Comentário
Vale
a pena ler este texto:
“A
política americana de contenção também implicou uma enorme expansão militar, de
modo que os nossos arsenais começaram por chegar ao nível dos soviéticos e da
China, para depois os ultrapassar. Com o correr dos anos, o ‘triângulo de
ferro’ do Pentágono, indústria militar e congressistas com grandes despesas no
sector da defesa nos seus distritos eleitorais acumularam grande poder para
definir a política externa americana. E embora a ameaça do nuclear afastasse a
hipótese de confrontos militares directos com as superpotências rivais, os
políticos americanos viam cada vez mais os problemas do resto do mundo do ponto
de vista militar, e não tanto como diplomatas. (...)
[Depois
dos ataques dos EUA ao Afeganistão], aguardei com expectativa o que pensei que
havia de se seguir: a apresentação de uma política externa americana para o
século XXI que não só adaptasse à ameaça das redes terroristas o nosso
planeamento militar, operações dos serviços secretos e defesa interna, mas
também construísse um novo consenso internacional em torno dos desafios das
ameaças transnacionais.
Este
novo modelo nunca apareceu. Em vez disso, o que tivemos foi um sortido de
políticas obsoletas de tempos que já lá vão. (...) O destino voltava a ser
moda; tudo o que era necessário, segundo Bush, era o poder militar da América,
a sua determinação e uma ‘coligação de vontades’.
O
que já não podia apoiar era uma ‘guerra burra, uma guerra feita à pressão, uma
guerra que era produto não da razão mas da paixão’ (...). Sei que mesmo que a
guerra contra o Iraque seja bem-sucedida será necessária uma ocupação por tempo
indeterminado, com custos indeterminados e consequências indeterminadas. Sei
que uma invasão do Iraque sem motivos claros e sem forte apoio internacional só
vai inflamar os ânimos no Médio Oriente e fomentar não os melhores mas os
piores impulsos no mundo árabe e fortalecer o ramo de recrutamento da
Al-Qaeda.”
Quem
assim escrevia, em 2006, era Barack Obama (Audácia
da Esperança, ed. port. Casa das Letras, pág. 281-289). Num livro que, na
capa, propunha: “Um apelo a uma nova forma diferente de fazer política”. Uma
das coisas que mais nos espanta, na nossa condição humana, é o mistério da
nossa fragilidade, que nos faz atraiçoar os princípios que defendemos pela
mesquinhez de interesses ou pelo poder que temos – ou pelos poderes que, mesmo
sem darmos conta, nos aprisionam.
Na
crise síria (como no Egipto, como na Líbia, como...), continuamos aprisionados
pelo ponto de vista militar; continuamos a sentir a ausência de uma “política
externa americana para o século XXI”, que não continue tomada pelas lógicas
infernais do século XX; continuamos a ver “políticas obsoletas de tempos que já
lá vão”; continuamos a ver soar tambores de guerra em nome da paixão e não da
razão; continuamos a intuir que, mesmo uma invasão “sem pôr as botas no chão”
não tem motivos claros, não tem apoio internacional e só irá “inflamar os
ânimos no Médio Oriente” e “fortalecer o ramo de recrutamento da Al-Qaeda.”
Porquê, então, prosseguir na lógica demente da
guerra? Apenas para satisfazer a indústria do armamento, condenando à guerra, à
fome, à miséria e à tragédia a vida de povos inteiros?
Essas
são algumas perguntas que nos podem levar, hoje, a fazer jejum pela paz – na
Síria e no mundo –, respondendo positivamente ao apelo do Papa Francisco. O
jejum é um sinal: antes de mais, de afirmação da vontade própria sobre as
paixões – algo que parece muito afastado da lógica de guerra que nos atormenta.
Depois, é um sinal de que somos capazes de abdicar de algo importante, em favor
do bem do outro. Porque enquanto não formos capazes, no Ocidente, de abdicar
deste jogo ambíguo de ganhar dinheiro à custa da vida de tantos povos, não
teremos sido capazes de abdicar de nada em favor do outro. E o mundo continuará
a ser não um lugar de paz, mas um lugar de tormento.
Barack
Obama talvez fosse capaz de fazer jejum. Jejuará o Presidente Obama pela paz?
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