terça-feira, 31 de março de 2009
sábado, 28 de março de 2009
Silêncios (exposição de Catarina Castel-Branco)
A Arte do Suspenso (exposição de Ana Hatherly)
Cita-se aqui a apresentação da mostra: “Nesta exposição de desenhos e azulejos, obras dos anos 70 até ao presente, evidencia-se uma característica que tem acompanhado, como um texto sob o texto, o seu trabalho académico, poético e a prática artística: o conceito de jogo. Não na leitura superficial e apressada do lúdico, mas a consequência da experiência antropológica essencial, tão antiga quanto o próprio homem, de um “ser que joga”.
Estar em jogo: entre a liberdade e a regra, o conflito e a festa, a sorte e o cálculo, o brincar e o mistério. No conceito labiríntico de ludus encontramos também uma enigmática chave de acesso à obra de arte: o jogo da criação. No caso de Ana Hatherly um jogo de escrita, de inteligência e perícia, de signos e sentidos suspensos, ambíguos, múltiplos. Afinal, “a ambiguidade é a arte do suspenso”(A.H.).
Poeta, ensaísta, cineasta, tradutora e artista plástica, Ana Hatherly nasceu no Porto em 1929, vive e trabalha em Lisboa. Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, diplomada em Estudos Cinematográficos pela London Film School e Doutorada em Literaturas Hispânicas pela Universidade de Berkley, Califórnia (EUA), Ana Hatherly é Professora Catedrática de Literatura Portuguesa na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e fundadora do Instituto de Estudos Portugueses na mesma Universidade. É ainda membro do PEN Club português, de que foi presidente.
O espiritual na arte contemporânea
O Papa em Angola em fotos
sexta-feira, 27 de março de 2009
Carta da Paz dirigida à ONU - 20 anos
A actual situação mundial torna o documento pleno de pertinência, pelo que faz sentido transcrever aqui os pontos principais (para a conclusão e um complemento, ler a versão original AQUI):
I. Nós, os contemporâneos, não temos culpa dos males ocorridos na História, pela simples razão de que não existíamos.
II. Então, por que devemos ter e alimentar ressentimentos, uns contra os outros, se não temos nenhuma responsabilidade do ocorrido na História?
III. Eliminados estes absurdos ressentimentos, por que não ser amigos e poder assim trabalhar em conjunto para construirmos globalmente um mundo mais solidário e gratificante para nós e para os nossos filhos?
IV. É importante conhecer a História o máximo possível. Mas vemos que não podemos voltá-la atrás. Vemos também que, se a História tivesse sido diferente -melhor ou pior-, o futuro também seria diferente. No decorrer dos tempos se haviam produzido outros encontros, outras uniões; teríam nascido outras pessoas, não nós. Nenhum de nós, que hoje temos o tesouro de existir, existiríamos-. Isto não quer dizer, em absoluto, que os males desencadeados pelos nossos antepassados não tenham sido realmente males. Os censuramos, repudiamos, e não os queremos repetir.
V. Os seres humanos, somente pelo mero fato de existirem - podendo não ter existido - , temos uma relação fundamental: somos irmãos na existência. Se não existísse-mos, não poderíamos sequer ser irmãos consanguíneos de alguém. Perceber esta fraternidade primordial na existência, nos fará mais facilmente solidários ao abrir-nos à sociedade.
VI. Ao organizar na atualidade as novas estruturas sociais que se consideram oportunas para construir uma sociedade mais firme e em paz, é perigoso, muitas vezes, formá-las sobre outras estruturas antigas, mesmo que estas, no seu momento, tenham sido vistas convenientes. As novas estruturas se fundamentam mais solidamente sobre unidades geograficas humanas. Entretanto, se deve evitar que estas se fechem sobreelas mesmas, já que isso, quase sempre, termina em conflitos de toda espécie e até em guerras.
VII. O homem é um ser livre, inteligente e capaz de amar. O amor não se pode impor nem obrigar, também não pode existir a cegas, mais sim com lucidez. Surge livre e claramente ou não é autêntico. Sem-pre que restringimos a liberdade de alguém ou lhe privamos da sabedoria, estaremos impedindo que essa pessoa nos possa amar. Portanto, defender, favorecer, desenvol-ver a genuína liberdade dos indivíduos - que leva dentro de si uma dimensão social corresponsável- ,assim como sua sabedoria, é favorecer o apreço cordial entre as pessoas, e assim poder construir melhor a paz.
VIII. Os representantes atuais das instituições que perduraram na História, não são -responsáveis pelo que sucedeu no passado, pois eles não existiam. Contudo, para favorecer a paz, estes representantes devem lamentar publicamente, quando for oportuno, os males e injustiças que se cometeram por parte dessas instituições ao longo da História. Mesmo assim, devem ressarcir, na medida do possível, institucionalmente, os danos causados.
IX. Os progenitores são responsáveis de haver dado a existência a outros seres. Portanto, com a colaboração solidária da sociedade, devem propor-cionar, até o fim da vida dos seus filhos (em especial os descapacitados psíquicos ou os de vontade débil), os meios e apoios suficientes -principalmente lhes deixar em herança um mundo mais em paz- para que estes vivam com dignidade humana, já que não pediram para existir.
Por outro lado, os jovens têm o direito de serem motivados e entusiasmados na alegria de existir, pelo exemplo de seus pais, família e sociedade. Da mesma maneira, para trabalhar aprofundando nas técnicas e ciências, para que eles possam, por sua parte, colaborar para conseguir um mundo mais em paz.
Mesmo assim, é evidente que não se poderá construir a paz global enquanto no seio da sociedade, e inclusive dentro das famílias, exista menosprezo para mais da metade dos seus integrantes: mulheres, crianças, idosos e grupos marginalizados. Ao contrário, nos ajudará a alcançarmos à paz, o reconhe-cimento e respeito da dignidade e direitos de todos eles.
X. Atualmente, um crescente número de países reconhece que todos temos o direito de pensar, de nos expressar e nos agrupar livremente, respeitan-do sempre a dignidade e os direitos dos demais. E cada ser humano tem, igualmente, o direito de viver a sua vida neste mundo de um modo coerente com aquilo que sinceramente pensa.
Dessa maneira, as democracias, também, têm que dar um salto qualitativo para defender e proporcionar que todas as pessoas possam viver de acordo com sua consciência, sem nunca atentar contra a liberdade de alguém, nem provocar danos aos demais ou a si próprio.
Sem ressentimentos, a partir da liberdade, das evidências e da amizade, se pode construir a paz.
quinta-feira, 26 de março de 2009
O cristianismo como estilo
Qualquer filosofia cristã, por mais inspiradora que seja, não se pode sobrepor à autobiografia. É uma “história de homem” que o cristianismo propõe-se testemunhar, explicitando a forma como essa história radical se cruza com a nossa. Decisivas são, portanto, as implicações biográficas e autobiográficas. Não temos de seguir uma ideia, temos de ser! O cristianismo, como recorda um recente e notável escrito de Christoph Theobald, é uma questão de estilo.
