sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Padres de Aveiro tentaram evitar saída de D. António Francisco para o Porto

Novo bispo substitui D. Manuel Clemente após nove meses de espera; 
processo levantou muitas críticas em Aveiro, Porto e Lamego


D. António Francisco dos Santos, novo bispo do Porto (foto reproduzida daqui)

Um grupo de quatro padres da diocese de Aveiro tentou ontem, numa iniciativa de última hora, evitar a saída do actual bispo da diocese para o Porto. Sem sucesso: D. António Francisco foi nomeado esta manhã como sucessor de D. Manuel Clemente, nove meses depois da saída deste último para patriarca de Lisboa.
A informação, confirmada por RELIGIONLINE junto de várias fontes, não mereceu, até agora, qualquer comentário da Nunciatura do Vaticano em Lisboa, apesar do pedido de esclarecimentos feito ao final da manhã de hoje.
A reunião de ontem decorreu de forma cordata, tanto quanto foi possível apurar. Mas o núncio, o arcebispo italiano Rino Passigato, terá insistido com os quatro padres na irreversibilidade da decisão. O argumento invocado foi o da obediência ao Papa – embora a decisão seja, essencialmente, tomada pelo próprio representante diplomático da Santa Sé no país.
O padre João Gonçalves, da diocese de Aveiro, disse ao RELIGIONLINE que o sentimento de “mágoa” da diocese é “muito profundo”: D. António Francisco “está cá há muito pouco tempo [desde 2006] e, em poucos meses, temos uma segunda perda, depois da morte de D. António Marcelino”, em Outubro, lamenta.
João Gonçalves, responsável nacional pelas capelanias prisionais, acrescenta que, quando alguém é nomeado como bispo residencial de uma diocese, “há quase um matrimónio”. Por isso, ir buscar o bispo residencial de Aveiro para o Porto “começa por ser algo de estranho”. Mas o pior é que, entre o clero da diocese, o sentimento de perda, diz, “é indescritível: é a transferência de um pai”, conhecidas que são as qualidades humanas de D. António Francisco, na relação com as pessoas.
“A diocese de Aveiro não foi ouvida. E, se é verdade ter sido invocado o argumento da obediência, esse devia ser o último recurso, porque se deveria privilegiar o diálogo com a pessoa”, acrescenta.

“O que há de pior na Igreja”

O processo de escolha de um bispo começa normalmente por pedir a membros do clero que apresentem sugestões de nomes. Dessas sugestões (e das próprias ideias do núncio ou de outros bispos), são retirados três nomes – a terna –, que depois são enviados para Roma, já com as indicações do núncio do respectivo país. Pode haver casos em que há necessidade de uma segunda ou mesmo terceira lista, mas tudo é feito no maior secretismo, com juramentos das pessoas auscultadas, que podem ser excomungadas caso violem o segredo.
Este longo processo para a nomeação do novo bispo do Porto deixa, entretanto, marcas negativas em três dioceses: Aveiro, que fica sem o seu bispo; o Porto que, apesar de ser a mais populosa diocese do país, já desesperava pela nomeação; e Lamego, pois o nome que corria com mais insistência como provável para o Porto era o de D. António Couto, actual titular de Lamego.
“Pode haver razões para manter esta forma de nomear os bispos, mas exigem-se cada vez mais mudanças na metodologia usada”, defende o padre Rui Osório, pároco da Foz do Douro e cónego da Sé do Porto, que foi muito crítico da atitude da Nunciatura no processo.
“Se o processo fosse mais participado, os bispos, que são os garantes da sinodalidade, estariam mais sustentados no seu próprio lugar”, diz ao RELIGIONLINE.
O padre João Gonçalves comunga da mesma crítica: “Se houvesse mais pessoas auscultadas, as decisões seriam mais assumidas por todos. E ao dizermos que a Igreja é povo de Deus, isso tem de significar que o povo de Deus tem de ser escutado, para as pessoas se sentirem coresponsabilizadas.”
Licínio Cardoso, outro padre da diocese de Aveiro, foi também muito crítico da atitude da Nunciatura e do próprio processo, na sua página no Facebook: “Eis o sinal claro e evidente daquilo que de pior há na Igreja: o secretismo na nomeação dos bispos, a exclusão do povo de Deus na escolha do seu pastor. A ida de D. António Francisco para o Porto é a expressão mais visível da incompetência do núncio e de que é uma figura que está a mais na orgânica da Igreja. Um ano para escolher um bispo para o Porto!”

