainda que, em
países como a Índia, o Paquistão e Myanmar, em que uma religião é identificada
com o Estado, têm aumentado as perseguições às minorias religiosas. E nos
países com as maiores violações, como a Coreia do Norte e a Eritreia, a
expressão religiosa continua a ser severamente penalizada – o simples acto de
possuir uma Bíblia ou rezar em casa pode dar direito a ser preso, no país de
Kim Jong-un, onde ter fé também pode levar a um campo de trabalhos forçados, à
execução, à violação ou à tortura.
Os dados recolhidos no relatório
dizem ainda que, nos dois anos em análise – Junho de 2014 a Junho de 2016 – a
liberdade religiosa ficou pior em onze dos 23 países em que já se registavam as
violações mais graves. “Nos outros sete países desta categoria, os problemas já
eram tão grandes que dificilmente poderiam ficar piores”, anotam os
responsáveis do documento. Dos 38 países com violações mais significativas da
liberdade religiosa, 55% não mudaram as suas práticas, enquanto se registaram
melhorias no Egipto, Butão e Qatar.
No que se refere ao
híper-extremismo, o relatório aponta as características deste fenómeno:
a) Crença extremista e um sistema
radical de lei e governo;
b) Tentativas sistemáticas de
aniquilar ou afastar todos os grupos que não concordem com a sua perspectiva,
incluindo correligionários: moderados e aqueles com diferentes tradições;
c) Tratamento cruel das vítimas;
d) Uso das redes sociais mais
recentes, principalmente para recrutar seguidores e intimidar os opositores
através da exibição de violência extrema;
e) Impacto global, tornado
possível através de grupos extremistas filiados e de redes de apoio com bons
recursos.
Na sua versão digital, o relatório permite a leitura dos
dados de cada país, ao mesmo tempo que apresenta a síntese das conclusões e
nove casos de diferentes situações e dos seus contextos.
O relatório 2014-2016 sobre a
Liberdade Religiosa no Mundo está também disponível em livro na AIS (R. Prof.
Orlando Ribeiro, 5 D, 1600-796 Lisboa; ou apoio@fundacao-ais.pt).
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