Sob o título
"Os desafios de uma Igreja autista", o Público traz hoje um editorial
que cita uma declaração do atual Papa Francisco, quando era cardeal de Buenos
Aires, e que foi publicada no livro-entrevista (entretanto traduzido para
português), intitulado "El Jesuíta":
"A uma Igreja que se limita a administrar o trabalho
paroquial, que vive fechada na sua comunidade, acontece-lhe o mesmo que a uma
pessoa fechada: atrofia-se física e mentalmente. Ou deteriora-se como um quarto
fechado, onde o mofo e a humidade se expandem. A uma Igreja auto-referencial
acontece-lhe o mesmo que a uma pessoa auto-referencial: fica paranóica,
autista."
[“A una Iglesia que se limita a administrar el trabajo parroquial, que vive encerrada en su comunidad, le pasa lo mismo que a una persona encerrada: se atrofia física y mentalmente. O se deteriora como un cuarto encerrado, donde se expande el moho y la humedad. A una Iglesia autorreferencial le sucede lo mismo que a una persona autorreferencial: se pone paranoica, autista”].
"Hoje, quatro anos depois - observa o editorial - Bergoglio é
Papa. Ainda não o ouvimos falar com esta frontalidade em público".
Não
parece muito informado o jornal, já que desde o conclave e, em múltiplas
ocasiões, depois de eleito, Francisco não se tem cansado de repisar essa mesma
ideia.
Idem quando sugere que o facto de a sua primeira visita oficial
não ter sido ao Brasil "por acaso" , já que corresponderia a uma
"estratégia" para "travar o contínuo desaparecimento de
fiéis". Primeiro é discutível que a viagem ao Brasil tenha sido a
primeira. Se se entender por oficial o que o Papa faz como 'chefe de Estado', sim. Mas
esta é uma viagem pastoral e, desse ponto de vista, também o foi a
viagem-relâmpago (altamente significativa) que fez à ilha de Lampedusa, já este mês. Nesse sentido a que decorre neste momento não seria a primeira, mas a
segunda. Acresce que a viagem do Papa estava prevista há dois anos, desde a anterior
Jornada Mundial da Juventude (JMJ), realizada em Madrid. Tendo ocorrido a renúncia de
Bento XVI, nada mais lógico que o novo Papa mantivesse a viagem ao Rio de
Janeiro, sendo ele, para mais, oriundo da América Latina. O que o Público
poderia ou quereria sublinhar é que a marcação da JMJ deste ano para o Brasil
correspondeu a um propósito da Igreja Católica de dinamizar a presença dos
católicos na sociedade brasileira e aí estaríamos de acordo.
O editorial do Público termina dizendo que, para uma "Igreja
doente" não basta ao Papa Francisco intervir como tem feito,
antes terá que provocar uns abanões no interior da instituição. Segundo o
artigo:
"No Brasil, o seu discurso foi político - capitalismo, droga,
urbanismo, consumo -, mas sobretudo sobre os seus temas de eleição, só
aparentemente simples: a força da solidariedade contra a "cultura do
egoísmo"; os valores da entreajuda contra a paixão pelos "ídolos
efémeros"; a infelicidade e violência que resultam de "uma sociedade
que abandona na periferia uma parte de si mesma". Não são, no entanto,
estas missas mediáticas que vão dar à Igreja as respostas que procura. O
diagnóstico está feito: temos uma "Igreja doente" e o Papa diz que
prefere uma "Igreja acidentada". Se não arriscar uns tropeções,
Francisco não mudará nada."
Supõe-se que o Público defende que a cura da tal doença passa por
medidas internas e, em boa parte, terá razão. Contudo, o que o editorialista
não parece ver é que não é tanto ou só pelo que diz que o Papa pode mudar, mas pelo
que faz. E aí ele já está a mudar. Porque o modo como ele vai ao encontro das
pessoas e das suas situações, o modo como vive e exerce o seu ministério, como se faz próximo de quem está nas periferias, já
está a perturbar muita gente instalada no seu catolicismo, até (ou sobretudo)
ao mais alto nível da Igreja. Isso de dar tropeções tem muito que se lhe diga.
[Foto - Papa Francisco na favela da Varginha, em 25.7.2013. Crédito : Globo]
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