Para
que a Igreja se torne sempre mais um “lugar de acolhimento e de comunhão, não
será tempo de dar novos passos concretos de reconciliação entre os cristãos
separados?” A pergunta é do irmão Aloïs, de Taizé, numa das
meditações feitas durante o 36º encontro europeu de jovens, que decorreu em
Estrasburgo (França), entre 28 de Dezembro e 1 de Janeiro.
O
tema da reconciliação entre os cristãos foi uma das notas dominantes dessas
meditações de final da tarde (cujos textos integrais podem ser lidos aqui): “Os cristãos reconciliados fazem ouvir a voz do Evangelho
com uma muito maior claridade, num mundo que precisa de confiança para preparar
um futuro de justiça e de paz”, afirmou o prior de Taizé, que sucedeu ao irmão
Roger.
Como
habitualmente nestes encontros, os jovens reuniam-se três vezes por dia para
rezar: de manhã nas paróquias da região francesa da Alsácia
e da diocese alemã de Friburgo, ali vizinha; à tarde e noite, na espantosa
catedral da cidade, na Igreja de São Paulo e em três pavilhões da feira de
exposições.
Na
tarde de dia 30, o irmão Aloïs ousou mesmo propor o que se poderia chamar de
ecumenismo de relação: “Actualmente, arriscamo-nos a ficar parados na simples
tolerância. Mas Cristo quer juntar-nos num único corpo. Por isso, gostaria de
encontrar as palavras certas para pedir aos cristãos das diferentes Igrejas:
não haverá um momento em que será preciso ter a coragem de nos juntarmos todos
sob o mesmo tecto, sem esperar que todas as formulações teológicas estejam
completamente harmonizadas?”
Na conferência de imprensa de
balanço do encontro, na tarde de dia 30, o prior de Taizé insistiria na mesma
ideia, utilizando outras palavras: “Sente-se hoje uma fadiga no ecumenismo” e os pioneiros do diálogo
ecuménico perguntam-se “onde está a próxima geração” que leve por diante essa
tarefa. E acrescentou: “Estamos sempre a dizer que há mais coisas a unir-nos
que a separar-nos. Mas não damos visibilidade a isso. A grande questão é como
dar visibilidade ao que nos une.”
Na meditação de dia
30, acrescentaria: “Não será possível exprimir a
nossa unidade em Cristo (que, por sua parte, não está dividido), sabendo que as
diferenças que permanecem na expressão da fé não nos dividem? Haverá sempre
diferenças: algumas serão assunto normal de discussão; outras poderão mesmo ser
enriquecedoras. Façamos com os
cristãos de outras confissões tudo o que é possível fazermos juntos. Não
façamos mais nada sem ter em conta os outros.”
A
comunidade de Taizé, criada no final da II Guerra Mundial por Roger Schutz, então um jovem pastor
calvinista, propõe, para este itinerário, dois caminhos: “O primeiro: através
de uma oração simples, voltarmo-nos juntos para o Deus vivo. O segundo:
encontrarmo-nos em conjunto no serviço aos mais pobres. Então, verdadeiramente,
anunciaremos juntos o Evangelho!”
O
irmão Aloïs
sustenta que, “ao colocarmo-nos debaixo do mesmo tecto”, não se
deve ter medo de que a verdade do Evangelho fique diluída. E perguntava: “O
papa Francisco não nos indica a direcção ao apontar como prioridade para todos
o anúncio da misericórdia de Deus através das nossas vidas? Não percamos o
momento providencial que se apresenta para exprimir a comunhão visível de todos
os que amam Cristo.”
Esta comunhão
visível entre os cristãos, acrescentava ele na meditação da tarde de 31 de
Dezembro, “pode
apenas concretizar-se se colocarmos no centro da nossa vida o perdão e a
reconciliação”. E citava o exemplo da história recente da África do Sul e da
própria Europa: “Mesmo se o caminho para uma maior justiça é ainda longo,
Nelson Mandela, ao oferecer o perdão, tornou possível a cura de feridas que
tinham, mesmo assim, sido terríveis no passado do seu país. E aqui, em
Estrasburgo, nós recordamo-nos de que, no século passado, depois de guerras
destruidoras, algumas pessoas conseguiram conduzir a França e a Alemanha, e
depois toda a Europa, por um caminho de perdão e de reconciliação.”
