segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Cuidar o Futuro: a herança política Maria de Lourdes Pintasilgo


Livro/Agenda

Mesmo se já é utilizada de vez em quando, “cuidar” é uma expressão (e uma acção) ainda pouco comum na linguagem política. Mas era com esse verbo que Maria de Lourdes Pintasilgo procurava sintetizar a forma como deveriam ser olhados os problemas que afectam a humanidade – da pobreza à insegurança, da saúde ao ambiente, passando pelos direitos mais elementares.
A expressão ficou consagrada no relatório Cuidar o Futuro, da Comissão Independente para a População e Qualidade de Vida, presidida por Maria de Lourdes Pintasilgo, naquele que foi um dos seus últimos grandes trabalhos. Editado inicialmente em 1998, mas há muito esgotado, o texto do relatório foi agora reeditado pela Fundação Cuidar o Futuro. Quinta-feira próxima, dia 22, às 18h30, terei todo o gosto de fazer uma apresentação do texto, no Terraço, do Graal (Rua Luciano Cordeiro, 24 – 6º A), em Lisboa (a sessão inclui uma refeição ligeira, com o custo de três euros; as inscrições devem ser feitas até dia 20, terça, para o endereço graallisboa@gmail.com ou o telefone 213 546 831).
Fruto do prestígio, da cultura, da criatividade e da participação em dinâmicas internacionais daquela que foi até hoje a única primeira-ministra portuguesa, o relatório introduz a noção de cuidado na acção política, que seria retomada, em Maio de 2015, na encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, e em outros documentos de acção política e ambiental.
A noção de cuidado talvez não pudesse figurar num relatório desta natureza se a composição da comissão internacional que o elaborou não tivesse sido paritária. Mas era a partir daquele conceito que a antiga primeira-ministra portuguesa defendia algumas das ideias fundamentais do seu pensamento e também do trabalho da Comissão Independente para a População e Qualidade de Vida: a importância de um novo contrato social que envolva a sociedade civil; a necessidade de uma concepção da política que implique não apenas a liberdade mas também a responsabilidade; e um novo conceito de educação e um papel cada vez mais autónomo e relevante para as mulheres.

Nascida em Abrantes a 18 de Janeiro de 1930, Maria de Lourdes Pintasilgo formou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico em 1953. Trabalhou na CUF e envolveu-se em projectos de desenvolvimento social. A sua forte convicção católica e universal levaram-na a participar em organizações e movimentos eclesiais, entre os quais se destacam o Graal e o MIIC/Pax Romana. No Graal, movimento internacional de mulheres católicas, foi responsável internacional pelos programas de formação (1960-69). Na Pax Romana – Movimento Internacional de Estudantes Católicos, foi presidente internacional 1956-1958).
Essas convicções levaram-na à acção política, entendendo esta como um serviço a melhoria das condições de vida das pessoas e dos povos. Ainda no regime do Estado Novo, integrou a Câmara Corporativa, (1969-1974) e presidiu à Comissão Interministerial sobre a política social relativa à Mulher (1970-1974). Logo depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, foi ministra dos Assuntos Sociais (1974-75) e, mais tarde, embaixadora de Portugal na UNESCO (1976-1979), passando depois a integrar o conselho executivo da organização (1976-1980). O seu nome foi mesmo falado para dirigir a UNESCO, mas as autoridades políticas portuguesas da época obstaram a que isso acontecesse.
É que, imediatamente nos meses anteriores, Pintasilgo tinha exercido as funções de primeira-ministra (1979-80) e vários políticos não lhe perdoaram o voluntarismo e muitas das decisões tomadas. Candidata derrotada às eleições para a Presidência da República, em 1986, seria convidada depois para integrar ou dirigir várias instâncias internacionais, incluindo da Organização das Nações Unidas, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento da Europa), Conselho da Europa e União Europeia (EU). Entre eles, presidiu ao Comité des Sages sobre os direitos cívicos e sociais da EU (1995-1996). Integrou ainda o Clube de Roma e o Conselho de InterAcção de Ex-Chefes de Estado e de Governo, foi presidente da Comissão Independente sobre a População e a Qualidade de Vida, da qual resultou o relatório Cuidar o Futuro e co-presidente da Comissão Mundial de Globalização. Em Portugal, voltaria à actividade política como deputada ao Parlamento Europeu (1987-1989), membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e animadora do projecto “Para uma Sociedade Activa”.
Quando morreu, a 10 de Julho de 2004, em Lisboa, aos 74 anos, o então Presidente Jorge Sampaio resumiu: “Militante católica, intelectual universalista, mulher de reflexão e de acção, a sua palavra foi, muitas vezes, pioneira e abriu novos horizontes.” Entre os livros que publicou, incluem-se Dimensões da Mudança, As Minhas Respostas, Os Novos Feminismos e Imaginar a Igreja. Mulher das Cidades Futuras e Palavras Dadas recolhem depoimentos de muitos amigos e conhecidos e as respostas de Lourdes Pintasilgo aos mesmos.

(Este texto é uma adaptação do que publiquei como introdução à entrevista que fiz a Lourdes Pintasilgo, com a jornalista Teresa de Sousa, a propósito de Cuidar o Futuro. Publicada no Público a 26 de Janeiro de 1999, a conversa está reproduzida no livro Diálogos com Deus ao Fundo, ed. Gradiva).

Sem comentários: