Nos dias que correm, escasseia o tempo para a busca dessa luz interior. Não se pode dizer, genericamente falando, que seja “produto” que valha por aí além, no mercado dos valores dominantes. A “racionalidade instrumental” faz muita gente virar-se para outros lados tidos por prioritários.
A ânsia de vencer leva, hoje, a que se exerça fortíssima pressão, por parte de muitos pais, no sentido de antecipar o mais possível a aprendizagem das letras, dos números e das línguas e a investir até quase ao limite na sobre-ocupação do tempo das crianças – para que estejam ocupadas e para que se equipem com as ferramentas que favorecem o sucesso. É preciso (na maioria dos casos) ir por essa via para assegurar aquela média de génio que assegura entrar naquele curso que conta na bolsa dos valores simbólicos. A vida passa-se assim a esgaçar os dias, a trabalhar para a vitória, ainda que à revelia dos outros, se não à custa dos outros. E não se tem tempo para ser criança, para descobrir o mundo, para a traquinice ou até o erro. Não se tem tempo para viver, porque o tempo é para vencer.
O que está aqui em causa não é a estafada questão que opõe, entre nós, os que colocam o acento no ensino e nos conteúdos versus os que enfatizam a aprendizagem e os processos. Não é tão-pouco uma oposição de princípio a aprendizagens que podem valorizar os percursos individuais dos mais pequenos. É algo bem mais básico e essencial: é, ao fim e ao cabo, perguntarmo-nos em que medida essa cavalgada incessante não será também, e sobretudo, um sintoma: o de uma formação unidimensional.
Se escasseia o tempo para estarmos uns com os outros, para deixar fermentar e dar sentido às perguntas, descobertas e inquietações que as experiências e encontros nos trazem, como formar essa “visão interior” – essa espiritualidade, palavra puída que urge reinventar – que proporciona a “alfabetização” para ver o essencial?
É do tempo necessário à respiração que falo.
[Pagina 1, 09.3.09]
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