Livro/Agenda
Mesmo se já é utilizada de vez em quando, “cuidar” é uma expressão
(e uma acção) ainda pouco comum na linguagem política. Mas era com esse verbo que Maria de
Lourdes Pintasilgo procurava sintetizar a forma como deveriam ser olhados os
problemas que afectam a humanidade – da pobreza à insegurança, da saúde ao
ambiente, passando pelos direitos mais elementares.
A expressão ficou consagrada no relatório Cuidar o Futuro, da Comissão Independente para a População e
Qualidade de Vida, presidida por Maria de Lourdes Pintasilgo, naquele que foi um
dos seus últimos grandes trabalhos. Editado inicialmente em 1998, mas há muito
esgotado, o texto do relatório foi agora reeditado pela Fundação Cuidar o
Futuro. Quinta-feira próxima, dia 22, às
18h30, terei todo o gosto de fazer uma apresentação
do texto, no Terraço, do Graal (Rua Luciano Cordeiro, 24 – 6º A), em Lisboa
(a sessão inclui uma refeição ligeira, com o custo de três euros; as inscrições devem ser feitas até dia 20, terça, para o endereço graallisboa@gmail.com ou o
telefone 213 546 831).
Fruto do prestígio, da cultura, da criatividade e da participação
em dinâmicas internacionais daquela que foi até hoje a única primeira-ministra
portuguesa, o relatório introduz a noção de cuidado na acção política, que
seria retomada, em Maio de 2015, na encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, e em outros documentos de acção
política e ambiental.
A noção de cuidado talvez não pudesse figurar num relatório desta
natureza se a composição da comissão internacional que o elaborou não tivesse
sido paritária. Mas era a partir daquele conceito que a antiga primeira-ministra
portuguesa defendia algumas das ideias fundamentais do seu pensamento e também
do trabalho da Comissão Independente para a População e Qualidade de Vida: a
importância de um novo contrato social que envolva a sociedade civil; a
necessidade de uma concepção da política que implique não apenas a liberdade
mas também a responsabilidade; e um novo conceito de educação e um papel cada
vez mais autónomo e relevante para as mulheres.
Nascida em Abrantes a 18 de Janeiro de 1930, Maria de Lourdes
Pintasilgo formou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico em
1953. Trabalhou na CUF e envolveu-se em projectos de desenvolvimento social. A
sua forte convicção católica e universal levaram-na a participar em
organizações e movimentos eclesiais, entre os quais se destacam o Graal e o
MIIC/Pax Romana. No Graal, movimento internacional de mulheres católicas, foi
responsável internacional pelos programas de formação (1960-69). Na Pax Romana
– Movimento Internacional de Estudantes Católicos, foi presidente internacional
1956-1958).
Essas convicções levaram-na à acção política, entendendo esta como
um serviço a melhoria das condições de vida das pessoas e dos povos. Ainda no
regime do Estado Novo, integrou a Câmara Corporativa, (1969-1974) e presidiu à
Comissão Interministerial sobre a política social relativa à Mulher
(1970-1974). Logo depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, foi ministra dos
Assuntos Sociais (1974-75) e, mais tarde, embaixadora de Portugal na UNESCO
(1976-1979), passando depois a integrar o conselho executivo da organização
(1976-1980). O seu nome foi mesmo falado para dirigir a UNESCO, mas as
autoridades políticas portuguesas da época obstaram a que isso acontecesse.
É que, imediatamente nos meses anteriores, Pintasilgo tinha
exercido as funções de primeira-ministra (1979-80) e vários políticos não lhe
perdoaram o voluntarismo e muitas das decisões tomadas. Candidata derrotada às
eleições para a Presidência da República, em 1986, seria convidada depois para
integrar ou dirigir várias instâncias internacionais, incluindo da Organização
das Nações Unidas, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento da
Europa), Conselho da Europa e União Europeia (EU). Entre eles, presidiu ao
Comité des Sages sobre os direitos cívicos e sociais da EU (1995-1996).
Integrou ainda o Clube de Roma e o Conselho de InterAcção de Ex-Chefes de
Estado e de Governo, foi presidente da Comissão Independente sobre a População
e a Qualidade de Vida, da qual resultou o relatório Cuidar o Futuro e
co-presidente da Comissão Mundial de Globalização. Em Portugal, voltaria à
actividade política como deputada ao Parlamento Europeu (1987-1989), membro do
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e animadora do projecto
“Para uma Sociedade Activa”.
Quando morreu, a 10 de Julho de 2004, em Lisboa, aos 74 anos, o
então Presidente Jorge Sampaio resumiu: “Militante católica, intelectual
universalista, mulher de reflexão e de acção, a sua palavra foi, muitas vezes,
pioneira e abriu novos horizontes.” Entre os livros que publicou, incluem-se Dimensões da Mudança, As Minhas Respostas, Os Novos Feminismos e Imaginar a Igreja. Mulher das Cidades Futuras e Palavras
Dadas recolhem depoimentos de muitos amigos e conhecidos e as respostas de
Lourdes Pintasilgo aos mesmos.
(Este texto é uma adaptação do que publiquei como introdução à entrevista
que fiz a Lourdes Pintasilgo, com a jornalista Teresa de Sousa, a propósito de Cuidar o Futuro. Publicada no Público a 26 de Janeiro de 1999, a
conversa está reproduzida no livro Diálogos
com Deus ao Fundo, ed. Gradiva).
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