2. Jesus Cristo, sendo verdadeiramente homem, abre o homem à possibilidade de Deus. Reconfigura, assim, o nosso plano histórico. Rasga o finito ao infinito, abrindo portas no coração de cada homem para uma história muito maior. Potencia uma vida humana onde aquilo que pensamos serem coisas relativas, como o amor, a justiça, o bem e a beleza, podem ser vividas em absoluto ou como patamares do absoluto.
Não se trata de uma reforma de comportamento, pois Jesus não foi um moralista nem um ideólogo, nem sequer fundou uma escola de sabedoria. O que fez foi inscrever na história a possibilidade do divino. O seu anúncio é o Reino de Deus. E essa proximidade representa o grande abalo, o sobressalto que ele trouxe. O divino é o elemento mais transformador e insurrecto da história.
3. A morte de Jesus não é um acidente: é consequência da maneira como escolheu viver. De facto, contemplamos nele a radicalidade de uma presença que escolhe ir ao encontro dos
pecadores e excluídos, viver na periferia, seguir um caminho de relação com Deus, chamando-o de Pai, distanciado dos mecanismos que eram típicos do campo religioso.
Para Jesus, não há circunstância onde a relação com Deus não possa acontecer, e propõe gestos de uma altíssima impertinência… Contudo, o seu poder é o da vulnerabilidade, da fraqueza, do senhor que se faz servo, como dizia São João da Cruz. É a força do amor!
José Tolentino Mendonça, in Página 1 (RR)
terça-feira, 24 de março de 2009
Dalai Lama e África do Sul: onde já vimos isto?
Nelson Mandela deve estar a perguntar-se se foi para isto que abriu o seu país à democracia e ao respeito pelos direitos humanos.
Vale a pena indignarmo-nos em demasia? Das duas vezes que esteve em Portugal, o Dalai Lama teve que se encontrar meio às escondidas com presidentes e deputados, também com medo de que o Governo da China descobrisse que os líderes políticos portugueses se andavam a encontrar com um perigoso pacifista e defensor dos direitos humanos.
Coro Gulbenkian no Festival Terras Sem Sombra
Trata-se de um concerto a cargo do Coro Gulbenkian, sob a direcção do Maestro Jorge Matta, intitulado “O Esplendor Luso-Brasileiro nos Finais do Século XVIII e Princípios do XIX”.
É possível aceder a registos musicais do Festival em formato mp3, para ouvir as seguintes faixas:
In die Tribulationis, in CD "Diaspora.pt" (MU0103 2008) do Sete Lágrimas. Autor: Damião de Gois, séc. XVI
O Misericordissime Jesu, in CD "Kleine Musik" (MU0102 2008) do Sete Lágrimas. Autor: Ivan Moody, séc. XXI
Adoramus Te Christe in CD "Lachrimae #1" (MU0101 2007) do Sete Lágrimas. Autor: G. B. Martini, séc. XVI
Na Fomte Está Lianor in CD "Diaspora.pt" (MU0103 2008) do Sete Lágrimas. Autor: Anónimo, séc. XVI
O Festival Terras sem Sombra tem organizado concertos de uma qualidade invulgar, a que se junta o facto de conseguir levar a beleza da música de alto nível a lugares fora dos grandes circuitos culturais. E ainda com a preocupação por promover os concertos em igrejas e capelas que são peças importantes do património arquitectónico religioso do Baixo Alentejo - "espaços arquitectónicos notáveis, que brilham não só pela qualidade acústica mas também pela atmosfera ímpar", dizem os organizadores do festival.
O tema deste ano foi o barroco português e mais informações sobre a iniciativa podem ser encontradas em www.terrassemsombra.com.
Angola: algo que ainda não foi dito
(Francisco Sarsfield Cabral, no Página 1 de hoje)
segunda-feira, 23 de março de 2009
Não foi o preservativo o tema pior na viagem do Papa a África
Há algumas ideias que já se podem reter desta primeira viagem de Bento XVI a Angola. O preservativo não é, seguramente, a mais importante. Na Igreja Católica, esta questão só é problema porque, há 40 anos, na redacção da encíclica Humanae Vitae, sobre a regulação dos nascimentos, foram derrotados, por pressões da Cúria Romana, os que defendiam a abertura aos meios anticoncepcionais "artificiais" - entre os quais o preservativo ou a pílula.
Não fosse isso e estas discussões não existiriam. E a Igreja poderia denunciar mais claramente os lobbies que insistem no preservativo como solução quase única para a sida. E poderia pedir com mais vigor os tratamentos grátis que o Vaticano tantas vezes tem defendido - sem igual eco nos media, diga-se. Este é o outro lado do problema: a obsessão do Papa e do Vaticano na oposição ao preservativo só tem paralelo na obsessão mediática por estes temas. As outras posições de Bento XVI, de igual ou maior importância, são quase sempre olimpicamente ignoradas.
Por exemplo: o que disse Bento XVI sobre corrupção, tribalismo, tráfico de armas, depredação de recursos naturais e o mais que se queira conferir nos discursos desta viagem. Esses, sim, foram os temas importantes, a que os media não ligaram. Com isso entrando no jogo dos corruptos africanos, dos traficantes e dos senhores da guerra.
Preocupante, mesmo, é a afirmação da ideia europeia e romana de Bento XVI: as liturgias celebradas pelo Papa pouco deixaram ver a alma africana e a sua exuberância. O aviso feito aos bispos, nos Camarões, sobre a necessidade de a alegria na liturgia não ser um "obstáculo" à "comunhão com Deus", à "interiorização" e à "dignidade das celebrações" é um sinal de que a inculturação terá que ter os limites que o Vaticano estabelecer. Deixando pouca margem às comunidades católicas africanas e afirmando mais uma vez o centralismo.
domingo, 22 de março de 2009
O mundo deve olhar para África
Apelando ainda a negociações de paz na região dos Grandes Lagos, o Papa afirmou, já na oração do Angelus, que o mundo deve "voltar o seu olhar para África, para este grande continente, tão rico de esperança e ainda sedento de justiça, de paz e de um desenvolvimento integral e são".
Seria bem mais importante que os media sublinhassem esta mensagem - como outras no decorrer destes dias - em vez da enésima condenação do preservativo. Em nome de África, não do Papa.
No site do Vaticano ainda não está disponível o texto da importante homilia, mas a Ecclesia fez uma síntese.
sábado, 21 de março de 2009
As televisões a falar por cima da música
Esta missa foi em Luanda ou em Roma?
