Crónicas
No
seu comentário à liturgia católica deste domingo, sob o título "Há beleza no entardecer", Vítor Gonçalves escreve, na
Voz da Verdade:
Simeão
e Ana experimentaram a alegria do encontro com Jesus porque acolheram o
Espírito Santo. Não se fecharam no lamento ou na amargura, mas confiaram na
esperança. E essa intimidade com Deus certamente começou muito antes da
velhice. Trata-se de viver na fé e olhar com os olhos de Deus o que nos rodeia.
Com generosidade e criatividade, em pequenas redes de vizinhança e proximidade,
muitos isolamentos acabariam. Quantos “Simeões e Anas” esperam um encontro
luminoso que paróquias, movimentos, famílias, amigos, poderíamos desencadear? E
com que beleza queremos pintar o nosso entardecer?
Anselmo
Borges regressa à personalidade de Nelson Mandela, na sua crónica do DN de sábado,
para escrever, acerca do perdão:
Mandela
era cristão. Por isso, sabia que se deve perdoar aos inimigos. Pelo Evangelho,
também sabia que os romanos enquanto potência de ocupação podiam obrigar um
judeu a transportar a bagagem na distância de uma milha, sendo neste contexto
que se percebe o que Jesus diz: "Faz uma segunda milha de livre
vontade." Talvez o romano começasse a conversar, e quem sabe se não
acabariam por beber um copo juntos? A reconciliação, a solução pacífica dos
conflitos é preferível à violência e à guerra. E Jesus, do alto da cruz, rezou:
"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem."
De
qualquer modo, o perdão é um milagre, também em política. Jürgen Habermas,
agnóstico, talvez o maior filósofo vivo, que quereria uma filosofia que
herdasse, num processo de secularização mediante a razão comunicativa, os
conteúdos semânticos da religião e a sua força, reconheceu que há um resto na
religião não herdável pela simples razão. Disse-o num discurso famoso, por
ocasião da recepção do prémio da paz dos livreiros alemães e já depois dos
acontecimentos trágicos do 11 de Setembro de 2001. Esse resto tem que ver
nomeadamente com o drama do perdão.
Na
coluna deste domingo no Público, frei bento Domingues escreve, sob o título “Código
genético (1)”:
Quando
se diz que a Igreja não é uma democracia continua-se a pensar na pirâmide,
esquecendo que os seus membros, homens e mulheres, renascidos de um só
baptismo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, formam uma vasta
comunhão de fraternidades de profetas e sacerdotes do povo cristão ao serviço
da humanidade inteira, na sua unidade plural.
A
Igreja cristã não vive num vazio sociocultural e político. Não pode viver num
gueto. Embora deva manter um distanciamento crítico em relação às estruturas
socio-políticas – não são o Reino de Deus realizado –, mas uma gestão
democrática do seu governo será sempre preferível, em qualquer circunstância, a
um regime autoritário. Do código genético baptismal, não constam os genes de
ditadura na Igreja.
Este
texto retoma questões que já tinham sido afloradas na semana passada, na crónica
“Não enterrar o baptismo”:
De
adultos ou de crianças, o baptismo é para refazer a vida toda. O ser humano não
é de uma peça só e de uma só vez. Vai sendo e nunca de forma linear. A sua
morada não é o passado, não é o presente. É a esperança, é o futuro. Sem ele, é
o suicídio. Não vale a pena idealizar a infância, a adolescência, a idade
adulta ou a da reforma. Se há tanta literatura sobre todas estas idades, é
porque nenhuma delas é um paraíso. Por razões diversas, quase ninguém está
contente com a idade que tem, mas vivemos num tempo em que é difícil ter
crianças e ocupar-se dos idosos. Os desempregados não sabem de que terra são:
de mendigar têm vergonha e já não têm condições nem de imigrar nem de ficar. O
que é próprio do Baptismo cristão é não se conformar com o mundo como está. A
sua natureza é pascal, é passagem, não é resignação.
Celebrar
a data do Baptismo para um renovado encontro com a Fonte e com a Luz, para não
esquecermos de onde vimos e para onde vamos.
Sem comentários:
Enviar um comentário