Livro/agenda
Catacumba de Domitília, Cristo entre os apóstolos (séc. II-IV)
A 16 de Novembro de 1965 – faz esta segunda-feira 50 anos –, a poucos
dias da conclusão do Concílio Vaticano II, 39 bispos assinaram, nas Catacumbas
de Domitília, em Roma, um documento em que se comprometiam “a caminhar com os
pobres, sendo não só uma Igreja para os pobres, mas [uma Igreja] dos pobres,
uma vez que são eles que encarnam e realizam a mais elevada missão do
Evangelho”.
Nesta segunda-feira, em Lisboa, será apresentado um livro que, além de
publicar o texto do Pacto das Catacumbas e a lista dos seus signatários, reúne
um conjunto de estudos sobre o mesmo. O livro será apresentado pelo patriarca
de Lisboa, D. Manuel Clemente, e a sessão decorre na Capela do Rato (Calçada Bento da Rocha Cabral, 1-B), a partir das 18h30.
O livro O Pacto das Catacumbas – A Missão dos Pobres na Igreja é coordenado por Xabier Pikaza e José
Antunes da Silva e, entre os autores, incluem-se ainda Luigi Betazzi, Jon
Sobrino e Clara Bingemer.
Sobre o Pacto, o padre brasileiro José Oscar Beozzo (professor de
Teologia em São Paulo) publicou um pequeno livro que pode ser lido aqui.
Na revista do Expresso deste
sábado, José Tolentino Mendonça fala também do Pacto na sua crónica, que a
seguir se transcreve. Nela explica o contexto histórico e o significado
teológico e pastoral do Pacto das Catacumbas:
O Pacto das Catacumbas - texto de José Tolentino Mendonça
Há cinquenta anos atrás, no dia
16 de Novembro de 1965, quatro dezenas de bispos e cardeais dos diversos
continentes, todos eles participantes no Concílio Vaticano II que estava então
a concluir-se, reuniram-se na periferia de Roma para firmar um pacto. Pretendiam
uma celebração discreta, longe dos holofotes, inclusive para salvaguardar de
interpretações ambíguas o seu gesto. Mas o lugar escolhido tinha uma inegável natureza
simbólica e programática: as catacumbas romanas de Domitília com toda a
evocação de um cristianismo essencial e comprometido. Através daquele pacto, os
bispos comprometiam-se a caminhar lado a lado com os pobres, re-assumindo uma
radicalidade evangélica que faz parte da trajectória histórica da memória
cristã (pense-se no primeiro franciscanismo, por exemplo), mesmo se muitas
vezes esquecida. Também por isso se assumiam agora não só como uma Igreja atenta
aos pobres, mas como uma Igreja dos pobres, investindo numa conversão crítica
do paradigma dominante.
A força profética e política
dos doze pontos desse pacto, depositado pelos signatários nas mãos do Papa
Paulo VI, e a exemplar fidelidade dos seus protagonistas fazem do pacto das
catacumbas um dos documentos fundamentais para entender algumas das horas mais
luminosas do catolicismo contemporâneo. A oportunidade do seu cinquentenário,
coincidente com o pontificado do Papa Francisco, tem provocado um enorme
interesse e debate, com a tradução do texto original em várias línguas. Em
Portugal acaba de surgir num volume editado pela Paulinas Editora.
Que se propunham os bispos? A
revolução da simplicidade. Deixar os palácios episcopais e viver em casas
iguais às das suas populações. Renunciar aos sinais exteriores de riqueza e à
riqueza em si. Não possuir imóveis, nem contas bancárias em seu nome. Confiar a
gestão financeira e material das dioceses a comissões de leigos competentes e
cônscios do seu papel apostólico; recusar-se a ser chamado, oralmente ou por
escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder, preferindo
ser chamado com o nome evangélico de Padre; evitar aquilo que pode parecer um
privilégio ou uma preferência pelos ricos e poderosos; oferecer todo o tempo,
reflexão, coração e meios ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos
grupos economicamente mais débeis; transformar as obras de beneficência em
obras sociais baseadas na caridade e na justiça; lutar para que os responsáveis
pela governação decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as
instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento; requerer
dos organismos internacionais a adoção de estruturas económicas e culturais que
permitam às massas pobres saírem da sua miséria; tudo fazer para que o ministério
episcopal constitua um verdadeiro serviço.
O pacto das catacumbas recorda que o Deus em que os cristãos
crêem não plana acima das questões escaldantes da história: ele aparece
claramente comprometido com a justiça e uma ordem social de equidade,
manifestando-se a favor dos mais pobres. A opção pelos pobres, a escolha
preferencial pelos sem voz nem vez remonta ao próprio Cristo e ressoa
claramente nos textos das origens cristãs. Como resume a 1 Carta de São João (1
Jo 4,20): “Se alguém disser: «Eu amo a Deus», mas não amar o seu irmão, esse é
um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê”. A Fé para ser vital tem de aceitar o risco de ser uma Fé
encarnada. Aqueles cristãos que dizem, “não queremos sujar as mãos na realidade
do mundo”, avisava já Charles Péguy, “acabam rapidamente por ficar sem mãos”.
Texto anterior no blogue
Michael Paul Gallagher (1939-2015) - in memoriam
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