Nada de estranhar. Em post anterior, já aqui se citou um discurso nos Camarões, no qual Bento XVI dizia que a alegria na liturgia africana não deve ser "obstáculo mas meio para entrar em diálogo e comunhão com Deus, através de uma real interiorização das estruturas e palavras de que se compõe a liturgia".
Mas será que os ritmos e a alegria são um obstáculo à comunhão entre crentes? Pelo contrário: os testemunhos que se ouvem e vêem dizem-nos que, mesmo para quem não é crente, as celebrações africanas falam mais de Deus do que muitas missas e celebrações na Europa, profundamente desligadas da vida - logo, de Deus.
A alegria contida manifestou-se mesmo por várias vezes com o coro a tentar balançar e dançar, apesar dos ritmos menos exuberantes. Agora mesmo, no canto final, o coro já se agita num movimento balanceado e unísssono - em comunhão.
É em pormenores e em afirmações como as referidas que se traduz o eurocentrismo do Vaticano, que teima em não desaparecer. Bento XVI, preocupado essencialmente com a situação do catolicismo na Europa, parece não ter entendido a profundidade da alma africana. O contrário do que aconteceu na missa do primeiro Sínodo dos Bispos sobre África, quando um coro africano cantou, no final, junto do altar e do baldaquino da Basílica de São Pedro, perto de João Paulo II.
Fica-se à espera do encontro desta tarde com os jovens e da missa de amanhã, para ver como se canta na Igreja Católica em Angola.
sexta-feira, 20 de março de 2009
“Não vos rendais à lei do mais forte"
(via Página 1).
Erradicar de vez a corrupção
Distribuir riquezas
(Nota: a remissão para o discurso é, de facto, para a notícia do Público, pois o Vaticano, ao contrário da eficácia habitual, tem colocado os discursos integrais do Papa, no site, com algumas horas de atraso.)
À espera do Papa em Luanda
"A liturgia ocupa um lugar importante na manifestação da fé das vossas comunidades. Habitualmente, estas celebrações eclesiais são festivas e animadas, exprimindo o fervor dos fiéis, felizes por estarem juntos, como Igreja, para louvar o Senhor. Entretanto é essencial que a alegria assim manifestada não seja obstáculo mas meio para entrar em diálogo e comunhão com Deus, através de uma real interiorização das estruturas e palavras de que se compõe a liturgia, para que esta traduza o que se passa no coração dos crentes, em real união com todos os participantes. Um sinal eloquente desta é a dignidade das celebrações, sobretudo quando estas se desenrolam com grande afluência de participantes." (discurso completo aqui).
quinta-feira, 19 de março de 2009
Críticas violentas ao "processo organizado de destruição da identidade africana"
O texto é muito crítico para com os políticos africanos, as multinacionais predadoras dos recursos do continente e as instituições financeiras internacionais que propuseram programas de reestruturação das cujas consequências se revelaram "muitas vezes funestas". Depois da polémica sobre o preservativo, é pena que o império mediático não dê igual importância a este documento.
Ainda a propósito das declarações do Papa sobre o combate à sida, vale a pena referir que na manhã desta quinta-feira Bento XVI recebeu um grupo da Comunidade de Santo Egídio, promotora do projecto "Dream" (Sonho), de combate à sida. A reunião não estava no programa da visita e os pormenores podem ser lidos aqui - já que as agências internacionais também não ligaram ao assunto. A agência Ecclesia tem aliás, no mesmo endereço, um vasto dossiê de acompanhamento da visita do Papa aos Camarões e Angola, que vale a pena ir seguindo.
Podem também ler-se as impressões da Ana Isabel Costa, enviada da Antena 1 a Luanda no blogue alojado no site da RTP. E a partir desta sexta teremos ainda as reportagens de Manuel Vilas Boas na TSF.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Preservativo, parte dois
Urge repensar conceito de "bem comum"
A conclusão consta da declaração final do Simpósio CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano)-Misereor, celebrado em Roma nos dias 6 e 7 de março passados, intitulada "O bem comum global perante a escassez de recursos".
Preocupa-nos a velocidade das mudanças e a lentidão dos processos sociais frente a elas", acrescenta ainda a declaração final.
[Texto integral disponibilizado pela agência Zenit: AQUI].
Um falso problema
O Papa Bento XVI está desde ontem nos Camarões. Na viagem, a bordo do avião, fez declarações sobre a sida, dizendo que o preservativo não resolve a situação criada pela doença. Mas este pode ser um falso problema, como escrevo hoje no Público:
Há muito que o preservativo é um falso problema. Para muitos católicos que o utilizam como contraconceptivo e para muitas instituições católicas que o distribuem na luta contra a sida.
Ontem, o Papa não poderia dizer diferente do que disse, mantendo a doutrina sobre a qual, como dizia o teólogo Juan Masiá, não se sabe se havemos de rir ou chorar. A afirmação de que o preservativo não é eficaz parece ser contrariada pelos resultados de várias campanhas.
O último relatório da ONU sobre sida, ontem citado pela Lusa, diz que aumentou a utilização do preservativo entre jovens com vários parceiros e diminuiu a percentagem dos jovens que se iniciam sexualmente antes dos 15 anos - nos Camarões, onde Bento XVI está desde ontem, baixou de 35 para 14 por cento.
Masiá, que dirigiu cátedras de bioética católica em Madrid e no Japão, escreveu: "No caso - meio cómico, meio anacrónico - à volta do preservativo: não se sabe se havemos de rir ou chorar. Nem sequer tinha que ser problema. Não só como prevenção de contágio, mas como anticonceptivo corrente (...) A teologia moral há muito superou esse falso problema." Sabe-se que, na redacção da Humanae Vitae, a encíclica de Paulo VI sobre planeamento familiar, a tese maioritária não ganhou: as pressões da Cúria levaram o Papa a opor-se à contracepção "artificial".
Bento XVI pode ter razão noutra coisa: o preservativo não é "a" solução do problema da sida - embora seja a mais mediática. A directora do instituto angolano contra a sida, Dulcelina Serrano, afirmou ontem à Lusa que "comportamentos como a fidelidade e a abstinência também jogam um papel importante na redução de novas infecções".
Do total de instituições de combate à sida, 27 por cento são ligadas à Igreja Católica, de acordo com a OMS - um trabalho elogiado pelo director do ONU Sida, Peter Piot. Muitas delas distribuem o preservativo sem problema.
Sabe-se que a Cáritas Internacional está empenhada no apoio a crianças com sida. Que o Vaticano tem insistido na descida de preço dos medicamentos e já disse que as grandes farmacêuticas são "genocidas". E que a palavra do Papa, mesmo que favorável ao preservativo, não mudaria hábitos culturais e ancestrais em África, como a poligamia. Mas uma posição mais positiva e menos interditos poderia ajudar.
terça-feira, 17 de março de 2009
Bento XVI em África
Excerto de Opinião SIC Online, na véspera da viagem de Bento XVI a África
segunda-feira, 16 de março de 2009
SMS, Web, espiritualidade...
