Foto de Ali Abdel Mahamid,
por Kai Wiedenhöfer na exposição War on Wall – The struggle in Syria
Não. Ali
Abdel Mahamid, 26 anos, fotografado por Kai Wiedenhöfer, foi vítima de
terroristas. Mas, para uma senhora que se passeava domingo à tarde entre o
Estoril e Cascais e viu a sua foto, “este tem mesmo cara de terrorista”. A
senhora, claro, nem se dignou ler a história de Ali Abdel: casado, um filho e
com a mulher grávida, era um trabalhador da construção civil, antes da guerra
na Síria. A 18 de Março de 2014, foi atingido à frente sua casa, por um
atirador furtivo. Já antes, a sua casa fora atingida, porque estava
tragicamente situada no meio do território controlado por duas facções rivais.
Ali Abdel
esteve 20 dias a ser tratado num hospital da Jordânia, depois de lhe ter sido
retirada a bala que o atingira. Depois, teve de fazer fisioterapia durante um
ano, mas tem de continuar numa cadeira de rodas. Os 150 euros que tem de pagar
pelo apartamento onde vive com a família e a mãe deixam pouca margem para o
resto.
A foto de
Ali Abdel é uma das que ainda se podem ver no paredão de Cascais, no âmbito da
exposição War on Wall – The struggle in
Syria (A guerra no muro – a luta na Síria), do fotógrafo alemão que já
venceu vários prémios internacionais de fotografia. Além dos rostos de vários
mutilados de guerra – crianças, adultos, idosos – Wiedenhöfer mostra também a
destruição devastadora da cidade de Kobani.
“Estas
fotografias foram tiradas em cidades, aldeias e campos de refugiados na
Jordânia e no Líbano, entre a Primavera de 2014 e o início de 2015. Ao mostrar
a genuína consequência deste conflito, é minha intenção procurar apoio para
estas pessoas, que precisam dele. Os media muitas vezes atiram com o número de
mortes diariamente. Mas esquecem-se dos feridos para quem a guerra nunca
terminará. Terão que suportar as suas feridas de guerra até ao fim das suas
vidas”, diz o fotógrafo, sobre esta obra.
A exposição
fotográfica é uma das coisas que se pode dizer sobre os atentados de Paris – e,
já agora, sobre o atentado em Beirute que, na quinta-feira passada, fez 43 mortos e terá sido
protagonizado pelo mesmo Daech que, sexta-feira, reivindicou os atentados em
Paris.
A primeira
coisa que estas fotos dizem é que o maior número de vítimas do terrorismo é de
muçulmanos. Eles vivem na Síria, no Iraque, no Afeganistão, em vários países do
norte de África. E Paris é apenas outro nome de Saana, Alepo, Damasco, Bagdad,
como recorda Sofia Lorena no Público (que inclui vernáculo emotivamente utilizado).
Outra coisa
que estas fotos nos dizem é que os terroristas não precisam de vir da Síria ou
de outros sítios. Como sabemos, em muitos casos eles jdeve ser lido com atenção. á cá estão no meio de nós, muitos deles nasceram ao
nosso lado e cresceram connosco. “A origem do terrorismo não está no
estrangeiro, algures entre o deserto árido e a selva tropical, está no nosso
interior, nas nossas almas e nas fissuras da nossa identidade política”, como
recorda Luís Salgado de Matos, neste comentário que
Vale a pena
recordar, a propósito, que há 10 anos, nas periferias de Paris, estalou uma
série de conflitos violentos que depois alastrou a várias cidades de França. (aqui em
inglês) Este tipo de
acontecimentos repetiu-se em 2011, em Londres.
Em ambos os
casos, fizeram-se na altura muitas análises, percebeu-se o mal-estar social que
alastra numa sociedade que endeusa o consumo e a riqueza mas não permite a
todos o mesmo acesso. Mas o que se fez a nível político e económico para mudar as coisas? É de estranhar, agora, que
tantos jovens se juntem ao Daech?...
Claro que o
islão tem também um problema dentro de si. Se é verdade que o terrorismo não
pode ser identificado com o islão, há uma característica genética que assume
também uma dimensão guerreira e permite que a sua deturpação chegue a estes
fanatismos. Mesmo se, no início, essa não era a matriz de Maomé, como recorda
este texto de Mohamed Youssuf Adamgy, responsável da revista e do sítio Al Furqán.
Mas há
outras coisas que aquelas fotos de Kai Wiedenhöfer nos mostram. Por exemplo, a
hipocrisia ocidental (europeia, norte-americana), na venda de armas que
alimentam estas guerras, na vassalagem perante a Arábia Saudita e no desnorte
de uma política no Médio Oriente e na Ásia que segue apenas ao sabor da
corrente. A este propósito, podemos ler este apelo dos historiadores franceses Sophie
Bessis et Mohamed Harbi no Monde,
para que a França ponha termo às suas relações privilegiadas com a Arábia Saudita ou estes
dados sobre a venda de armas de França (e também dos EUA, Rússia, Alemanha.
Reino Unido e China).
Só este ano,
a França deve vender 15 mil milhões de euros de armas, quase o dobro do que
vendeu no ano passado. (A este propósito, podemos ouvir a opinião crítica do
intelectual americano Noam Chomsky, sobretudo a partir dos 21’30”). Sobre alguns
destes diversos ingredientes do mal, escreve Viriato Soromenho-Marques. Enfim,
podemos ainda aprender um pouco de história neste vídeo que já foi sugerido por
muitos sítios.
E agora
o que fazer? Entrar na lógica dos terroristas? Esse tem sido o caminho que,
pelo menos desde há duas décadas, nos tem sido vendido, com uma grande mentira.
Por isso, a rota tem de ser outra.
A Pax
Christi Internacional defende que o mundo tem de ser despojado do seu poder financeiro e militar. Rui
Tavares escreve que é preferível aprender com os sobreviventes. Eles “querem
segurança; mas não pedem vingança. Desejam
viver segundo os nossos valores; mas querem interpretá-los em liberdade. Têm medo;
mas não fazem disso a sua bússola”.
Nesta
lógica, a carta do jornalista Antoine Leiris, que perdeu a sua mulher nos
atentados de sexta-feira, é uma lição de dignidade e verdadeira coragem para
todos nós: “Vocês não terão o meu ódio”, escreveu ele. A carta pode ser lida
aqui, onde também se podem escutar declarações suas reafirmando que o seu filho
tem de crescer no gosto pela vida, pela cultura e pela arte, para que não seja o terrorismo a vencer.
Texto anterior no blogue
A coisa boa que é a esperança, a reforma e os apelos do Papa, Jesus e o Vaticano - crónicas de Vítor Gonçalves, frei Bento Domingues, Anselmo Borges e Fernando Calado Rodrigues
Sem comentários:
Enviar um comentário