domingo, 26 de janeiro de 2014

Reconhecimento mútuo do baptismo: um passo em frente na unidade dos cristãos

O canto que irrompeu no momento da assinatura traduzia o sentimento das centenas de pessoas que lotaram, no final desta tarde de sábado, a catedral lusitana de São Paulo, em Lisboa: Jubilate Deo, jubilate Deo, alleluia (alegrai-vos em Deus, aleluia). Cinco responsáveis, em nome de outras tantas igrejas cristãs – Católica, Lusitana/Anglicana, Metodista, Presbiteriana e,  Ortodoxa (Patriarcado de Constantinopla) – assinaram a declaração de reconhecimento mútuo do baptismo.
A partir de agora, e segundo os oito pontos da declaração, estas igrejas passam a reconhecer como válido os respectivos certificados de baptismo, recusando a necessidade de um novo sacramento – o que já sucedia na maior parte dos casos, mas que, a partir de agora, fica oficializado para situações como as de casamentos mistos ou de pessoas que decidem mudar de igreja. E esperam, de acordo com a declaração assinada, que esse reconhecimento “constitua um passo em frente no caminho da unidade visível” dos cristãos.
Na sua curta homilia, a propósito do texto da 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios que acabara de ser lido (1 Cor 1, 1-17), onde se pergunta “Estará Cristo dividido?”, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, disse que os cristãos estão unidos em “três pontos essenciais: a unidade de vocação, no chamamento à santidade; a unidade de pertença”, que há-de ajudar a ultrapassar a “tendência atávica” dos cristãos para a divisão; e a “unidade de acolhimento e relação”. E pediu: “Sejamos consequentes.”
A declaração do baptismo não é ainda a unidade plena na diversidade – de fora, fica a questão mais delicada da eucaristia comum; e de fora ficam, também, todas as comunidades ligadas à Aliança Evangélica Portuguesa, além de outras igrejas cristãs, minoritárias no país. Mas é um passo que pode contribuir “para uma maior comunhão entre todos os baptizados”, como se refere também no último ponto da declaração.
Esta celebração, que culminou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, iniciou-se pouco depois das 18h, com a participação de muitos jovens, marcados por um tempo em que as divisões aparecem cada vez mais como coisa do passado. Muitos deles estão já habituados a participar em iniciativas como o Fórum Ecuménico Jovem, ou nas propostas feitas por comunidades como Taizé, que reúne monges de diferentes proveniências.
Os cantos de Taizé marcaram, aliás, vários momentos da cerimónia. Mas o ponto alto foi quando os diferentes responsáveis se dirigiram para uma pequena mesa colocada junto do altar  para assinar a declaração: D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa, em nome da Igreja Católica; o bispo D. Jorge Pina Cabral, em representação da Igreja Lusitana (Comunhão Anglicana); o bispo Sifredo Teixeira, em nome da Igreja Metodista; e a pastora Sandra Reis, em nome da Igreja Presbiteriana. Por motivos de saúde, o arquimandrita Philip Jagnisz,vigário para Portugal e Galiza do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, da Igreja Ortodoxa, não pôde comparecer, mas estava representado na cerimónia pelo padre Alexandre Bonito.
Momento das assinaturas: o patriarca de Lisboa, Manuel Clemente

o bispo da Igreja Lusitana (Anglicana), Jorge Pina Cabral
o bispo da Igreja Metodista, Sifredo Teixeira


e a pastora Sandra Reis, da Igreja Presbiteriana
A cerimónia foi dividida em cinco partes: Reunimos em esperança e unidade; Escutamos a Palavra de Deus; Professamos e reconhecemos o mesmo Baptismo; Respondemos com fé, em unidade; e Saímos para o mundo. Em cada uma delas, os diferentes textos ou orações foram introduzidos por responsáveis das diferentes igrejas.
No início, evocou-se o Canadá, país onde foram redigidos os textos da Semana da Unidade de 2014. “Um país marcado pela diversidade da língua, da cultura e mesmo do clima”, que incarna “essa diversidade nas suas expressões da fé cristã”. No idioma de um dos primeiros povos do país, os iroquois, a palavra “Canadá”, foi ainda explicado, significa “aldeia”. “Como membros da casa de Deus, os cristãos do mundo inteiro vivem realmente numa aldeia.”
Também inspirados na forma de rezar dos povos indígenas do Canadá, que olham para os diferentes pontos cardeais, os participantes começaram por acolher os dons do leste, onde nasce o sol (paz, sabedoria e conhecimento), do sul (calor, ensinamento e diversidade cultural), do oeste (chuva, águas purificadoras e sustento aos seres vivos), norte (frio, vento, força e resistência) e da terra. Escutaram depois um trecho do livro de Isaías (Is 57, 14-19): “Abri, abri caminho; aplanai-o. Tirai todos os tropeços do caminho do meu povo!”; cantaram um Salmo (Sl 37, 5-11): “Feliz aquele que confia no deus de Jacob.”; escutaram o texto já referido da Carta aos Coríntios e, finalmente, um outro do evangelho segundo São Marcos (Mc 9, 33-41): “Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último e o servo de todos.” 
Depois da recitação do credo e da leitura e assinatura da declaração comum sobre o baptismo, fez-se um momento de preces: pelos que padecem a pobreza e a fome; pelos que lutam por um ensino universal; pelos que lutam pela igualdade de dignidade e de direitos entre homem e mulher; pelos que lutam para melhorar a saúde infantil; pelas mulheres grávidas e pela saúde materna; pelos que combatem a sisa, o paludismo e outras doenças; pelos que sofrem as consequências de uma má salvaguarda da criação;  e pelos que praticam a solidariedade internacional e a fraternidade entre os povos. A cerimónia terminou, depois da troca de um gesto de paz, com um compromisso pela unidade.  
Duas notas finais à margem: a presença de várias pastoras evidenciaram a naturalidade com que muitos cristãos já vivem o ministério das mulheres no serviço à comunidade; e a simplicidade das vestes litúrgicas de todos/as os/as responsáveis – a maior parte deles/as trajando de branco e quase não se distinguindo a respectiva origem eclesial, como que contribuindo para uma imagem de unidade própria do momento.

4 comentários:

Maria da Conceição Moita disse...

Muito comovente e significativo. Alegro-me.

Lucy disse...

Agradeço muito a reportagem, as fotos e os vídeos. Gostava muito de ter podido ir e assim fiquei mais "consolada"!

Micaela Mateus Rocha disse...

Fico feliz por mais uma tentativa de Ecumenismo. ´E um bom princ´ipio, visto que o Baptismo ´e o in´icio da vida crist˜a, como sinal que perdura!

Unknown disse...

Viva!

Deixo os meus parabéns ao António Marujo pela dedicação e excelente cobertura que fez da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, em particular a assinatura do reconhecimento mútuo do baptismo por 5 das igrejas cristãs e as implicações práticas destes acontecimentos.
Que cada cristão faça a sua parte e não esteja só à espera que as hierarquias avancem.

Abraço e continuação de um excelente trabalho

Sérgio Almeida