Dominicanos assinalam 800 anos de
história e actualidade
O papel dos maiores teólogos dominicanos portugueses
na defesa dos índios e dos indígenas, no quadro mais vasto das questões morais
e jurídicas levantadas pela construção do império transoceânico, será uma das
revelações que as jornadas de história Espaços,
homens, percursos irão trazer a Lisboa, esta sexta e sábado.
Giuseppe Marcocci, investigador italiano de Viterbo,
co-autor, com José Pedro Paiva, da História
da Inquisição Portuguesa 1536-1821, trará um novo contributo ao conhecimento do pensamento
dos teólogos dominicanos portugueses do século XVI, em plena época da expansão.
A Ordem dos Pregadores, que desempenhava nessa altura um importante papel na
Inquisição, tinha também, por contraste, vários outros dos seus membros
empenhados na defesa de alguns valores que a Inquisição condenava.
Conhece-se a reflexão de alguns dominicanos espanhóis
(como Bartolomé de las Casas, Antonio Montesinos ou Francisco de Vitoria) na
problematização jurídica, moral e teológica da evangelização dos índios. Mas o
papel de vários dominicanos portugueses nessa mesma dinâmica é ainda pouco
conhecido – e é isso que Marcocci se propõe apresentar, na comunicação
sobre “Os teólogos dominicanos e o império português no século XVI: os homens e
as suas ideias”.
As terceiras jornadas de história sobre Os Dominicanos em Portugal 1216-2016 são
as últimas da série que assinala os 800 anos da criação da Ordem dos Pregadores
(frades dominicanos). Decorrendo na Universidade Católica Portuguesa, em
Lisboa, amanhã e depois (11 e 12 de Novembro), a iniciativa contará com a
participação de vários outros investigadores portugueses e estrangeiros, entre
os quais Miguel Ángel Medina, Rita Nicolau, Saul Gomes e Vítor Serrão.
O pensamento do teólogo contemporâneo Gustavo
Gutierrez (discípulo de Las Casas e considerado o fundador da “teologia da
libertação”), o papel e importância dos leigos na Ordem dos Pregadores, ou a
relevância da acção de Teresa de Saldanha, fundadora de uma congregação
dominicana no século XIX, quando as ordens religiosas estavam proibidas, são
alguns dos temas de outras intervenções.
António Camões Gouveia, um dos responsáveis das
jornadas, apresentará e comentará a bibliografia recente de frades dominicanos
ou sobre a Ordem Dominicana. O papel das religiosas dominicanas no ensino, as
vivências místicas e a relação da Ordem Dominicana com a arquitectura e a
iconografia serão outros temas a abordar nas jornadas.
Sábado, às 18h, o Coro Gregoriano Solemnis encerrará
as jornadas com um recital de música coral centrado em obras litúrgica de canto
gregoriano. Além dos nomes já referidos, intervêm nas jornadas os
investigadores Catarina Nunes, João Alves da Cunha, Gonçalo Diniz, Bernardino
Marques e Paola Nestola.
A bailarina desenhada pela freira foi salva do terramoto
Na sexta-feira, a Biblioteca Nacional de Portugal
inaugura, às 17h30, uma exposição bibliográfica com vários livros que pretendem
retratar a história e a obra dos dominicanos (a mostra estará aberta até dia
19). Nesta exposição, pode ver-se uma autêntica filigrana dançarina;
junto da letra capital, a freira dominicana que a desenhou colocou uma pequena
bailarina, cortesã. Todo o antifonário (livro para o canto litúrgico) é assim,
iluminado com plantas e animais, por vezes figuras humanas. Ornamentado pelas
freiras do convento da Anunciada na primeira metade do século XVI para ocasiões
festivas, o manuscrito é um dos dois antifonários de cantochão que, a pretexto
dos 800 anos da fundação da Ordem dos Pregadores, ou dominicanos, estará
exposto na Biblioteca Nacional a par de outras obras importantes, pela
raridade, valor artístico ou relevância cultural.
A mostra bibliográfica, na
Biblioteca Nacional entre os dias 11 e 19, pretende evidenciar o papel dos
dominicanos em áreas como a devoção popular e a catequese, mas também na
história e cultura, teologia, música ou literatura.
Fernanda Guedes de Campos,
comissária da exposição, destaca os dois livros de coro manuscritos, ambos produzidos
e ornamentados pelas freiras dominicanas do Convento da Anunciada. Situado um
pouco acima da Igreja de São Domingos, o convento ficou em ruínas com o
terramoto de 1755 e só o discernimento das freiras que sobreviveram permitiu
salvar os dois códices.
Nem sempre as iluminuras ficam
sujeitas às margens do texto, observa a comissária, o que lhe confere uma
grande beleza e mostra a “grande imaginação e liberdade” das freiras na
concepção e ornamentação do manuscrito.
A exposição inclui ainda textos de
espiritualidade, teologia, sermões e catequese, temas dominantes nas três
dezenas de livros que ali ficarão expostos.
Não faltam obras maiores da
cultura ocidental – um dos volumes da Suma
Teológica, de São Tomás de Aquino, por exemplo –, a par de textos de
referência da cultura portuguesa, como alguns livros de frei Luís de Granada ou
frei Bartolomeu dos Mártires (que pode ser proclamado santo, em breve), uma Vida de Santa Joana, de frei Luís de
Sousa, ou a Legenda Áurea, colectânea
de vidas de santos. Livros que, ao longo de séculos, tiveram muitas edições em
muitos países e ajudaram a formar a consciência católica dos últimos séculos.
Fernanda Campos recorda uma das
histórias contadas por Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga no século
XVI e um dos principais intervenientes no Concílio de Trento. Ao chegar a uma
paróquia, o bispo ouviu gritar “viva a Santíssima Trindade, irmã de Nossa
Senhora”. Mais uma confirmação da falta de cultura católica, num tempo em que,
em plena Reforma impulsionada por Lutero (sobre cujo início se assinalaram os
500 anos, segunda-feira passada), o protestantismo avançava na Europa.
Esse foi um dos episódios na
origem do Catecismo ou doutrina cristã e
práticas espirituais, manual em que Bartolomeu dos Mártires procurava
sintetizar a doutrina católica da época em linguagem acessível.
As jornadas sobre os 800 anos dos
dominicanos, organizadas pelo Centro de Estudos de História Religiosa, da
Universidade Católica, e o Instituto São Tomás de Aquino, contam com a
participação de vários investigadores portugueses e estrangeiros, entre os
quais Giuseppe Marcocci, co-autor, com José Pedro Paiva, da História da Inquisição Portuguesa 1536-1821.
As jornadas são uma iniciativa do Centro de Estudos de
História Religiosa, da Universidade Católica (cehr@ft.lisboa.ucp.pt; tel. 217 214 130) e do Instituto São Tomás de Aquino; o programa completo
pode ser consultado aqui.
(A primeira parte do texto é uma
notícia do Centro de Estudos de História Religiosa; a segunda parte reproduz uma
notícia publicada sábado passado no DN. Mais informações sobre a exposição
bibliográfica podem ser lidas aqui; na ilustração: Regra e estatutos do Convento de Santa Maria do Paraíso de Évora, da Ordem de São Domingos, um dos livros expostos na Biblioteca Nacional.)
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