quarta-feira, 11 de março de 2009

Um caso chocante nas terras de D. Helder Câmara

Já faz hoje oito dias, mas as sequelas continuam. Uma menina de nove anos, queixa-se de dores de barriga e é internada numa clínica. Descobre-se que está grávida de gémeos. O padrasto confessa ter abusado dela sexualmente e é considerado o pai das crianças. Os médicos, argumentando com o risco de vida da menina, decidem provocar o aborto, previsto na lei brasileira para este tipo de situações.
O arcebispo de Olinda e Recife, mal soube do caso, não hesitou: excomunhão para todos os envolvidos no aborto, desde logo os médicos e também a mãe. O confessado autor do estupro não sofre qualquer sanção canónica.
O caso desencadeia polémica nacional, com o presidente Lula, católico confesso, a demarcar-se da posição da Igreja e o arcebispo a retorquir-lhe que se aconselhe com algum teólogo e a salientar que as leis dos homens não estão acima das leis de Deus. O Vaticano sai em defesa do arcebispo, de resto bem apoiado no código de direito canónico, que prevê excomunhão latae sententiae para quem cometer ou colaborar num acto abortivo.

Como se chega a uma situação destas? Pergunta, e bem, o recém-nomeado arcebispo do Rio de Janeiro, a propósito do crime de violação e do aborto que se lhe seguiu. Mas a pergunta poderia ser igualmente formulada para o acto de excomunhão. Desde logo porque, por definição, só existe excomunhão se há comunhão. Ora, em nenhuma das muitas informações que li sobre este caso eu vi que houvesse qualquer vínculo entre os atingidos pela condenação e a Igreja Católica. Se for este o caso, o arcebispo de Olinda e Recife estaria, salvo melhor opinião, a cometer um abuso.
Mas a questão mais delicada e sensível prende-se com a medida em si. O bispo ficará certamente de consciência tranquila com o dever cumprido. Mas dar-se-á conta de que uma atitude deste teor perante um caso de tamanha complexidade, pode acarretar mais estragos e provocar mais escândalo do que o bem que pretende promover?
A quem exerce autoridade pede-se que tenha o sentido da proporcionalidade e do bom senso, para não provocar males maiores com as melhores das intenções.
Por isso, sabe bem ler estas sábias palavras do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Nordeste, D. Antônio Muniz, a propósito deste caso: “Eu sempre, ao invés de pensar em excomunhão, penso sempre na inclusão. Estamos no tempo de pensar em inclusão. Incluir a todos e a todas na luta pela vida para dar esperança à nossa sociedade”.
O saudoso D. Hélder Câmara não diria melhor.

Complementos:
- Nota da CNBB
- CNBB fala sobre menina violentada em Alagoinha

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