Este é o lead de um trabalho jornalístico que António Marujo escreve hoje no Público (P2). A mostrar que os media e a web são continentes bem mais ricos e surpreendentes do que aquilo que se poderia supor.
A ler: AQUI.
Motivos de leitura em "El País"
- A notícia da nova campanha dos bispos espanhóis contra a futura lei do aborto, que sugere que as espécies da fauna e da flora estão juridicamente mais protegidas do que a vida humana (cf.: "Los obispos denuncian que la vida humana está menos protegida que el medio ambiente")
- Uma entrevista do teólogo alemão Hans Küng (em Madrid para lançar o segundo volume das suas memórias, intitulado "Verdade controvertida"), que aborda as questões do poder e do serviço no interior da Igreja (cf.: "Roma siempre quiere llevar razón").
"Não vos conformeis com este mundo"
"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito."
São Paulo, Carta aos Romanos
domingo, 15 de março de 2009
Oração
Custa tanto, Sílvia, acreditar que esse silêncio, esse escuro dos ramos, vai trazer a exuberância e a plenitude e é ele próprio já exuberância e plenitude. Assim foi quando há dois anos nos despedimos. És tu - presença, anúncio e diafanidade - que nos fazes acreditar. Hoje "vemo-nos como num espelho. Um dia ver-nos-emos face a face" (1Cor 13,12).
Outros sinais do Vaticano
"Dalla parte della bambina brasiliana", assim se intitula um texto daquele arcebispo, Rino Fisichella, publicado ontem no Osservatore Romano, portador de um tom e de uma atitude que diferem bastante de outras posições oriundas do Vaticano
D. Rino Fisichella reitera, naturalmente, a posição de sempre da Igreja Católica: que o aborto provocado é intrinsecamente um mal e que quem nele colabora se coloca ipso facto fora da comunidade cristã.
Mas Carmen [nome fictício] "deveria ser antes de tudo defendida, acarinhada com doçura, para a levar a sentir que todos estavam com ela". E acrescenta: "Antes de pensar em excomunhão era necessário e urgente salvaguardar a sua vida inocente e elevá-la a um nível de humanidade do qual nós, homens da Igreja deveríamos ser peritos, anunciadores e mestres. Não foi isso que se passou e, infelizmente, a credibilidade do nosso ensino ressente-se, surgindo aos olhos de muitos como insensível, incompreensível e falho de misericórdia".
Mais adiante, acrescenta o presidente da Academia Pontifícia:
"Não havia necessidade de tanta urgência e publicidade em declarar um facto [a excomunhão latae sententiae] que actua de forma automática. Aquilo que mais falta faz neste momento é o sinal de um testemunho de proximidade com quem sofre, um acto de misericórdia que, ainda que mantendo firme o princípio, é capaz de olhar para além da esfera jurídica para conseguir o que a lei [canónica] prevê como objectivo da sua existência: o bem e a salvação de todos quantos acreditam no amor do Pai e de quantos acolhem o evangelho de Cristo como as crianças".
A propósito:
- Tomada de posição (de sentidos diversos) de vários bispos franceses, no dossier disponível no site da Conferência Nacional dos Bispos de França, sob o título: À propos du drame de la fillette du Recife.
- Posts vários do blog do pároco de Alagoinha, que acompanhou de perto todo este caso.
Saudades de Dom Hélder
Disse o bispo Dimas Lima Barbosa que a mãe da criança "agiu sob pressão dos médicos" e que era "necessário ter em conta as circunstâncias". Antes dele, já a própria CNBB viera repudiar "veementemente" o "ato insano" da violência sobre a menina-mãe.
Também do Vaticano veio uma crítica ao bispo. O presidente da Academia Pontifícia da Vida, Rino Fisichella, afirmou hoje, num artigo no L'Osservatore Romano, que "antes de pensar em exmomunhão, era necessário e urgente salvar a vida inocente" da menina, para lhe devolver "um nível de humanidade do qual os clérigos deveriam ser peritos e mestres".
"Não foi este o caso", escreveu o bispo Fisichella. "Infelizmente, a credibilidade do nosso ensinamento fica estilhaçada, uma vez que aparece, aos olhos de muitos, como insensível, incompreensível e falha de misericórdia".
Esta é uma boa notícia, depois de, num primeiro momento, o cardeal Giovanni Battista Re, ´prefeito da Congregação dos Bispos, ter dito que os gémeos tinham o "direito de viver" e que as críticas ao bispo de Olinda eram "injustificadas".
O arcebispo de Olinda-Recife, que pelos vistos não terá aprendido de Dom Hélder a compreensão e a compaixão, apressou-se a dizer que o aborto era um crime, dizendo que o aborto era "mais sério" do que o crime insano da violação. O bispo Dimas Lima Barbosa explicou sexta-feira que, no caso dos médicos, "só serão excomungados os que praticam o aborto sistematicamente".
Em Agosto fará 10 anos que Dom Hélder nos deixou. Que saudades da sua voz profética e meiga, da sua figura franzina e forte, da sua compaixão por todos os que sofriam! No longo poema à Virgem, a invocação a Mariama, da Missa dos Quilombos, Dom Hélder Câmara grita: "O mundo precisa fabricar é paz. Basta de injustiça. (...) Mariama, mãe querida: nem precisa ir tão longe como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e os pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico. (...) Um mundo de irmãos"...
No centenário de D. Hélder Câmara
Se fosse vivo, D. Hélder Câmara, um dos profetas maiores do século XX, teria feito 100 anos no passado dia 7 de Fevereiro. Nasceu em 1909, em Fortaleza. Foi bispo auxiliar do Rio de Janeiro e arcebispo de Recife e Olinda. Morreu no dia 27 de Agosto de 1999.
Conhecido no Brasil e em todo o mundo pela sua militância a favor dos direitos humanos, foi perseguido por causa da denúncia destemida da tortura e da miséria, chegando a ser acusado de comunista. Costumava dizer: "Se dou comida a um pobre, chamam-me santo; mas, se pergunto porque é pobre, chamam-me comunista."
Esteve na base da fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da criação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), bem como da Teologia da Libertação. Percorreu o mundo com conferências que contagiavam multidões.
Queria uma Igreja pobre, ao serviço dos pobres. Ele próprio deu o exemplo: no Recife, viveu 21 anos numa casa pequena e modesta, aberta a todos.
Conheci-o pessoalmente em Roma, em Outubro de 1974, por ocasião do III Sínodo dos Bispos. Foi uma conversa longa, publicada num caderno (esgotado) com o título Evangelho e Libertação Humana, donde retiro algumas declarações.