“Sem
perdão não há futuro, nem na vida pessoal de cada um de nós nem nas relações
entre os países”, dizia o prior de Taizé. Trata-se de “recusar transmitir à
próxima geração os rancores e amarguras relacionados com as feridas da
história, por vezes ainda vivas”. Não para “esquecer um passado doloroso, mas
de interromper a cadeia que faz perdurar os ressentimentos e, assim, curar a
pouco e pouco a memória através do perdão”.
Esse
espírito de reconciliação, finalmente, tem consequências: ele “implica uma
partilha e uma repartição mais justas das riquezas da terra”. Seria mesmo “importante
que os jovens europeus não se satisfizessem com uma Europa reconciliada, mas
que construíssem uma Europa aberta e solidária: solidária entre todos os países
europeus, mas também com os outros continentes, com os povos mais pobres.
Na
primeira das meditações, no início da noite de 28 de Dezembro, o irmão Aloïs concretizava
algumas atitudes exigidas por essa solidariedade: “Há tantos desafios a enfrentar: o
desemprego, a precariedade, a separação entre ricos e pobres, no interior de
cada país e entre nações, e, relacionado com isto, a degradação do ambiente.
Muitos jovens aspiram a outra organização económica.”
Durante
o encontro, muitos jovens protagonizaram alguns momentos inéditos: na tarde de
domingo, na
Sinagoga da Paz, a segunda maior da Europa, após a de Budapeste, centenas de
jovens cristãos encheram o espaço de oração da comunidade judaica para ouvir o
rabi René Gutman, que classificou aquele momento de encontro como “histórico”, dizer
que Deus não pode prescindir nem dos cristãos nem dos judeus: “Não podemos
resolver os conflitos no mundo se não abrirmos os nossos corações às diferenças
que nos separam e às similitudes que nos aproximam.”
No dia seguinte,
outras centenas de participantes foram acolhidos na Grande Mesquita de
Estrasburgo, onde ouviram explicações sobre os símbolos e as palavras do
Alcorão que decoram o espaço de oração muçulmano da cidade.
Entre os encontros
e debates sobre temas sociais, artísticos, espirituais, económicos ou
religiosos, mais de mil participantes protagonizaram outro momento único:
sentaram-se no hemiciclo do Parlamento Europeu para debater as novas formas de
pobreza e as novas formas de solidariedade. É preciso que cada um e cada uma
descubra a partilha, de forma a não deixar ninguém à beira do caminho, disse
Karima Delli, eurodeputada do grupo Europa Ecologia Os Verdes. No final do
encontro, que contou com deputados dos diferentes grupos políticos, os jovens
protagonizaram outra situação inédita, fazendo ecoar no hemiciclo o canto de Laudate omnes gentes (Louvai o Senhor, todos os povos).
A
peregrinação de confiança proposta por Taizé continuará neste ano de 2014, com
encontros no Texas (Estados Unidos) e no México, em Abril e Maio. Em Outubro,
haverá encontros na República Dominicana, Haiti, Porto Rico e Cuba.
No
final do ano, entre 29 de Dezembro de 2014 e 2 de Janeiro de 2015, o encontro
europeu decorrerá em Praga. Este será uma possibilidade de fazer “rejuvenescer”
o cristianismo checo, afirmou o pastor Daniel Fajr, presidente do Conselho
Ecuménico das Igrejas na República Checa. Praga acolheu já, em 1990, o encontro
europeu de jovens, num momento em que o Leste europeu vivia o início da
abertura política depois da queda dos regimes comunistas. Num país fortemente
secularizado, a realização do encontro de Taizé pode, assim, ajudar a ver que
“a unidade é o amor”, como dizia o antigo presidente checo, Vaclav Havel.
Na
meditação de dia 29, dizia o irmão Aloïs: “A fé não é um sistema
que dá uma explicação para tudo. Deus não age apenas para responder às nossas
expectativas, nem nas nossas vidas nem no mundo. Então, em cada um de nós a
dúvida pode coabitar com a fé. Talvez mesmo, com o tempo, nos tornemos mais
sensíveis à incompreensibilidade de Deus. Que isso não nos meta medo!”
(para
ver os registos vídeo das orações do encontro de Estrasburgo, pode abrir-se esta ligação; foto reproduzida daqui)
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