Documento a assinar por
católicos, anglicanos, metodistas, presbiterianos e ortodoxos reconhece
validade mútua do baptismo. RELIGIONLINE divulga o texto desse documento, uma
espécie de ressurreição de um morto, tendo em conta os doze anos que tardou a
concluir o processo, como diz o seu primeiro proponente.
Um
documento de “Reconhecimento mútuo do sacramento do Baptismo” será assinado no
próximo sábado, em Lisboa, por representantes da Igreja Católica Romana, Igreja Lusitana (Comunhão Anglicana), Igreja Metodista, Igreja Presbiteriana e
Igreja Ortodoxa (Patriarcado de Constantinopla), presentes em Portugal. Este acontecimento, que levou cerca de doze anos a ser
preparado, põe um ponto final nas divergências doutrinais históricas que, na
prática, já há alguns anos não se fazem sentir. Ao mesmo tempo, acentua a
concordância pastoral e doutrinal que existe sobre o tema, entre aquelas
igrejas cristãs.
O
texto, que RELIGIONLINE divulga na íntegra, em primeira mão, no final deste
artigo, começou a ser debatido em 2002, no âmbito dos encontros periódicos
entre a então Comissão Episcopal da Doutrina da Fé (CEDF), do lado católico, e
a direcção do Copic (Conselho Português de Igrejas Cristãs), que reúne
lusitanos, metodistas e presbiterianos. Mais tarde, os ortodoxos juntaram-se
também ao processo.
No
documento, reconhece-se “mutuamente a validade do baptismo” ministrado por
qualquer uma daquelas igrejas. O texto começa por referir a concordância “sobre
os pontos fundamentais de doutrina e prática baptismal” entre aquelas
diferentes igrejas e verifica que, na prática, elas “já aceitam tacitamente o
reconhecimento mútuo da validade do sacramento” tal como é administrado por
católicos, presbiterianos, lusitanos, metodistas e ortodoxos.
Situações como alguém decidir mudar de
Igreja ou casar com um membro de outra Igreja obrigaram muitas vezes a um novo
baptismo: no caso dos casamentos, o/a noivo/a de determinada Igreja era
obrigado/a a baptizar-se de novo, para poder casar, pois a comunidade a que o
outro nubente pertencia não reconhecia o baptismo inicial.
Primeira
proposta em 2006
“A assinatura de sábado parece uma
ressurreição, pois eu julgava que o documento estava morto”, diz ao
RELIGIONLINE o pastor José Leite, da Igreja Evangélica Presbiteriana de
Portugal e que trabalhou largos anos na sede do Conselho Ecuménico de Igrejas,
em Genebra. Enquanto pastor presbiteriano e presidente do Copic, José Leite foi
quem inicialmente propôs, em 2002, um documento deste género.
“Deixei uma primeira proposta no Copic
em 2006, que seguia de perto o reconhecimento que já existia em outros países”,
acrescenta. Antes, José Leite tinha ficado responsável por apresentar os pontos
necessários para debater o assunto. “Fui ver o que se passava em países latinos
como Itália, França ou Brasil, onde já havia o reconhecimento mútuo do
baptismo. Antes de deixar o Copic, escrevi uma proposta.”
Ao ter sabido da notícia da assinatura,
José Leite reagiu com entusiasmo: “Os episódios de recusa estavam, em larga
maioria, ultrapassados já em 2006. Hoje não há nada de especial que embarace as
nossas Igrejas em relação a este tema.”
No sábado, José Leite estará em Lisboa,
na catedral lusitana de São Paulo (às Janelas Verdes), a partir das 18h,
juntamente com outros dois ex-responsáveis de igrejas protestantes que também
participaram no processo: os bispos Fernando Soares (Igreja Lusitana) e Irineu
Cunha (Igreja Metodista).
A cerimónia de sábado marca o fim de um
caminho e o início de uma nova fase, acrescenta o bispo D. Jorge Pina Cabral
que assinará o documento em nome da Igreja Lusitana Católica Apostólica
Evangélica (que integra a Comunhão Anglicana). Jorge Pina Cabral, que tomou posse como bispo da Igreja Lusitana em Abril do ano passado, acrescenta que este acontecimento “abre
e responsabiliza as diferentes igrejas envolvidas quanto ao seu futuro conjunto:
reconhecemos este fundamento, temos de o aprofundar.”
Sandra Reis é quem assinará a
declaração em nome da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal. Pastora na zona
da Figueira da Foz, diz que está a recolher os frutos do trabalho de outros:
“Cresci com o pastor José Leite e sei que ele esteve neste processo. Já há
muito que esperávamos por este momento.”
Tornar
visível a unidade
A pastora Sandra acrescenta, sobre o significado
do gesto de sábado: “Trata-se de um passo que torna visível a unidade que
dizemos ter em Cristo. Falamos muito da unidade e do amor, mas muitas vezes
andamos de costas voltadas uns com os outros. Agora, reconhecemos a importância
uns dos outros, o que nos separa e o que nos une.”
José Leite também diz que o ecumenismo
deve ser “a visibilidade da unidade”. E “é triste” que ele fique reduzido à
Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que termina precisamente no próximo
sábado. No final de Dezembro, no encontro de jovens promovido pela comunidade
de Taizé em Estrasburgo (França), o tema da visibilidade do diálogo ecuménico e
da unidade entre cristãos foi uma das notas dominantes nas meditações do irmão Aloïs.
E já a propósito desta semana da
unidade, o prior de Taizé escreveu um artigo onde desafia os cristãos a repensar
em conjunto o papel do bispo de Roma no serviço à comunhão entre todos.
Já esta semana, o Papa Francisco
considerou um “escândalo” as divisões entre os cristãos, apelando à valorização das diferentes
tradições e realidades eclesiais.
