quinta-feira, 6 de março de 2014

O Papa, um homem normal, contra a globalização que condenou tantos a “morrer de fome”

A poucos dias de completar um ano sobre a data da sua eleição (13 de Março), o Papa Francisco deu uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera e ao argentino La Nación (que foi publicada nesta quarta-feira) na qual fala da questão dos abusos sexuais do clero e critica o actual modelo de globalização e de poder financeiro que se reduz a um “pensamento único”.
“A globalização salvou da pobreza muitas pessoas, mas condenou outras tantas a morrer de fome, porque com este sistema económico torna-se selectiva”, afirma ele na entrevista. “A globalização que a Igreja concebe assemelha-se não a uma esfera, na qual cada ponto é equidistante do centro e na qual, portanto, se perde a particularidade dos povos, mas a um poliedro, com as suas diferentes faces, através do qual cada povo conserva a própria cultura, língua, religião, identidade. A atual globalização ‘esférica’ económica, e sobretudo financeira, produz um pensamento único, um pensamento débil. No centro não está a pessoa humana, só o dinheiro.”
Em relação às críticas de que foi alvo por alguns sectores de professar a ideologia marxista, Francisco responde: “Nunca partilhei a ideologia marxista porque não é verdadeira, mas conheci muitas pessoas boas que professavam o marxismo.”

O Papa acrescenta que lhe agrada “estar entre as pessoas, junto de quem sofre, ir às paróquias” e que não lhe agrada “uma certa mitologia do Papa Francisco” nem que haja desenhos a representá-lo como “uma espécie de super-homem”. “O Papa é um homem que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como todos. Uma pessoa normal”, afirma.
A preparação do Sínodo dos Bispos sobre a Família é outro dos temas tratados. O Papa Francisco considera que “as discussões abertas e fraternas fazem crescer o pensamento teológico e pastoral”. E acrescenta que não tem “medo” disso, antes procura esse debate: “A questão não está em mudar a doutrina [sobre a família], mas de se ter mais profundidade e fazer com que a pastoral tenha em conta as situações e do que para as pessoas é possível fazer.” E sobre a questão da contracepção diz: “Tudo depende de como é interpretada a [encíclica] Humanae vitae. O próprio [Papa] Paulo VI, no fim, recomendava aos confessores muita misericórdia, atenção às situações concretas. Mas a sua genialidade foi profética, teve a coragem de ir contra a maioria, de defender a disciplina moral, de exercitar um travão cultural, de opor-se ao neomalthusianismo presente e futuro.”
O papel da mulher na Igreja leva o Papa a firmar que “é preciso sobretudo pensar que a Igreja tem o artigo feminino ‘a’: é feminina desde as origens.” E acrescenta: “O grande teólogo Urs von Balthasar trabalhou muito sobre este tema: o princípio mariano guia a Igreja juntamente com o princípio petrino. A Virgem Maria é mais importante do que qualquer bispo e de qualquer apóstolo. O aprofundamento teologal está em curso. O cardeal Rylko, com o Conselho [Pontifício] dos Leigos, está a trabalhar nesta direção com muitas mulheres especialistas em várias matérias.” Aliás, acrescenta que o livro que está a ler é Pedro e Madalena, de Damiano Marzotto, “sobre a dimensão feminina da Igreja”, que considera “um livro belíssimo”.
A entrevista pode ser lida em português numa tradução do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.


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