“Merecemos consideração”

Na diocese do Porto, as razões do profundo mal-estar prendem-se com a prolongada espera pela nomeação do novo bispo. Rui Osório, que também é jornalista, escreveu no Jornal de Notícias, em Janeiro, um texto muito crítico para com a Nunciatura do Vaticano em Lisboa: “Se  quiséssemos, até poderíamos, na Igreja Portucalense, fazer-nos de vítimas ou, como o Calimero, queixar-nos que já ninguém gosta de nós (‘é uma injustiça, pois é’ e ‘abusam porque sou pequenino’), especialmente a Nunciatura, supondo que a diplomacia do Vaticano tem responsabilidades em gerir com eficiência a nomeação do novo bispo do Porto.”
Rui Osório acrescentava: “Mesmo sem vitimização, já está a causar apreensão a lentidão do processo, num tempo em que o Papa Francisco tem imprimido à Igreja uma estimulante frescura renovadora.”
Num outro texto publicado no Facebook, Rui Osório tomava as notícias dos últimos dias, que apontavam o bispo de Lamego como novo responsável da diocese do Porto. E criticava ainda a representação diplomática do Vaticano em Lisboa, escrevendo: “Já dois diários adiantaram que o novo bispo será D. António Couto, que, para tomar posse, está à espera de restabelecer a sua saúde. Até o estado clínico vem a público! Entretanto, lamentavelmente, a Nunciatura, a quem cabe muita responsabilidade, fecha-se em copas e não torna oficial a informação, sendo cúmplice da informação posta a correr, sem sabermos se é ou não verdadeira. A Igreja tem dificuldade em aprender a lógica da Imprensa! Compreenda, ao menos e respeite, o Povo de Deus da diocese do Porto. Merecemos consideração.”
Este texto de Rui Osório foi pretexto para uma manifestação de solidariedade de João Aguiar Campos, presidente da administração da Rádio Renascença e director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, da Igreja Católica: “Quando se dilatam tanto as indecisões, qualquer decisão já é imperfeita. Percebo e partilho a dor/espanto das pessoas e da igreja local”, escrevia este responsável, num comentário ao texto de Rui Osório.
Mas nem só as dioceses de Aveiro e Porto saem feridas deste processo. Ao ter aparecido o nome de António Couto como provável sucessor, também a diocese de Lamego saiu chamuscada. Rui Vasconcelos, da Livraria Fundamentos, também criticou o facto, num dos comentários ao texto de Rui Osório no Facebook, dizendo que sofrem os católicos do Porto e de Lamego, “com a desestabilização que este tipo de ‘notícias’ provoca”. E acrescentava: “Sem entrar nas questões eclesiológicas da famosa ‘dança’ de bispos (de que a Igreja do Porto foi, parece-me, ‘vítima’), muitas vezes são as dioceses mais pequenas e interiores que sofrem no seu cuidado pastoral”. E o padre Rui Osório respondia: “Sim, é verdade, também a diocese de Lamego merece consideração e respeito. A ‘dança’ dos bispos, algumas vezes, é pouco clara. Lamentavelmente.”
Um padre da diocese de Lamego confirma esta situação: “O facto de D. António Couto estar doente e se falar dele para o Porto criou expectativas de mudança e retardou a actividade pastoral.”

Crise financeira, clero envelhecido, pouca democracia

Na mensagem que escreveu à diocese do PortoD. António Francisco diz que pede “compreensão” à diocese de onde sai, por ter aceite o serviço para o qual agora foi escolhido. Mas acrescenta: “Aveiro sabe como sempre aqui me senti feliz como bispo e como é grande a dor da separação.” Na mensagem que enviou à diocese que agora deixaAntónio Francisco acrescenta: “De todos os lugares fiz minha terra até ao fim. De todas as pessoas sempre me senti irmão. Em todos os lugares onde vivi e nos diferentes múnus que a Igreja me confiou eram previsíveis as mudanças. Menos aqui! Aveiro era para mim lugar, desígnio e missão até ao fim. Nunca aqui fui estranho nem me senti estrangeiro. Mas, hoje, compreendo, melhor do que nunca, que também aqui era simplesmente peregrino. Só Deus basta e só Cristo permanece.”
No Porto, o novo bispo vai encontrar uma tarefa nada fácil, como refere Rui Osório: uma diocese com uma “grave crise financeira”, um clero “escasso e envelhecido” e uma estrutura “pouco democrática e participativa, onde ainda falta a corresponsabilização eclesial”. 
Sendo a maior diocese do país em termos de população (dois milhões 114 mil habitantes), com uma superfície de três mil quilómetros quadrados, a diocese conta com 492 padres diocesanos e outros 920 membros do clero regular (ordens e congregações religiosas).

António Francisco dos Santos é natural do concelho de Cinfães (diocese de Lamego) e é padre desde Dezembro de 1972. Estudou em Lamego e em Paris e, em Dezembro de 2004, foi nomeado bispo auxiliar de Braga, onde esteve ano e meio, antes de ser escolhido como titular da diocese de Aveiro. É actualmente membro do conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa.

1 comentário:

Reinaldo ferreira disse...

E depois admiram-se que @s fiéis « emigrem » p/ outras terras , isto é , que « abando-nem » a Igreja ! Como dizia o citado António Couto há algum tempo atrás , saem « e ninguém dá pela s/ ausencia » Onde estarão os bons pastores que , como dizia Jesus deixam as 99 ovelhas no redil e vão à busca da que anda fóra ?