A intervenção do cardeal Walter Kasper no consistório de cardeais; o debate sobre o
acesso dos divorciados à comunhão; mulheres à frente de organismos da Cúria Romana
e um casal a presidir ao Conselho Pontifício para a Família?
“Devemos ser
honestos e admitir que, entre a doutrina da Igreja sobre o matrimónio e sobre a
família e as convicções vividas por muitos cristãos criou-se um abismo.” A
afirmação, sem rodeios, é do cardeal Walter Kasper, ex-presidente do Conselho
Pontifício para a Unidade dos Cristãos, no último consistório convocado pelo
Papa Francisco, e que reuniu dias 20 e 21 de Fevereiro, antes da cerimónia
formal de entrega do anel e barrete cardinalícios a 19 novos cardeais.
Na sua intervenção,
que mereceria depois um profundo agradecimento e elogio do Papa, o cardeal
Kasper enuncia cinco situações em que se poderia ultrapassar a proibição da
comunhão para os divorciados que voltaram a casar: “Não basta considerar o
problema só do ponto de vista e da perspectiva da Igreja como instituição
sacramental; precisamos de uma mudança de paradigma e devemos – como fez o bom
samaritano (Lc 10, 29-37) – considerar a situação também a partir da
perspectiva de quem sofre e pede ajuda.”
A intervenção pode ser lida aqui na íntegra (ou aqui, num resumo dos seus pontos essenciais). Nela, Walter Kasper
considerou que o ensino da Igreja aparece hoje, para muitos cristãos, como “distante da realidade e da vida”. E citou a
exortação Evangelii gaudium, do Papa
Francisco: “A família atravessa uma crise cultural profunda, como
todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos
vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da
sociedade.” (EG 66).
“Grandes dificuldades”, polémica entre cardeais
O cardeal alemão acrescentou que
muitas famílias se confrontam hoje com “grandes dificuldades”, referindo
especificamente situações como a “migração, fuga e afastamento”, as “condições
de miséria indignas do homem”, o “individualismo e o consumismo”, as “condições
económicas e de trabalho”. Para concluir: “O número daqueles que têm medo de
fundar uma família ou que fracassam na realização do seu projeto de vida
aumentou de modo dramático, como também o das crianças que não têm a sorte de
crescer em uma família ordenada.”, tal como há um “rápido crescimento das
famílias desagregadas, [que] parece ser uma tragédia ainda maior”. E por isso a
Igreja “é desafiada por essa situação”, disse.
Além do elogio que fez à intervenção
do cardeal Kasper, o Papa falou do tema de novo, na sua homilia da missa
matinal na Casa de Santa Marta. Falando do casamento e da sua beleza, Francisco
disse que “o amor muitas vezes fracassa” e apelou a que os cristãos sejam
capazes de “sentir a dor deste fracasso” e de “acompanhar as pessoas que
sofreram este fracasso do próprio amor.”. E apelou: “Não condenem! Caminhem com
eles.”
Apesar da intervenção do cardeal e
das intervenções do Papa, nada está resolvido. O próprio Walter Kasper disse
que compete ao “Sínodo em sintonia com o Papa” reflectir e tomar uma posição
sobre o tema. E, em clara oposição ao seu compatriota, está o actual prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Ludwig Müller, que já afirmou que “está em jogo o matrimónio como instituição divina” e que, “se o matrimónio
é indissolúvel, não pode ser dissolvido”.
O arcebispo de
Munique e Freising, cardeal Reinhard Marx, também declarou que a intervenção de
Kasper teve a discordância de vários cardeais. Aliás, o mesmo cardeal Marx
considerou de uma “prudência incompreensível” as reservas do consistório em que
o texto de Kasper fosse divulgado publicamente. Acabou por ser o jornal Il
Foglio, sábado passado, a publicá-lo na íntegra, antes da prometida edição em
livro. A polémica, bem como outras justificações de Müller
para a sua defesa da não dissolução do matrimónio, foi resumida aqui.
À margem desta
questão, surge uma outra: a do papel dos leigos católicos – e dos casais – num Sínodo
que vai debater questões da família e nas próprias estruturas do Vaticano que
tratam dessas questões. O cardeal Óscar Rodriguez Maradiaga, arcebispo de
Tegucigalpa (Honduras) e coordenador do grupo de oito conselheiros do Papa,
defendeu numa entrevista ao La Croix (aqui citada e
resumida), que seria natural um
casal presidir ao Conselho Pontifício para a Família. E, numa outra entrevista ao
jornal italiano Avvenire (órgão da
Conferência Episcopal Italiana), cuja síntese foi publicada aqui, o cardeal Walter
Kasper defendeu também que haja mulheres a presidir alguns conselhos
pontifícios e que as nomeações para organismos da Cúria poderiam ser temporárias,
evitando o “imobilismo clerical” e a dedicação dos bispos a tarefas burocráticas
em vez do múnus pastoral.
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