A Igreja precisa de renovação constante. "Tudo o que for sobrecarga, laço, prisão, criados pelos homens, tudo o que for tabu, tudo isso pode e deve ser raspado, como quem raspa o fundo de um barco. Quando penso na Igreja, eu me lembro da barca, não apenas de Pedro, porque a barca é do Cristo. Precisamos de raspar periodicamente o limo que se vai juntando no fundo do barco e inclusive substituir de vez em quando alguma tábua que apodrece."
Essa renovação embate com enormes dificuldades. "Eu cheguei como arcebispo a Recife, uma cidade do Nordeste brasileiro, uma das áreas subdesenvolvidas do país. Mesmo assim, eu recebi como casa uma casa já velha, mas enorme, com o nome de palácio. E dentro dele havia duas salas de trono: uma, mais solene, para as grandes recepções, e outra para o diário. Para receber todas as pessoas era um trono!... Pois bem! Eu levei seis meses para poder livrar-me da primeira sala e ano e meio para livrar-me da segunda!... Então, que cada um olhe em volta de si e veja como ainda está preso, por exemplo, pela sociedade de consumo. Como nós somos escravos da sociedade de consumo! Como é difícil arrancar-nos das estruturas!"
Para a transformação do mundo, acreditava em minorias conscientes e críticas que, a partir da subversão e conversão interior, lutassem, mediante a não-violência activa, por um mundo justo e fraterno. "Estas minorias já existem. Precisamos de unir estas minorias que desejam um mundo mais respirável, mais humano, uni-las dentro de uma mesma cidade, de uma região, de um país, de país a país, porque hoje, sobretudo com as multinacionais, com todo o complexo de poder económico, utilizando técnicas, meios de comunicação social, se infiltrando nos Governos, utilizando não raro militares, diante dessa força imensa, é impossível a um país sozinho construir uma sociedade mais humana."
Estávamos longe da queda do muro de Berlim. Mas, animado pela utopia da libertação, pensava que "um socialismo humano", cujo caminho "estamos tentando descobrir", era a via para a justiça. "Eu sei que há tentativas aqui e acolá, mas ainda se não chegou a um socialismo verdadeiramente humano que, longe de esmagar a pessoa, pelo contrário, de facto nos arranque das estruturas capitalistas, da engrenagem capitalista, mas não para meter-nos em novas engrenagens".
Foi um dos principais animadores do "Pacto das Catacumbas" - assinado por 40 Padres Conciliares, pouco antes do encerramento do Concílio Vaticano II, nas catacumbas de Roma. Nele, sublinha-se a pobreza evangélica da Igreja, sem títulos honoríficos nem ostentações mundanas. Como Povo de Deus, o seu governo assenta na colegialidade e co-responsabilidade. Insiste-se na abertura ao mundo, na transformação social e no acolhimento fraterno.
De certeza não teria excomungado, como fez há dias um sucessor, os responsáveis por aborto em menina de 9 anos, abusada pelo padrasto.
sexta-feira, 13 de março de 2009
Vaticano vai publicar documento sobre comunicação digital
introduzir a comunicação da Igreja no mundo do digital, segundo o presidente daquele Conselho Pontifício, o Arcebispo Cláudio Maria Celli.
O anúncio foi feito durante um seminário que está a decorrer em Roma, com a presença de Bispos de 80 países, entre os quais D. Manuel Clemente, que preside à Comissão para as Comunicações Sociais do Episcopado Português.
Em declarações à enviada da Renascença Aura Miguel, D. Manuel Clemente destacou o facto de os trabalhos terem revelado muitos contrastes, nomeadamente, entre o que se passa na Europa e nos Estados Unidos.
De acordo com o testemunho do Bispo do Porto, as várias intervenções deixaram a ideia que na Europa Ocidental há uma “certa resistência à presença pública da Igreja e dos seus comunicadores”, fruto de uma laicização “mais violenta” enquanto nos EUA se passa o contrário, havendo grande aceitação face às confissões religiosas e “o que às vezes não há é meios” para se fazerem ouvir.
[Fonte: Página 1 / Rádio Renascença]
quinta-feira, 12 de março de 2009
quarta-feira, 11 de março de 2009
Práticas abusivas...
(...) Entre as visíveis iniciativas mais exóticas e mediáticas - algumas usadas para alimentar egos e esconder acções publicitárias - há um trabalho contínuo de muitas instituições e organismos. Um trabalho silencioso, imprescindível, longe dos holofotes televisivos e das luzes de ribalta. Uns e outros são complementares, como é complementar a responsabilidade social das empresas. Mas é perversa a penalização dos menos visíveis.
Algumas superfícies comerciais que abriram as portas às preciosas campanhas do Banco Alimentar, que promovem a compra de bens alimentares para distribuir pelas instituições de solidariedade, fecharam as portas ao peditório da Caritas, que recolhe dinheiro para distribuir por quem mais precisa - das vítimas dos incêndios e da crise, às vítimas do tsunami da Ásia ou das cheias em Moçambique. Os voluntários da Caritas foram até impedidos de fazer o peditório nos parques de estacionamento. Consideram estes empresários que se trata de uma prática abusiva de solidariedade?
Excerto de artigo de Opinião SIC Online que pode ler na íntegra aqui
Um caso chocante nas terras de D. Helder Câmara
O arcebispo de Olinda e Recife, mal soube do caso, não hesitou: excomunhão para todos os envolvidos no aborto, desde logo os médicos e também a mãe. O confessado autor do estupro não sofre qualquer sanção canónica.
O caso desencadeia polémica nacional, com o presidente Lula, católico confesso, a demarcar-se da posição da Igreja e o arcebispo a retorquir-lhe que se aconselhe com algum teólogo e a salientar que as leis dos homens não estão acima das leis de Deus. O Vaticano sai em defesa do arcebispo, de resto bem apoiado no código de direito canónico, que prevê excomunhão latae sententiae para quem cometer ou colaborar num acto abortivo.
Como se chega a uma situação destas? Pergunta, e bem, o recém-nomeado arcebispo do Rio de Janeiro, a propósito do crime de violação e do aborto que se lhe seguiu. Mas a pergunta poderia ser igualmente formulada para o acto de excomunhão. Desde logo porque, por definição, só existe excomunhão se há comunhão. Ora, em nenhuma das muitas informações que li sobre este caso eu vi que houvesse qualquer vínculo entre os atingidos pela condenação e a Igreja Católica. Se for este o caso, o arcebispo de Olinda e Recife estaria, salvo melhor opinião, a cometer um abuso.
Mas a questão mais delicada e sensível prende-se com a medida em si. O bispo ficará certamente de consciência tranquila com o dever cumprido. Mas dar-se-á conta de que uma atitude deste teor perante um caso de tamanha complexidade, pode acarretar mais estragos e provocar mais escândalo do que o bem que pretende promover?
A quem exerce autoridade pede-se que tenha o sentido da proporcionalidade e do bom senso, para não provocar males maiores com as melhores das intenções.
Por isso, sabe bem ler estas sábias palavras do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Nordeste, D. Antônio Muniz, a propósito deste caso: “Eu sempre, ao invés de pensar em excomunhão, penso sempre na inclusão. Estamos no tempo de pensar em inclusão. Incluir a todos e a todas na luta pela vida para dar esperança à nossa sociedade”.
O saudoso D. Hélder Câmara não diria melhor.
Complementos:
- Nota da CNBB
- CNBB fala sobre menina violentada em Alagoinha
terça-feira, 10 de março de 2009
Tempo para respirar … e ver
Nos dias que correm, escasseia o tempo para a busca dessa luz interior. Não se pode dizer, genericamente falando, que seja “produto” que valha por aí além, no mercado dos valores dominantes. A “racionalidade instrumental” faz muita gente virar-se para outros lados tidos por prioritários.
A ânsia de vencer leva, hoje, a que se exerça fortíssima pressão, por parte de muitos pais, no sentido de antecipar o mais possível a aprendizagem das letras, dos números e das línguas e a investir até quase ao limite na sobre-ocupação do tempo das crianças – para que estejam ocupadas e para que se equipem com as ferramentas que favorecem o sucesso. É preciso (na maioria dos casos) ir por essa via para assegurar aquela média de génio que assegura entrar naquele curso que conta na bolsa dos valores simbólicos. A vida passa-se assim a esgaçar os dias, a trabalhar para a vitória, ainda que à revelia dos outros, se não à custa dos outros. E não se tem tempo para ser criança, para descobrir o mundo, para a traquinice ou até o erro. Não se tem tempo para viver, porque o tempo é para vencer.
O que está aqui em causa não é a estafada questão que opõe, entre nós, os que colocam o acento no ensino e nos conteúdos versus os que enfatizam a aprendizagem e os processos. Não é tão-pouco uma oposição de princípio a aprendizagens que podem valorizar os percursos individuais dos mais pequenos. É algo bem mais básico e essencial: é, ao fim e ao cabo, perguntarmo-nos em que medida essa cavalgada incessante não será também, e sobretudo, um sintoma: o de uma formação unidimensional.
Se escasseia o tempo para estarmos uns com os outros, para deixar fermentar e dar sentido às perguntas, descobertas e inquietações que as experiências e encontros nos trazem, como formar essa “visão interior” – essa espiritualidade, palavra puída que urge reinventar – que proporciona a “alfabetização” para ver o essencial?
É do tempo necessário à respiração que falo.
[Pagina 1, 09.3.09]
segunda-feira, 9 de março de 2009
Sem preconceito
A urgência de coesão atravessa plataformas e dinâmicas sociais. É um imperativo ético quando se multiplicam, dia-a-dia, dramas com repercussões imprevisíveis. Porque o momento não é para discussões inúteis, governo e instituições de solidariedade têm nesta "crise" a prova de fogo.
Este tempo impõe o fim dos preconceitos e a confiança que faz parcerias. Não cabe só ao governo resolver um problema que ultrapassa a política e a economia. O “tsunami” que invade o nosso estilo de vida requer a generosidade política, mas, acima de tudo, a mudança de paradigmas.
Se, na emergência da “crise”, se exige ao governo, mais do que nunca, a justa distribuição – reduzindo o “fosso”, travando remunerações insensatas, acabando com regalias imorais, regulando o tecido produtivo, actuando na salvaguarda dos postos de trabalho e das empresas, rectificando desvios, atenuando, como parceiro, o inevitável sofrimento das vítimas de um sistema económico-financeiro em redimensionamento… –, às instituições de solidariedade não pode deixar de se pedir a ousadia da denúncia e da co-responsabilidade.
Sem negar a caridade “assistencialista” e prioritária, IPSS’s, ONG’s e Misericórdias têm a vocação para a proximidade, agindo onde não chega(m) o(s) governo(s), promovendo o desenvolvimento familiar, a autonomia do indivíduo, a solidariedade como matriz de relacionamento, a participação como princípio de cidadania, a família como veículo para a mudança.
Grande parte destas instituições vive sustentada na Doutrina Social da Igreja, embora esta esteja ainda longe de ser um instrumento de trabalho. Escassamente assumida com convicção, a vocação para “capacitar” deve, para as instituições de inspiração cristã, ser a carta orientadora do presente, como nova epistola Paulina. O passado mostrou que os tempos de fragilidade humana são normalmente de “procura” e, por conseguinte, de um apressado e desonesto proselitismo que reforça dependências.
Neste tempo de impactos globais e globais medidas que fazem vacilar “doutrinas”, urge também a coragem de ver mais além, de forma arrojada e criativa, com propostas consistentes a longo prazo, começando na reflexão interna – “ser” e “estar” disponível – sobre a atitude que determinará uma alteração de comportamentos, dentro da própria estrutura eclesial. Acolhendo, incluindo, pondo fim a arcaicas limitações.
Um velho sábio, missionário do mundo, nascido na Europa, que estacionou na América do Sul depois de passar por África e pela Ásia, disse-me um dia, numa divertida discussão sobre a "luta de classes" e as ligações perigosas entre a política e a Igreja, que "o Evangelho é transparente, não tem camisola, por isso não lhe vistam fato de gala".
Media e Religião no Ecclesia
domingo, 8 de março de 2009
São Paulo e as mulheres
Nos casamentos, constato com satisfação que as noivas rejeitam como leitura da Missa um dos textos propostos, da Carta aos Efésios, atribuída a São Paulo. Diz assim: "As mulheres submetam-se aos seus maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher. Como a Igreja se submete a Cristo, assim as mulheres, aos maridos, em tudo."
Na Carta aos Colossenses, também se lê: "Esposas, sede submissas aos maridos, como convém no Senhor." E na Primeira Carta a Timóteo: "A mulher receba a instrução em silêncio, com toda a submissão. Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva." Na Primeira Carta aos Coríntios: "As mulheres estejam caladas nas assembleias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem ser submissas." Aí estão os textos fundamentais a partir dos quais São Paulo foi julgado como misógino e responsável pela situação de submissão das mulheres na Igreja e na sociedade. No entanto, tornou-se hoje claro que este preconceito repressivo e negativo é injusto. Quando comparamos a imagem que Paulo tem da mulher com a dos seus contemporâneos, concluímos mesmo, como escreve Stephen Tomkins, que Paulo é dos "escritores mais liberais da Antiguidade e que dificilmente merece uma crítica tão dura".
Na Grécia e em Roma, as mulheres não eram consideradas pessoas, não tendo, portanto, direitos. "Calar é a grande honra de uma mulher." Aristóteles escreveu que "o homem é por natureza superior e a mulher, inferior; ele domina e ela é dominada". Os homens judeus agradeciam diariamente a Deus não os ter criado mulher, e o testemunho de uma mulher não era aceite em tribunal. Lê-se no livro bíblico de Ben Sira: "Menos dano te causará a malvadez de um homem do que a bondade de uma mulher."
São Paulo fez uma experiência avassaladora, que transformou, de raiz, a sua vida: Deus não abandonou à morte Jesus crucificado. Que vale um morto? Que vale um crucificado? Então, se Deus o ressuscitou, não foi pelas suas qualidades. Assim, Deus está do lado dos abandonados e excluídos e, portanto, todos valem diante dele. Paulo intuiu e experienciou a dignidade infinita do ser humano, seja quem for. Daí ter escrito esta palavra decisiva, na Carta aos Gálatas: "Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo."
E tirou as conclusões práticas. Formou comunidades cristãs carismáticas. Reuniam-se em casa de um cristão para celebrar a Eucaristia. Quem presidia era o dono ou dona da casa, de tal modo que nada impede pensar que, no princípio, mulheres presidiram à celebração eucarística.O facto de Paulo se dirigir também a mulheres casadas com não cristãos indica que as recebia na comunidade enquanto autónomas, como os homens, independentemente dos maridos.
No último capítulo da Carta aos Romanos, saúda 16 homens e 8 mulheres. Lá aparecem Febe, que "também é diaconisa na igreja de Cêncreas"; Priscila, "minha colaboradora"; Maria, "que tanto se afadigou por vós"; Trifena e Trifosa, "que se afadigam pelo Senhor"; "a minha querida Pérside, que tanto se afadigou pelo Senhor". Merece menção especial uma apóstola: Júnia, "tão notável entre os apóstolos". Do confronto destes textos, conclui-se que Paulo não pode ser acusado de misoginia. O que se passa é que das 13 cartas que lhe são atribuídas, ele só é autor de 7: Primeira aos Tessalonicenses, 2 aos Coríntios, aos Filipenses, a Filémon, aos Gálatas, aos Romanos. As outras 6 - aos Colossenses, aos Efésios, Segunda aos Tessalonicenses, 2 a Timóteo, a Tito - são pseudopaulinas, isto é, dependem da "escola paulina", mas ele não é o seu autor. Ora, os passos citados, exigindo a subordinação e o silêncio da mulher, pertencem às pseudopaulinas. Quanto ao passo da Primeira Carta aos Coríntios, aceita-se hoje que é uma interpolação posterior, pois só assim se percebe que antes refira "a mulher que reza e profetiza".
O comportamento misógino e subordinado da mulher não se deve a Paulo, mas a outras lutas e influências.
O Deus antigo e o Deus novo
Na crónica deste Domingo no Público, frei
1.Nietzsche acusou, da forma mais veemente, o cristianismo de ser a “religião do sofrimento”, a inimiga dos prazeres da vida. Não gosto dessas classificações rotundas porque o cristianismo é uma história muito longa, de várias faces e fases, de vários paradigmas, como Hans Küng mostrou numa obra célebre (1). Para evitar equívocos, há mesmo quem fale de cristianismo no plural. Seja como for, Fátima – uma das marcas do nosso catolicismo – é acusada de religião dolorista. O que, para um cristão, pode haver de mais inaceitável, nessas e noutras expressões, é a convicção de que exista um Deus ofendido que nunca está satisfeito com nenhuma reparação. Seria um sádico que se alimentaria da prostração humana. Certos raciocínios teológicos fizeram do próprio sofrimento de Cristo a resposta a um Deus infinitamente ofendido que só podia satisfazer-se com uma reparação infinita.
Pode ter versões mais caseiras:
2. Ser sacrificado e sacrificar-se é um dado da experiência humana que pode ter sentidos aceitáveis e perversos, fora e dentro das religiões. De modo muito geral, o sacrifício pode ser definido como uma oferenda, animal ou vegetal, apresentada a Deus sobre o altar e subtraída, pela sua destruição parcial ou inteira, a qualquer uso profano.
O Antigo Testamento está marcado por muitas narrativas de sacrifício. O livro do Levítico fez a sua tipologia. Os profetas e os sábios criticaram a redução dos sacrifícios a actos puramente exteriores, contrapondo-lhes as atitudes interiores de entrega a Deus inseparável da prática da justiça e da misericórdia. Depois da destruição do Templo pelos romanos (70 d.C), a oferta dos sacrifícios, no judaísmo, foi substituída pela liturgia da Palavra.
No Novo Testamento, Jesus – criticado por andar em más companhias e não seguir as rigorosas observâncias do jejum – lembrou, aos seus acusadores, a preferência de Deus: “Eu quero misericórdia; não quero sacrifícios”. Jesus não procurou a morte nem esta era a vontade de Deus. Não tinha nenhum amor ao sacrifício, mas por amor, deu a vida toda. Ao pedir, ao Pai, perdão para aqueles que o condenavam à morte, matou, na sua morte, o ciclo da violência e da vingança. Testemunhou, em lágrimas de sangue, que é possível um mundo outro.
Na primeira leitura, o profeta Joel esclarece que os jejuns, as lágrimas e as lamentações não valem por si, mas apenas se exprimirem a conversão radical: “rasgai o vosso coração e não o vosso vestido”.
Num trecho do Evangelho, segundo S. Mateus, Jesus, perante um público que só pensa em recompensas, dá uma volta completa à religião exibicionista, destinada a mostrar quem era mais santo, mais digno de louvor pelas esmolas, jejuns, rezas e austeridades. A verdadeira religião é um segredo do coração, nosso e de Deus.
4. Neste Domingo, a ideologia do sacrifício recebe um golpe mortal. A figura da fé mais incondicional, da obediência mais cega foi sempre a de Abraão, assumida pelo judaísmo, pelo cristianismo e pelo islão.
Pouco interessa, aqui, saber se é uma personagem histórica, mítica, teológica ou uma construção de várias dimensões. Foi sempre muito inspiradora para a literatura, a música, o cinema, a espiritualidade e a teologia. Uns deleitam-se com a prontidão da sua fé e da sua obediência a Deus a ponto de, por Ele, sacrificar tudo, mesmo o único filho. Confesso que nunca achei muita graça nessa exaltação de um Deus déspota e de uma obediência cega. Este admirável filme de suspense deve entender-se a partir do desenlace: há deuses que exigem uma fé cega e sacrifícios humanos. Abraão acabou por descobrir que andava enganado. O sacrifício de Isaac marca a diferença entre o Deus antigo e o Deus novo: é o Deus antigo que pede a Abraão para sacrificar o seu filho; quando ele o vai fazer, o Deus novo impede-o. O fim do infanticídio ritual é uma das marcas da nossa civilização (R. Girard).
Tudo o que é
sábado, 7 de março de 2009
Os empresários não ajudam a pagar a crise?
Já sabíamos, de estudos feitos nos últimos anos, que a maior parte dos empresários portugueses não lia livros nem jornais, que muitos deles querem é lucros fáceis explorando imigrantes ou trabalho infantil, que outros usam ao limite trabalho temporário e precário. Agora, ficamos a saber que, afinal, a crise não é para todos - os patrões das maiores empresas do país não se sentem moralmente obrigados a participar nos sacrifícios que a todos são pedidos.
Escândalo não é a palavra certa. É de imoralidade e falta de princípios (solidariedade, exemplo, coerência) que se trata.
sexta-feira, 6 de março de 2009
Paulo citado por Sérgio Cortella
Mário Sérgio Cortella, à conversa com o humorista Jô Soares, cita a 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios – “tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente” – para resumir as “regras” criadas pelo homem a fim de resolver “três grandes problemas: o quero, o devo e o posso”.
“Há coisas que eu quero mas não devo, há coisas que eu devo mas não posso, há coisas que eu posso mas não quero”, explica o filósofo para concluir que o homem só consegue ter paz de espírito quando consegue dizer “o que quero é o que posso e devo”...
O filósofo brasileiro, “discípulo” de Paulo Freire, foi ao Programa do Jô apresentar o livro “Qual é a tua obra?”, falou de S. Paulo e da Ética.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Salvar Kenneth Morris
A notícia de Nieves San Martín, retirada da Zenit:
Estava fixada para hoje, 4 de março, a data de execução de Kenneth Morris, condenado à morte no Texas (EUA). A comunidade de Sant'Egidio enviou um pedido urgente ao governador e a outra entidade local.
Kenneth, afro-americano, analfabeto e pobre, como tantos do corredor da morte do Texas, completava 38 anos no mesmo dia em que estava fixada a execução. Dada a diferença horária, torna-se mais urgente seu convite a enviar pedidos de clemência, explica esta comunidade católica.
Ele tinha 23 anos quando foi condenado à morte, acusado de matar um homem no curso de um roubo, junto a mais dois cúmplices, dois primos, que, ao contrário, receberam condenações comuns, após fazer recair a culpa do homicídio inteiramente sobre ele. Kenneth, contudo, sempre jurou não ter sido o autor material do crime, continua dizendo a Comunidade de Sant'Egidio.
Quando a polícia o fez assinar a declaração de culpabilidade, ele não sabia de que se tratava e assinou «cegamente» sua própria condenação capital.
Não podendo pagar um bom advogado, ele não pôde defender-se adequadamente. Em 15 de abril de 2003, tinha fixada a data de sua execução, que foi detida apenas duas horas antes. Havia sido admitida uma apelação para verificar seu retardo mental, que efetivamente foi reconhecido.
Apesar disso, tal apelação foi inexplicavelmente rejeitada em todas as sucessivas fases do julgamento, por último, diante do Tribunal Superior, em 6 de outubro de 2008.
O pedido pode ser assinado facilmente através do site:
http://www.santegidio.org/it/pdm/news/ap_morris_2.htm
D. Natércia e a sua Dentuça
O bicho é o cúmulo da pacatez e por causa dela nunca houve qualquer problema com ninguém. Pelo contrário: se calha de alguém se meter com ela, não se ensaia nada para devolver a atenção com gestos de apreço e carinho.
Naquele sábado, já o escuro se fazia sentir, foi, como de costume, para o apeadeiro da terra, para apanhar o comboio. Sítio esconso e ermo, onde, àquela hora, mais ninguém começa viagem.
Mal entra no transporte, aparece-lhe o revisor que lhe pergunta se trazia a documentação do canino. Natércia sabe que, para viajar com o animal se deve fazer acompanhar dos respectivos documentos. Explica que, como nunca ninguém lhe pedira os papeis, se esquecera de os meter na bolsa. O homem não tem mais: intima a senhora a abandonar o comboio. De nada valeram os protestos, a chamada de atenção de que o sítio era escuro, que estava frio, que só haveria novo transporte uma hora depois. A tudo o interlocutor se mostrou insensível. E ela teve mesmo de sair.
Foi então que um casal com quem D. Natércia havia já trocado, noutra viagem, algumas palavras, apercebendo-se do que se passava, sai do comboio e fica ali a fazer companhia à senhora.
[Dois dias depois, ganhou coragem e foi à CP apresentar reclamação pela desumanidade do trato. E fez muito bem].
Leitura complementar: Lucas, 10, 25-37
quarta-feira, 4 de março de 2009
O género humano não pode surportar muita realidade
Go, go, go, said the bird: human kind
Cannot bear very much reality.
Time past and time future
What might have been and what has been
Point to one end, which is always present.
Four Quartets - T. S. Eliot
terça-feira, 3 de março de 2009
"Paira o risco de implosão social"
Patriarca e Mega Ferreira lêem a Carta a Filémon
São Paulo em cereais e carucos de eucalipto
segunda-feira, 2 de março de 2009
Ilda David’ pinta um vulcão chamado Paulo de Tarso
Interrogações e perplexidades
A este propósito, vale a pena ler com atenção as declarações do superior-geral daquela organização ao jornal suiço Le Courier, que originaram uma onda de interrogações, dentro e fora da Igreja. Aparentemente, o herarca não só não aceita que o Vaticano possa colocar como pré-condição a aceitação do 'acquis' do Vaticano II, como entende que isso seria "pôr o carro á frente dos bois".
Mas onde as posições são mais vincadas e sintomáticas é no que respeita à liberdade de consciência em religião, ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso. As palavras de D. Bernard Fellay:
"Existe uma grande confusão nos espíritos a este respeito. Evidentemente que, como qualquer ser humano, e para o bem da sociedade, nós desejamos viver em paz com todos os homens, nossos semelhantes. No plano religioso, desejamos responder com ardor ao desejo de Nosso Senhor: «Que todos sejam um», a fim de que não haja senão «um só rebanho e um só pastor». Se por ecumenismo se entender a procura deste tão nobre objectivo, nós estamos evidentemente a favor. Se, em contrapartida, se vir aí um caminho que não visa esta unidade fundamental, unidade que passa forçosamente por um olhar de verdade - aquele de que a Igreja Católica se considera ainda hoje a única detentora em toda a sua integralidade - então aí nós protestamos. De facto, aquilo que actualmente se vê é que o ecumenismo permanece num nível muito superficial de entendimento e de vida em sociedade, mas sem ir ao fundo das coisas".Ora aqui é que pode estar o que neste processo vejo de intrigante: é que, nesta matéria precisa, não sei se não existe mesmo comunhão de pontos de vista (provavelmente mais de natureza do que de grau) entre o que diz Fellay e o que diz Ratzinger. Não é tanto relativamente ao negacionismo que o problema é mais delicado, porque, aí, o Vaticano, por razões de diversa ordem, definiu uma posição clara. É na teologia e, mais especificamente, na eclesiologia, que a delicadeza do assunto se revela e que as interrogações e a perplexidade surgem. O tempo clarificará o que está a acontecer.