quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Fixemos bem este rosto. Será ele o de um terrorista?


Foto de Ali Abdel Mahamid, 
por Kai Wiedenhöfer na exposição War on Wall – The struggle in Syria

Não. Ali Abdel Mahamid, 26 anos, fotografado por Kai Wiedenhöfer, foi vítima de terroristas. Mas, para uma senhora que se passeava domingo à tarde entre o Estoril e Cascais e viu a sua foto, “este tem mesmo cara de terrorista”. A senhora, claro, nem se dignou ler a história de Ali Abdel: casado, um filho e com a mulher grávida, era um trabalhador da construção civil, antes da guerra na Síria. A 18 de Março de 2014, foi atingido à frente sua casa, por um atirador furtivo. Já antes, a sua casa fora atingida, porque estava tragicamente situada no meio do território controlado por duas facções rivais.
Ali Abdel esteve 20 dias a ser tratado num hospital da Jordânia, depois de lhe ter sido retirada a bala que o atingira. Depois, teve de fazer fisioterapia durante um ano, mas tem de continuar numa cadeira de rodas. Os 150 euros que tem de pagar pelo apartamento onde vive com a família e a mãe deixam pouca margem para o resto.
A foto de Ali Abdel é uma das que ainda se podem ver no paredão de Cascais, no âmbito da exposição War on Wall – The struggle in Syria (A guerra no muro – a luta na Síria), do fotógrafo alemão que já venceu vários prémios internacionais de fotografia. Além dos rostos de vários mutilados de guerra – crianças, adultos, idosos – Wiedenhöfer mostra também a destruição devastadora da cidade de Kobani.
“Estas fotografias foram tiradas em cidades, aldeias e campos de refugiados na Jordânia e no Líbano, entre a Primavera de 2014 e o início de 2015. Ao mostrar a genuína consequência deste conflito, é minha intenção procurar apoio para estas pessoas, que precisam dele. Os media muitas vezes atiram com o número de mortes diariamente. Mas esquecem-se dos feridos para quem a guerra nunca terminará. Terão que suportar as suas feridas de guerra até ao fim das suas vidas”, diz o fotógrafo, sobre esta obra.
A exposição fotográfica é uma das coisas que se pode dizer sobre os atentados de Paris – e, já agora, sobre o atentado em Beirute que, na quinta-feira passada, fez 43 mortos e terá sido protagonizado pelo mesmo Daech que, sexta-feira, reivindicou os atentados em Paris.

A primeira coisa que estas fotos dizem é que o maior número de vítimas do terrorismo é de muçulmanos. Eles vivem na Síria, no Iraque, no Afeganistão, em vários países do norte de África. E Paris é apenas outro nome de Saana, Alepo, Damasco, Bagdad, como recorda Sofia Lorena no Público (que inclui vernáculo emotivamente utilizado).
Outra coisa que estas fotos nos dizem é que os terroristas não precisam de vir da Síria ou de outros sítios. Como sabemos, em muitos casos eles jlido﷽﷽﷽﷽﷽﷽algado de Matos, nestelmas e nas fissuras da nossa identidade pol. á cá estão no meio de nós, muitos deles nasceram ao nosso lado e cresceram connosco. “A origem do terrorismo não está no estrangeiro, algures entre o deserto árido e a selva tropical, está no nosso interior, nas nossas almas e nas fissuras da nossa identidade política”, como recorda Luís Salgado de Matos, neste comentário que deve ser lido com atenção.
Vale a pena recordar, a propósito, que há 10 anos, nas periferias de Paris, estalou uma série de conflitos violentos que depois alastrou a várias cidades de França(aqui em inglês) Este tipo de acontecimentos repetiu-se em 2011, em Londres.
Em ambos os casos, fizeram-se na altura muitas análises, percebeu-se o mal-estar social que alastra numa sociedade que endeusa o consumo e a riqueza mas não permite a todos o mesmo acesso. Mas o que se fez a nível político e económico para  mudar as coisas? É de estranhar, agora, que tantos jovens se juntem ao Daech?...
Claro que o islão tem também um problema dentro de si. Se é verdade que o terrorismo não pode ser identificado com o islão, há uma característica genética que assume também uma dimensão guerreira e permite que a sua deturpação chegue a estes fanatismos. Mesmo se, no início, essa não era a matriz de Maomé, como recorda este texto de Mohamed Youssuf Adamgy, responsável da revista e do sítio Al Furqán.
Mas há outras coisas que aquelas fotos de Kai Wiedenhöfer nos mostram. Por exemplo, a hipocrisia ocidental (europeia, norte-americana), na venda de armas que alimentam estas guerras, na vassalagem perante a Arábia Saudita e no desnorte de uma política no Médio Oriente e na Ásia que segue apenas ao sabor da corrente. A este propósito, podemos ler este apelo dos historiadores franceses Sophie Bessis et Mohamed Harbi no Monde, para que a França ponha termo às suas relações privilegiadas com a Arábia Saudita ou estes dados sobre a venda de armas de França (e também dos EUA, Rússia, Alemanha. Reino Unido e China).
Só este ano, a França deve vender 15 mil milhões de euros de armas, quase o dobro do que vendeu no ano passado. (A este propósito, podemos ouvir a opinião crítica do intelectual americano Noam Chomsky, sobretudo a partir dos 21’30”). Sobre alguns destes diversos ingredientes do mal, escreve Viriato Soromenho-MarquesEnfim, podemos ainda aprender um pouco de história neste vídeo que já foi sugerido por muitos sítios.
E agora o que fazer? Entrar na lógica dos terroristas? Esse tem sido o caminho que, pelo menos desde há duas décadas, nos tem sido vendido, com uma grande mentira. Por isso, a rota tem de ser outra.
A Pax Christi Internacional defende que o mundo tem de ser despojado do seu poder financeiro e militarRui Tavares escreve que é preferível aprender com os sobreviventes. Eles “querem segurança; mas não pedem vingança. Desejam viver segundo os nossos valores; mas querem interpretá-los em liberdade. Têm medo; mas não fazem disso a sua bússola”.  
Nesta lógica, a carta do jornalista Antoine Leiris, que perdeu a sua mulher nos atentados de sexta-feira, é uma lição de dignidade e verdadeira coragem para todos nós: “Vocês não terão o meu ódio”, escreveu ele. A carta pode ser lida aqui, onde também se podem escutar declarações suas reafirmando que o seu filho tem de crescer no gosto pela vida, pela cultura e pela arte, para que não seja o terrorismo a vencer.

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A coisa boa que é a esperança, a reforma e os apelos do Papa, Jesus e o Vaticano - crónicas de Vítor Gonçalves, frei Bento Domingues, Anselmo Borges e Fernando Calado Rodrigues

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