domingo, 2 de fevereiro de 2014

Há beleza no entardecer; Mandela; e o baptismo

Crónicas

No seu comentário à liturgia católica deste domingo, sob o título "Há beleza no entardecer", Vítor Gonçalves escreve, na Voz da Verdade:
Simeão e Ana experimentaram a alegria do encontro com Jesus porque acolheram o Espírito Santo. Não se fecharam no lamento ou na amargura, mas confiaram na esperança. E essa intimidade com Deus certamente começou muito antes da velhice. Trata-se de viver na fé e olhar com os olhos de Deus o que nos rodeia. Com generosidade e criatividade, em pequenas redes de vizinhança e proximidade, muitos isolamentos acabariam. Quantos “Simeões e Anas” esperam um encontro luminoso que paróquias, movimentos, famílias, amigos, poderíamos desencadear? E com que beleza queremos pintar o nosso entardecer?

Anselmo Borges regressa à personalidade de Nelson Mandela, na sua crónica do DN de sábado, para escrever, acerca do perdão:
Mandela era cristão. Por isso, sabia que se deve perdoar aos inimigos. Pelo Evangelho, também sabia que os romanos enquanto potência de ocupação podiam obrigar um judeu a transportar a bagagem na distância de uma milha, sendo neste contexto que se percebe o que Jesus diz: "Faz uma segunda milha de livre vontade." Talvez o romano começasse a conversar, e quem sabe se não acabariam por beber um copo juntos? A reconciliação, a solução pacífica dos conflitos é preferível à violência e à guerra. E Jesus, do alto da cruz, rezou: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem."
De qualquer modo, o perdão é um milagre, também em política. Jürgen Habermas, agnóstico, talvez o maior filósofo vivo, que quereria uma filosofia que herdasse, num processo de secularização mediante a razão comunicativa, os conteúdos semânticos da religião e a sua força, reconheceu que há um resto na religião não herdável pela simples razão. Disse-o num discurso famoso, por ocasião da recepção do prémio da paz dos livreiros alemães e já depois dos acontecimentos trágicos do 11 de Setembro de 2001. Esse resto tem que ver nomeadamente com o drama do perdão.

Na coluna deste domingo no Público, frei bento Domingues escreve, sob o título “Código genético (1)”:
Quando se diz que a Igreja não é uma democracia continua-se a pensar na pirâmide, esquecendo que os seus membros, homens e mulheres, renascidos de um só baptismo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, formam uma vasta comunhão de fraternidades de profetas e sacerdotes do povo cristão ao serviço da humanidade inteira, na sua unidade plural.
A Igreja cristã não vive num vazio sociocultural e político. Não pode viver num gueto. Embora deva manter um distanciamento crítico em relação às estruturas socio-políticas – não são o Reino de Deus realizado –, mas uma gestão democrática do seu governo será sempre preferível, em qualquer circunstância, a um regime autoritário. Do código genético baptismal, não constam os genes de ditadura na Igreja.

Este texto retoma questões que já tinham sido afloradas na semana passada, na crónica “Não enterrar o baptismo”:
De adultos ou de crianças, o baptismo é para refazer a vida toda. O ser humano não é de uma peça só e de uma só vez. Vai sendo e nunca de forma linear. A sua morada não é o passado, não é o presente. É a esperança, é o futuro. Sem ele, é o suicídio. Não vale a pena idealizar a infância, a adolescência, a idade adulta ou a da reforma. Se há tanta literatura sobre todas estas idades, é porque nenhuma delas é um paraíso. Por razões diversas, quase ninguém está contente com a idade que tem, mas vivemos num tempo em que é difícil ter crianças e ocupar-se dos idosos. Os desempregados não sabem de que terra são: de mendigar têm vergonha e já não têm condições nem de imigrar nem de ficar. O que é próprio do Baptismo cristão é não se conformar com o mundo como está. A sua natureza é pascal, é passagem, não é resignação.
Celebrar a data do Baptismo para um renovado encontro com a Fonte e com a Luz, para não esquecermos de onde vimos e para onde vamos.


Sem comentários: