quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Revelações sobre os frades dominicanos portugueses que defenderam os índios

Dominicanos assinalam 800 anos de história e actualidade



Antonio de Montesinos, um dos defensores dos índios contra a colonização, 
numa estátua em santo Domingo (foto reproduzida daqui)

O papel dos maiores teólogos dominicanos portugueses na defesa dos índios e dos indígenas, no quadro mais vasto das questões morais e jurídicas levantadas pela construção do império transoceânico, será uma das revelações que as jornadas de história Espaços, homens, percursos irão trazer a Lisboa, esta sexta e sábado.
Giuseppe Marcocci, investigador italiano de Viterbo, co-autor, com José Pedro Paiva, da História da Inquisição Portuguesa 1536-1821, trará um novo contributo ao conhecimento do pensamento dos teólogos dominicanos portugueses do século XVI, em plena época da expansão. A Ordem dos Pregadores, que desempenhava nessa altura um importante papel na Inquisição, tinha também, por contraste, vários outros dos seus membros empenhados na defesa de alguns valores que a Inquisição condenava.
Conhece-se a reflexão de alguns dominicanos espanhóis (como Bartolomé de las Casas, Antonio Montesinos ou Francisco de Vitoria) na problematização jurídica, moral e teológica da evangelização dos índios. Mas o papel de vários dominicanos portugueses nessa mesma dinâmica é ainda pouco conhecido – e é isso que Marcocci se propõe apresentar, na comunicação sobre “Os teólogos dominicanos e o império português no século XVI: os homens e as suas ideias”.
As terceiras jornadas de história sobre Os Dominicanos em Portugal 1216-2016 são as últimas da série que assinala os 800 anos da criação da Ordem dos Pregadores (frades dominicanos). Decorrendo na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, amanhã e depois (11 e 12 de Novembro), a iniciativa contará com a participação de vários outros investigadores portugueses e estrangeiros, entre os quais Miguel Ángel Medina, Rita Nicolau, Saul Gomes e Vítor Serrão.

O pensamento do teólogo contemporâneo Gustavo Gutierrez (discípulo de Las Casas e considerado o fundador da “teologia da libertação”), o papel e importância dos leigos na Ordem dos Pregadores, ou a relevância da acção de Teresa de Saldanha, fundadora de uma congregação dominicana no século XIX, quando as ordens religiosas estavam proibidas, são alguns dos temas de outras intervenções.
António Camões Gouveia, um dos responsáveis das jornadas, apresentará e comentará a bibliografia recente de frades dominicanos ou sobre a Ordem Dominicana. O papel das religiosas dominicanas no ensino, as vivências místicas e a relação da Ordem Dominicana com a arquitectura e a iconografia serão outros temas a abordar nas jornadas.
Sábado, às 18h, o Coro Gregoriano Solemnis encerrará as jornadas com um recital de música coral centrado em obras litúrgica de canto gregoriano. Além dos nomes já referidos, intervêm nas jornadas os investigadores Catarina Nunes, João Alves da Cunha, Gonçalo Diniz, Bernardino Marques e Paola Nestola.

A bailarina desenhada pela freira foi salva do terramoto

Na sexta-feira, a Biblioteca Nacional de Portugal inaugura, às 17h30, uma exposição bibliográfica com vários livros que pretendem retratar a história e a obra dos dominicanos (a mostra estará aberta até dia 19). Nesta exposição, pode ver-se uma autêntica filigrana dançarina; junto da letra capital, a freira dominicana que a desenhou colocou uma pequena bailarina, cortesã. Todo o antifonário (livro para o canto litúrgico) é assim, iluminado com plantas e animais, por vezes figuras humanas. Ornamentado pelas freiras do convento da Anunciada na primeira metade do século XVI para ocasiões festivas, o manuscrito é um dos dois antifonários de cantochão que, a pretexto dos 800 anos da fundação da Ordem dos Pregadores, ou dominicanos, estará exposto na Biblioteca Nacional a par de outras obras importantes, pela raridade, valor artístico ou relevância cultural.
A mostra bibliográfica, na Biblioteca Nacional entre os dias 11 e 19, pretende evidenciar o papel dos dominicanos em áreas como a devoção popular e a catequese, mas também na história e cultura, teologia, música ou literatura.
Fernanda Guedes de Campos, comissária da exposição, destaca os dois livros de coro manuscritos, ambos produzidos e ornamentados pelas freiras dominicanas do Convento da Anunciada. Situado um pouco acima da Igreja de São Domingos, o convento ficou em ruínas com o terramoto de 1755 e só o discernimento das freiras que sobreviveram permitiu salvar os dois códices.
Nem sempre as iluminuras ficam sujeitas às margens do texto, observa a comissária, o que lhe confere uma grande beleza e mostra a “grande imaginação e liberdade” das freiras na concepção e ornamentação do manuscrito.
A exposição inclui ainda textos de espiritualidade, teologia, sermões e catequese, temas dominantes nas três dezenas de livros que ali ficarão expostos.
Não faltam obras maiores da cultura ocidental – um dos volumes da Suma Teológica, de São Tomás de Aquino, por exemplo –, a par de textos de referência da cultura portuguesa, como alguns livros de frei Luís de Granada ou frei Bartolomeu dos Mártires (que pode ser proclamado santo, em breve), uma Vida de Santa Joana, de frei Luís de Sousa, ou a Legenda Áurea, colectânea de vidas de santos. Livros que, ao longo de séculos, tiveram muitas edições em muitos países e ajudaram a formar a consciência católica dos últimos séculos.
Fernanda Campos recorda uma das histórias contadas por Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga no século XVI e um dos principais intervenientes no Concílio de Trento. Ao chegar a uma paróquia, o bispo ouviu gritar “viva a Santíssima Trindade, irmã de Nossa Senhora”. Mais uma confirmação da falta de cultura católica, num tempo em que, em plena Reforma impulsionada por Lutero (sobre cujo início se assinalaram os 500 anos, segunda-feira passada), o protestantismo avançava na Europa.
Esse foi um dos episódios na origem do Catecismo ou doutrina cristã e práticas espirituais, manual em que Bartolomeu dos Mártires procurava sintetizar a doutrina católica da época em linguagem acessível. 
As jornadas sobre os 800 anos dos dominicanos, organizadas pelo Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica, e o Instituto São Tomás de Aquino, contam com a participação de vários investigadores portugueses e estrangeiros, entre os quais Giuseppe Marcocci, co-autor, com José Pedro Paiva, da História da Inquisição Portuguesa 1536-1821.
As jornadas são uma iniciativa do Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica (cehr@ft.lisboa.ucp.pt; tel. 217 214 130) e do Instituto São Tomás de Aquino; o programa completo pode ser consultado aqui.

(A primeira parte do texto é uma notícia do Centro de Estudos de História Religiosa; a segunda parte reproduz uma notícia publicada sábado passado no DNMais informações sobre a exposição bibliográfica podem ser lidas aqui; na ilustração: Regra e estatutos do Convento de Santa Maria do Paraíso de Évora, da Ordem de São Domingos, um dos livros expostos na Biblioteca Nacional.)

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