Imagem da curta metragem de animação
Uma Coisa Tão Pequenina, a exibir domingo, às 16h
Histórias
de hooligans ou de espiões, de um cardeal ou de mulheres, do Holocausto ou do
conflito do Médio Oriente, de danças, casamentos ou de mitos como o de que todos os judeus são ricos. Tudo isso integra a Judaica– 2ª Mostra de Cinema e Cultura,
que esta quinta-feira começa em Lisboa, no Cinema São Jorge, prolongando-se até
domingo.
“São
filmes que mostram a procura de identidade, que mostram como se chega a
descobrir que por vezes se é aquilo que odiávamos ou que devemos manter aquilo
que somos”, diz Elena Piatok, dinamizadora e organizadora da mostra, que teve em 2013 a sua
primeira edição.
Nesta
perspectiva estão desde logo os dois filmes do primeiro dia: às 19h, o
documentário polaco A Lua é Judia, sobre um hooligan que descobre as suas
raízes judaicas e aos poucos se vai aproximando do judaísmo; o filme será
seguido de um debate, com a participação de Francisco José Viegas e João
Medina. Às 21h30, O Atentado, do libanês Ziad Doueri, assinala a abertura
oficial da mostra e contará com a presença do realizador. “Teremos a
oportunidade de conhecer o cineasta (...) e de lhe colocar a questão que
consideramos encontrar-se no âmago desta obra-prima: Será que conhecemos quem
amamos?”, escreve Piatok no programa.
O
filme com que encerra este festival – O
Cardeal Judeu – conta a história de Jean-Marie Lustiger, filho de
emigrantes judeus polacos que, após ter abraçado a fé católica, acabou por
decidir ser padre e chegou a arcebispo de Paris e cardeal (o título original
significa, na realidade, O Mestiço de
Deus). Apesar disso, Lustiger manteve a sua identidade cultural judaica –
uma das cenas iniciais do filme é o jovem padre Jean-Marie a estudar hebraico e
a discutir com o pai sobre a sua identidade religiosa.
Após
a exibição do filme (pode
ver-se um pequeno excerto aqui), haverá um debate com a participação do rabi Eliezer
di Martino, da Comunidade Judaica de Lisboa, e do padre José Tolentino
Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Igreja
Católica.
Em
Maio de 2003, tive oportunidade de entrevistar o cardeal Lustiger, numa sua breve
passagem por Lisboa. Comecei a conversa (cuja versão integral está publicada em
Deus Vem a Público, ed. Pedra Angular) pelo
tema do seu livro A Promessa (ed.
Paulus),
onde ele fala precisamente da importância das raízes judaicas do cristianismo:
Não
só é importante, como necessário, porque isso faz parte da fé cristã. Não ver
as Escrituras na sua totalidade é ter um cristianismo truncado.
E há muitos cristãos que não conhecem as
suas origens?
Não
conhecem o Antigo Testamento nem conhecem, tão pouco, o Novo Testamento. Porque
se conhecessem o Novo Testamento, o Evangelho, teriam necessidade de procurar
conhecer a Bíblia, que é a Palavra de Deus.
Do
ponto de vista cristão, o problema da relação com o povo judeu é o teste da
verdade do amor a Cristo e da fé. Não é um problema de relação com alguém
estrangeiro. Não diria a mesma coisa do budismo ou do xintoísmo, ou desta ou
daquela religião pagã. Conhecer o judaísmo, para os cristãos, é conhecer quem é
o Cristo.
Isso traduz-se em quê?
Cantamos
o Magnificat, o cântico de Maria. O
que quer dizer: “A minha alma glorifica o Senhor, o meu espírito se alegra em
Deus meu Salvador. Ele recorda-nos o seu amor, a promessa feita a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre”?
De quem, de quê fala Maria? Porque é que, no dia de Ramos, a multidão diz
“Hossana, filho de David”? O que quer isso dizer? “Hossana” não é uma palavra
portuguesa… E quando dizemos “Cristo ressuscitou, aleluia”… porque dizemos
isso?
Somos,
portanto, obrigados a conhecer Cristo e conhecer a nossa fé. Os cristãos de
origem pagã ou de origem judaica são cristãos. Mas ambos estão
inter-relacionados com o próprio Evangelho. O problema actual não é o da
relação com os judeus, é o problema da fé dos cristãos.
Além
dos filmes, o programa d’a Judaica inclui ainda alguns debates e três sessões
especiais. A primeira, já esta quinta-feira, às 18h, sobre a Rede de Judiarias
de Portugal (com Jorge Patrão, Miriam Assor e Paulo Mendes Pinto); a segunda,
na sexta-feira, às 18h, sobre o escritor Richard Zimmler, que inclui a
curta-metragem O Espelho Lento e a
apresentação da reedição de A Sétima Porta.
A
última sessão especial decorre no sábado, às 15h, com uma homenagem a Jan
Karski. Judeu polaco, Karski integrou uma rede clandestina de oposição aos
nazis. Aos 28 anos, conseguiu infiltrar-se na máquina de extermínio nazi e veio
depois ao Ocidente contar aos líderes políticos o que vira. Está prometida a
presença de Ewa Wierzynska, directora do programa Jan Karski Missão Inacabada.
Sobre
a época da II Guerra Mundial e do Holocausto, será ainda exibido o documentário
O Último Voo de Petr Ginz, que relata a história de um rapaz que, aos 16 anos,
já tinha escrito cinco romances, vários contos e um diário sobre a ocupação
nazi de Praga, além de ter editado uma revista clandestina no gueto de
Theresienstadt e ter feito mais de 170 desenhos e pinturas. Petr Ginz morreu
nas câmaras de gás de Auschwitz.
Uma
excelente proposta para estes quatro dias lisboetas.
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