quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Contra certos factos, há argumentos!

Crónica



Num tempo que cruza a rapidez necessária com a precipitação a evitar, constrói-se uma semântica dominante. E assim se confunde o argumento com a proposição, a argumentação com a demonstração. Parte-se para a demonstração sem o cuidado dos argumentos. Argumenta-se como quem demonstra. (...) Há que assumir, claro, a regra e as leis inquestionáveis, porque absolutamente demonstráveis e provadas. Quem não come, morrerá de fome. Mas como quantificar o sofrimento de quem experimenta a fome. Com que tabela se quantifica a dignidade humana? E o amor? A felicidade? A beleza? É nesta janela de ambiguidades que sobrevivem ou são esquecidos os valores sem preço, desenhados no aprofundamento da ética. Como o invisível não é quantificável diante do visível, assim os argumentos humanos não são automaticamente aplicáveis num padrão financeiro. Por isso – fazendo eco das palavras do papa Bergoglio –, sem a adequada ética, refém de uma lógica meramente capitalista e desumana, “esta economia mata”!

O mesmo se aplica às religiões. O Princípio é da demonstração e não da argumentação sujeita às múltiplas variáveis das relações e emoções reais. Assim, se a força motriz da fé é a dúvida, capaz de construir convicções, um dogma elevado à categoria de Princípio pode ser um contra-senso, porque no campo da interpretação é contra argumentável.

Num tempo em que tudo se debate, tudo se questiona, como assumir a dinâmica de uma Verdade - que se quer infalível -, numa plataforma global e plural de verdades, conceitos e preconceitos discutíveis - que redefinem padrões e resgatam mistérios? E, já agora, como redesenhar o acolhimento na diversidade? Como lidar com a diversidade ampliada mediaticamente?

Não sabemos que trilho percorrerão as religiões na saída deste labirinto, mas as últimas décadas indicam possibilidades nunca antes percorridas.
(texto publicado na SIC Notícias, que pode ler na íntegra aqui)




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