Crónica
Absurdistão
será o reino do absurdo - do latim, por contaminação, de ab-sonus (que não soa
bem) e surdus (surdo, que não percebe), ab-surdus: etimologicamente, absurdo é,
pois, o dissonante, e, depois, o contra-senso. Num Dicionário de Filosofia,
poderá encontrar-se esta definição: a destruição de uma relação normal ou
lógica que se esperava entre as coisas ou entre si e o mundo. A situação
portuguesa é, neste nosso tempo, assim: surreal, que não se entende, com um
futuro incerto e perigoso.
Pergunta-se,
por exemplo, quando e como se vai pagar uma dívida de mais de 200 mil milhões
de euros, com juros anuais de mais de 7, 5 mil milhões de euros. Mas há aquele
velho e tremendíssimo debate entre os atenienses e os mélios, para o qual já
chamei aqui a atenção, onde se mostra a terrível lei do mais forte: os mais
fortes, neste momento, são os credores - numa situação de protectorado. À beira
da bancarrota, chegou a esfola, com impostos sobre impostos, de tal maneira
que, a partir de um certo limiar, a receita pode ser menor, porque as empresas
fecham e o desemprego cresce. Mas há quem queira austeridade sem austeridade.
Ah, e a fuga de capitais! E a corrupção a medrar, também na cumplicidade de
política e negócios. E a economia paralela. E a Justiça que não funciona. E o
desemprego a caminho de um milhão - quando se fala em desempregado, é preciso
entender alguém que não tem trabalho, portanto, que não produz, que não
contribui com impostos, que, pelo contrário, vai buscar apoio à segurança
social, que pode deprimir... E, pela primeira vez, desde que me conheço, se,
antes, se investia pessoalmente e amanhã a vida havia de ser melhor, agora
reina o pessimismo do pior. O pior é mesmo isso: perdeu--se a esperança, a
confiança, não se acredita, não há crédito. Para todos? Não, pois os muito
ricos são-no cada vez mais. E os portugueses são uma "espécie em vias de extinção":
temos uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, com a consequência,
entre outras, de 1,5 de pessoas activas por cada pensionista. E todos gritam, e
bem, por crescimento económico, mas há sempre alguém que, também com razão,
pergunta: e quem investe e com o dinheiro de quem?
Pergunta-se
como foi possível chegar aqui. Fica-se atordoado, quando se pensa nisso.
Lembro,
um pouco a esmo, razões. Não há dúvida de que, seja como for, ao longo dos
últimos 25 anos de integração europeia, o país evoluiu bastante. Mas quem
duvida de que os 81 mil milhões de euros chegados da Europa poderiam e deveriam
frequentemente seguir um rumo outro, em ordem a um desenvolvimento racional e
sustentável? Criou-se então aquela mentalidade de falsos ricos, que gastam na
irrazão. Ainda me lembro de reformados aos 45-50 anos. E das tais viagens a
crédito para Cancún. E da criação de instituições de ensino superior sem
critério e qualidade, prejudicando o país por décadas e levando à ilusão de um
saber que não há e envenenando o sistema. E criou-se o vício da
subsídio-dependência e do encosto ao Estado, que devia ser de providência, mas
que cada vez menos o será, já que não teve previdência. E o número de
funcionários cresceu e também o das empresas municipais e as PPP... Governou-se
para ganhar eleições, perdido o sentido de Estado. O pacto entre a classe
política e o povo faliu e agora 87% já não confiam muito na democracia.
Há um
verbo latino muito rico: mederi. É importante, porque dá origem a três palavras
fundamentais para a nossa necessidade mais urgente: meditação, medicina,
moderação. Precisamos de parar e meditar e viver mais moderadamente (todos, não
apenas os pobres). Quanto à medicina, ninguém conhece exactamente o remédio,
mas ele passa também pela convocação de representantes das forças mais
dinâmicas e estruturantes do país - Universidade, partidos, patronato,
sindicatos, média, Igreja -, no sentido de um estudo que comunique, sem
mentira, a situação real do país, e de um consenso mínimo quanto ao essencial,
para salvar o futuro de um país que caminha para o precipício.
(AnselmoBorges, no DN de 20.Julho.2013)
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