domingo, 15 de novembro de 2015

O Pacto das Catacumbas – 50 anos de um compromisso original por uma Igreja dos pobres

Livro/agenda


Catacumba de Domitília, Cristo entre os apóstolos (séc. II-IV)

A 16 de Novembro de 1965 – faz esta segunda-feira 50 anos –, a poucos dias da conclusão do Concílio Vaticano II, 39 bispos assinaram, nas Catacumbas de Domitília, em Roma, um documento em que se comprometiam “a caminhar com os pobres, sendo não só uma Igreja para os pobres, mas [uma Igreja] dos pobres, uma vez que são eles que encarnam e realizam a mais elevada missão do Evangelho”.
Nesta segunda-feira, em Lisboa, será apresentado um livro que, além de publicar o texto do Pacto das Catacumbas e a lista dos seus signatários, reúne um conjunto de estudos sobre o mesmo. O livro será apresentado pelo patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e a sessão decorre na Capela do Rato (Calçada Bento da Rocha Cabral, 1-B), a partir das 18h30. O livro O Pacto das Catacumbas – A Missão dos Pobres na Igreja é coordenado por Xabier Pikaza e José Antunes da Silva e, entre os autores, incluem-se ainda Luigi Betazzi, Jon Sobrino e Clara Bingemer.
Sobre o Pacto, o padre brasileiro José Oscar Beozzo (professor de Teologia em São Paulo) publicou um pequeno livro que pode ser lido aqui.
Na revista do Expresso deste sábado, José Tolentino Mendonça fala também do Pacto na sua crónica, que a seguir se transcreve. Nela explica o contexto histórico e o significado teológico e pastoral do Pacto das Catacumbas:


O Pacto das Catacumbas - texto de José Tolentino Mendonça
Há cinquenta anos atrás, no dia 16 de Novembro de 1965, quatro dezenas de bispos e cardeais dos diversos continentes, todos eles participantes no Concílio Vaticano II que estava então a concluir-se, reuniram-se na periferia de Roma para firmar um pacto. Pretendiam uma celebração discreta, longe dos holofotes, inclusive para salvaguardar de interpretações ambíguas o seu gesto. Mas o lugar escolhido tinha uma inegável natureza simbólica e programática: as catacumbas romanas de Domitília com toda a evocação de um cristianismo essencial e comprometido. Através daquele pacto, os bispos comprometiam-se a caminhar lado a lado com os pobres, re-assumindo uma radicalidade evangélica que faz parte da trajectória histórica da memória cristã (pense-se no primeiro franciscanismo, por exemplo), mesmo se muitas vezes esquecida. Também por isso se assumiam agora não só como uma Igreja atenta aos pobres, mas como uma Igreja dos pobres, investindo numa conversão crítica do paradigma dominante.

A força profética e política dos doze pontos desse pacto, depositado pelos signatários nas mãos do Papa Paulo VI, e a exemplar fidelidade dos seus protagonistas fazem do pacto das catacumbas um dos documentos fundamentais para entender algumas das horas mais luminosas do catolicismo contemporâneo. A oportunidade do seu cinquentenário, coincidente com o pontificado do Papa Francisco, tem provocado um enorme interesse e debate, com a tradução do texto original em várias línguas. Em Portugal acaba de surgir num volume editado pela Paulinas Editora. 
Que se propunham os bispos? A revolução da simplicidade. Deixar os palácios episcopais e viver em casas iguais às das suas populações. Renunciar aos sinais exteriores de riqueza e à riqueza em si. Não possuir imóveis, nem contas bancárias em seu nome. Confiar a gestão financeira e material das dioceses a comissões de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico; recusar-se a ser chamado, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder, preferindo ser chamado com o nome evangélico de Padre; evitar aquilo que pode parecer um privilégio ou uma preferência pelos ricos e poderosos; oferecer todo o tempo, reflexão, coração e meios ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos economicamente mais débeis; transformar as obras de beneficência em obras sociais baseadas na caridade e na justiça; lutar para que os responsáveis pela governação decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento; requerer dos organismos internacionais a adoção de estruturas económicas e culturais que permitam às massas pobres saírem da sua miséria; tudo fazer para que o ministério episcopal constitua um verdadeiro serviço. 

O pacto das catacumbas recorda que o Deus em que os cristãos crêem não plana acima das questões escaldantes da história: ele aparece claramente comprometido com a justiça e uma ordem social de equidade, manifestando-se a favor dos mais pobres. A opção pelos pobres, a escolha preferencial pelos sem voz nem vez remonta ao próprio Cristo e ressoa claramente nos textos das origens cristãs. Como resume a 1 Carta de São João (1 Jo 4,20): “Se alguém disser: «Eu amo a Deus», mas não amar o seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. A Fé para ser vital tem de aceitar o risco de ser uma Fé encarnada. Aqueles cristãos que dizem, “não queremos sujar as mãos na realidade do mundo”, avisava já Charles Péguy, “acabam rapidamente por ficar sem mãos”.

Texto anterior no blogue
Michael Paul Gallagher (1939-2015) - in memoriam


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