Borges de Pinho, professor na Faculdade
de Teologia da Universidade Católica, que se tem dedicado à investigação sobre
as questões do diálogo ecuménico, considerou já que o acontecimento de sábado é
um “pequeno” sinal que pede novos gestos.
O pastor José Leite diz que outros
temas como a intercomunhão (a possibilidade de católicos comungarem em
celebrações protestantes e vice-versa) estão mais longe de serem objecto de
aceitação comum. “Em 1972, participei numa reunião internacional e jovens, em
Lausanne, onde o tema era a intercomunhão. Hoje, ele continua a ser um ponto
debatido, longe de uma proposta que todos possam aceitar”, reconhece.
Jorge Pina Cabral pensa que a definição
de novos “objectivos ou conquistas” não é o mais importante. “Os novos passos
dependem de Deus e do movimento ecuménico a nível mundial. O que é mais
importante, neste momento, é dar consistência à relação ecuménica.” Isso pode
passar, exemplifica, pela constituição de um conselho de igrejas ecuménicas em
Portugal, que reúna não só a Igreja Católica e as igrejas-membro do Copic, mas
também outras como as Ortodoxas, a Evangélica Alemã e as capelanias inglesas.
Aprender
uns com os outros
Sandra Reis diz que é “fundamental”
continuar no caminho que o gesto de sábado vem confirmar. “Pode ser um abanão
que nos leve a crescer no diálogo, quer através das relações pessoais quer das
institucionais e hierárquicas.”
Sobre modos concretos como isso se pode
traduzir, exemplifica: “Devemos aprender uns com os outros. Eu própria já usei
materiais da Igreja Católica em campos de jovens. E há grandes teólogos sobre
os quais não pensamos se são católicos ou protestantes, mas se são grandes teólogos.”
Na cerimónia de sábado, os outros
signatários são o patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal
Portuguesa, Manuel Clemente (em nome da Igreja Católica), o bispo Sifredo
Teixeira, da Igreja Evangélica Metodista Portuguesa, e o arquimandrita Philip Jagnisz, vigário para Portugal e
Galiza do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, da Igreja Ortodoxa.
A assinatura deste documento tem uma
outra pré-história: depois da multiplicidade de iniciativas que se sucederam após
o Concílio Vaticano II, essa onda de entusiasmo sem precedentes no diálogo
ecuménico entrou num período de arrefecimento que, em Portugal, foi
descongelado no início de 1992. Na sequência do V Encontro Ecuménico Europeu,
que decorreu em Santiago de Compostela em Novembro de 1991, os participantes
portugueses responderam a algumas perguntas dos jornalistas sobre a sequência a
dar ao encontro.
António Monteiro, então bispo de Viseu
e presidente da CEDF, prometeu que iria convidar os seus pares para uma reunião
– que se realizaria em Janeiro seguinte. Foi esse encontro que deu início aos
contactos institucionais entre a Conferência Episcopal Portuguesa e a direcção
do Copic.
(Sobre a cerimónia de sábado, pode ainda ler-se aqui mais informação.)
Catedral lusitana de São Paulo, em Lisboa, onde decorrerá a cerimónia de sábado (foto reproduzida daqui)
É
o seguinte o texto integral do documento que será assinado:
Reconhecimento Mútuo do
Sacramento do Batismo
A IGREJA CATÓLICA ROMANA, a IGREJA
LUSITANA CATÓLICA APOSTÓLICA EVANGÉLICA, a IGREJA EVANGÉLICA METODISTA
PORTUGUESA, a IGREJA EVANGÉLICA PRESBITERIANA DE PORTUGAL e a IGREJA ORTODOXA
DO PATRIARCADO DE CONSTANTINOPLA, conscientes da concordância que entre elas já
existe sobre os pontos fundamentais de doutrina e prática batismal e
constatando que, na prática, já aceitam tacitamente o reconhecimento mútuo da
validade do sacramento do Batismo tal como é administrado nas suas Igrejas,
decidem:
Reconhecer mutuamente a validade do
Batismo nelas administrado e tornar público este reconhecimento
e, em conjunto, declaram:
1. Aceitar que o Batismo nelas
administrado foi instituído por nosso Senhor Jesus Cristo e é,
fundamentalmente, uma dádiva gratuita de Deus ao batizando, vinculando-o com a
morte e ressurreição de Cristo (Rm 6,3-6), para o perdão dos pecados e para uma
vida nova;
2. Ensinar que o Espírito Santo desceu
sobre Jesus no seu Batismo e desce também hoje sobre a Igreja, tornando-a
comunidade do Espírito Santo que, em testemunho, serviço e comunhão, proclama o
seu reino;
3. Aceitar o Batismo como vínculo
básico da unidade que nos é dada pela fé no mesmo Senhor;
4. Aceitar o Batismo como processo da
nossa consagração para a edificação do Corpo de Cristo, tendo em vista o nosso
crescimento «até que cheguemos à unidade da fé e à medida da estatura da
plenitude de Cristo» (Ef 4,13);
5. Administrar o Batismo com água e em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, para a remissão dos pecados, de
acordo com a intenção e o mandamento de Cristo (Mt 28,18-20);
6. Excluir a possibilidade do rebatismo
nos casos de passagem de membros de uma Igreja para outra;
7. Aceitar como válidos os certificados
de Batismo emitidos pelas nossas respetivas Igrejas;
8. Esperar que este reconhecimento
constitua um passo em frente no caminho da unidade visível do único Corpo de
Cristo «para que o mundo creia» (Jo 17,21) e contribua para uma maior comunhão
entre todos os batizados.
Lisboa, Catedral Lusitana de S. Paulo,
25 de Janeiro de 2014
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