quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Igreja Presbiteriana faz memória do escocês perseguido na Madeira e festeja aniversário


No próximo sábado, a partir das 15h30, a Igreja Evangélica Presbiteriana de Lisboa (IEPL) assinala o seu 147º aniversário, com um programa que inclui cinema, feira de livros e vídeos, um debate e culto litúrgico. A iniciativa decorre nas instalações da IEPL (Rua Tomás da Anunciação, 56 D, próximo do Jardim da Parada, no bairro de Campo de Ourique).
Sábado, a celebração começa com uma exposição e venda de livros e vídeos. Às 16h, é apresentado o filme Madeirenses Errantes, com base no livro do jornalista Ferreira Fernandes com o mesmo título. Logo após a projecção do filme, haverá um debate com o autor do livro, onde se descreva a saga do nascimento da primeira Igreja Reformada em território português, animada por Robert Kalley, um médico escocês que trabalhava na Madeira. Esse grupo de primeiros crentes evangélicos em Portugal acabou a ser perseguido e obrigado ao exílio, acabando por se distribuir por vários pontos do mundo – nomeadamente em Trinidad & Tobago, estado do Illinois, nos Estados Unidos e Hawai.


Robert Kalley

Domingo, há três momentos: um fórum sobre a história da IEPL (10h), um culto de acção de graças em que será orador o bispo da Igreja Metodista, José Sifredo (11h), e um almoço comunitário (13h).
O livro e, depois, o documentário da RTP nasceu do contacto com os descendentes dos madeirenses errantes, das suas memórias e da memória de alguns nomes ou palavras de português que por vezes ainda se descobrem.
Em 24 de Janeiro publiquei no Público um texto sobre esta história, que reproduzo a seguir (omitindo apenas pequenas referências de actualidade):

O escocês perseguido na Madeira por causa da sua fé

Foi conhecido como o santo dos pobres ou o bom doutor inglês. Montou escolas e um hospital no Funchal. Foi depois perseguido, preso e obrigado a sair da Madeira – tal como aconteceu a pelo menos dois mil madeirenses que tinham abraçado a fé protestante. O médico Robert Reid Kalley, que, entre 1838 e 1846, viveu na ilha, foi o fundador da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP) e incansável divulgador da Bíblia. A memória das perseguições aos “hereges calvinistas” [está num] livro há muito esgotado, que conta a história deste evangelizador intrépido [e que] acaba de ser reeditado pela IEPP. Robert Reid Kalley – O Apóstolo da Madeira foi escrito por Michael P. Testa, um outro pastor presbiteriano, este de origem americana, que trabalhou em Portugal entre 1949 e 1964. Uma história desenvolvida no livro Madeirenses Errantes (ed. Oficina do Livro), do jornalista Ferreira Fernandes.

David Valente, secretário-geral da IEPP, recorda que a perseguição aos madeirenses protestantes foi uma das duas maiores do século XIX, a par de uma outra em Madagáscar. E, mesmo em tempos de diálogo ecuménico, (...) David Valente diz que “é preciso conhecer estas histórias para saber o que aconteceu e evitar que volte a acontecer”. 
Nascido em 8 de Setembro de 1809, nos arredores de Glasgow, a alma racionalista do jovem Kalley não quis seguir os desejos do padrasto e do avô, que o desejavam para ministro da Igreja da Escócia. Por isso opta pela Medicina, licenciando-se em 1829. 

Com 20 anos, oferece-se como médico de bordo nos navios que faziam a viagem até Bombaim. Já estabelecido como médico, o acompanhamento de uma doente muda-lhe a vida: “Senti, satisfeito, que há um Deus, que este livro [a Bíblia] é de Deus...”, dirá ele mais tarde. Kalley deseja partir como médico e missionário para a China. A mulher com quem entretanto casara era tísica e ele decidiu levá-la uns tempos para a Madeira, com a ideia de que ela se curasse. Chegaram ao Funchal a 12 de Outubro de 1838. 
Kalley usa esforços e fortuna “a favor do povo pobre e analfabeto da ilha”, escreve Testa. Estuda Português, faz exame para exercer Medicina em Portugal e aprofunda estudos teológicos. Em 1840, monta um hospital com 12 camas, oferecendo tratamentos e internamento gratuitos. Monta uma rede de escolas, às quais fornece material e professores, frequentadas por “centenas de homens, após os trabalhos duros nos campos”, como o próprio descreve. 
Ao mesmo tempo, Kalley distribuía exemplares da Bíblia, esclarecia dúvidas, compunha hinos religiosos em português. As suas actividades proselitistas começam a merecer a desconfiança das autoridades políticas e religiosas. O bispo católico, que se contava entre os clientes e amigos, comunica-lhe o teor de uma carta de Lisboa, recomendando o fim de tal apostolado. Kalley não desiste. 
O médico enfrenta dificuldades. Burocracia, ameaças, tudo serve para apertar o cerco, dirigido sobretudo por um cónego católico – Carlos Teles de Meneses. O escândalo, nota Ferreira Fernandes, “atinge o ponto de não retorno quando, no início de 1843, dois madeirenses se convertem publicamente”: Nicolau Tolentino Vieira e Francisco Pires Soares. 

Kalley é preso durante seis meses. Maria Joaquina Alves, mãe de sete filhos, é também detida, mas por dois anos e meio.
No Outono de 1845, crescem a violência e os insultos. A 8 e 9 de Agosto seguinte, soldados e cúmplices expulsam os “calvinistas hereges” das suas casas, obrigando-os a fugir para os campos e a montanha. Sobrevivem escondidos. 

Kalley foge nesse dia a bordo do Forth, aportado na baía do Funchal. No dia 23, o William leva pelo menos 200 refugiados fugidos à perseguição religiosa. Nos dois anos seguintes, um total de dois mil madeirenses irá para Trindade, Antígua, Jamaica, Illinois, Havai. Depois de passar por Malta e Palestina, Kalley chega ao Brasil em 1855, onde funda a Igreja Presbiteriana. Regressa à Escócia em 1876, após uma vida dedicada à causa que abraçara. 

Texto anterior no blogue
Fixemos bem este rosto. Será ele o de um terrorista?

1 comentário:

JOELSON GOMES disse...

Olá, parabens pelo blog. Mas, algumas informações estão incorretas. Kalley era da Igreja Livre da Escócia, e em Portugal, não fundou nenhuma denominação. O primeiro ministro que foi ajuda-lo na Madeira era da Igreja da Escocia foi sem seu conhecimento. Os crentes madeirenses foram perseguidos e o movimento de Kalley se desfez com sua perseguição e expulsao da Ilha. A Igreja Presbiteriana assumiu o restante e daí vem sua historia. No Brasil Kalley não fundou a Igreja Presbiteriana, mas a Igreja Congregacional.