Quem porventura tenha acompanhado a missa do Papa Bento XVI com bispos, padres, freiras e catequistas angolanos, pode ficar confuso por momentos: os ritmos e os ritos, os cânticos e as línguas utilizadas são mais europeus que africanos; há pouco, o Papa distribuía a comunhão e ninguém a recebia na mão; o coro cantava o Panis Angelicus, canto intenso quando o ouvimos, mas que se sente deslocado aqui na Igreja de São Paulo, em Luanda; muitas orações (incluindo o Pai Nosso) foram feitas em latim.
Nada de estranhar. Em post anterior, já aqui se citou um discurso nos Camarões, no qual Bento XVI dizia que a alegria na liturgia africana não deve ser "obstáculo mas meio para entrar em diálogo e comunhão com Deus, através de uma real interiorização das estruturas e palavras de que se compõe a liturgia".
Mas será que os ritmos e a alegria são um obstáculo à comunhão entre crentes? Pelo contrário: os testemunhos que se ouvem e vêem dizem-nos que, mesmo para quem não é crente, as celebrações africanas falam mais de Deus do que muitas missas e celebrações na Europa, profundamente desligadas da vida - logo, de Deus.
A alegria contida manifestou-se mesmo por várias vezes com o coro a tentar balançar e dançar, apesar dos ritmos menos exuberantes. Agora mesmo, no canto final, o coro já se agita num movimento balanceado e unísssono - em comunhão.
É em pormenores e em afirmações como as referidas que se traduz o eurocentrismo do Vaticano, que teima em não desaparecer. Bento XVI, preocupado essencialmente com a situação do catolicismo na Europa, parece não ter entendido a profundidade da alma africana. O contrário do que aconteceu na missa do primeiro Sínodo dos Bispos sobre África, quando um coro africano cantou, no final, junto do altar e do baldaquino da Basílica de São Pedro, perto de João Paulo II.
Fica-se à espera do encontro desta tarde com os jovens e da missa de amanhã, para ver como se canta na Igreja Católica em Angola.
5 comentários:
Ainda bem que a música tem um caráter universal. Assim, uma música de feições européias pode fazer bem à alma de qualquer pessoa, em qualquer lugar.
Penso que há certos ritmos que, de fato, atrapalham a comunhão com Deus no momento da liturgia eucarística (rock, p. ex.). Não que esses ritmos não possam ser utilizados em outros momentos -até devem ser. Ocorre, porém, que ritmos que exijam mais exterior dificultam o "silêncio interior", que, para a mística cristã, é absolutamente necessário para compreender o sacrifício eucarístico.
Aliás, também aqui temos um ponto importante. A missa não é só uma ceia festiva, mas também um sacrifício, pois nela o Cordeiro é imolado. O centro da missa não está na comunidade, mas em Cristo que se doa na cruz. Participamos do mesmo calvário. Diante disso, e aproveitando o ensinamento do Pe. Pio, o melhor critério para saber como deve ser nossa atitude na missa é o seguinte: devemos estar na missa como Santa Maria estava diante da cruz.
A comida é feita em Angola, mas os ingredientes vêm (quase) todos de Roma. Tudo o contrário do que deveria ser a verdadeira Inculturação.
É triste que o governo da Igreja insista em manter a liturgia refém do eurocentrismo. Desta maneira, o 'sopro' do Espírito Santo fica tolhido na sua acção entre os povos e culturas.
Não nos parece que esta maneira de proceder possa ser debitada à "nova evangelização". Ou então nunca saberemos se a nova evangelização é realmente nova . Do que é que Roma tem medo!?
Vinho novo em odres novos, por favor!
Sabe informar-me se se rezou, ou cantou, o Credo na missa de Luanda? Se sim, em que língua?
Não tive oportunidade de assistir - pela TV - e na informação a que consigo aceder, não fica claro este pormenor litúrgico.
Com efeito, pelo detalhadíssimo programa da Visita Pastoral de S.S. aos Camarões e a Angola [disponibilizado aqui: http://www.vatican.va/news_services/liturgy/libretti/2009/Messale%20viaggio%20Africa.pdf ], sabemos que na celebração eucarística de 19 de Março, em Yaoundé, o Credo foi cantado em Latim. Ao invés e estranhamente, no guião da missa de Luanda, não há referência ao Credo, tendo-se aparentemente transitado, sem Credo, da "liturgia da palavra" para a "liturgia eucarística".
Será que pode ajudar-me a perceber o que se passou?
Muito obrigado.
Recomento o texto sobre África e inculturação que temos na Ecclesia, mas partilho da "impressão" que me faz ver celebrações como esta ou a das Vésperas, nos Camarões.
"Não esqueçamos que foram precisos muitos séculos de caminho, por vezes difícil, antes de termos conseguido elaborar uma cultura europeia cristã. Serão precisas ainda muitas gerações para chegarmos a algo de semelhante em África".
Não consigo perceber aqueles que, como Bento XVI, defendem uma "contenção" na liturgia africana. Viver uma celebração em África é algo de inesquecível. Os sons, as danças, a fé que emana daquele povo apenas podem ser perceptíveis mediante esta forma de expressão. Querer acabar com isso é quase heresia... :)
O problema é que esta posição do Vaticano também já passou para os bispos africanos que, em muitos locais, já colocam restrições a estas celebrações. Cada povo deve ter a sua expressão de fé própria, de acordo com a sua história e a sua cultura. Para sermos um só corpo em Cristo, não precisamos de ser todos pés, alguns têm ser mãos, braços, ombros, etc. É pena que nem todos compreendam isso...
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