A
poucos dias de completar um ano sobre a data da sua eleição (13 de Março), o
Papa Francisco deu uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera e ao
argentino La Nación (que foi publicada nesta quarta-feira) na qual fala da
questão dos abusos sexuais do clero e critica o actual modelo de globalização e
de poder financeiro que se reduz a um “pensamento único”.
“A
globalização salvou da pobreza muitas pessoas, mas condenou outras tantas a
morrer de fome, porque com este sistema económico torna-se selectiva”, afirma
ele na entrevista. “A globalização que a Igreja concebe assemelha-se não a uma
esfera, na qual cada ponto é equidistante do centro e na qual, portanto, se
perde a particularidade dos povos, mas a um poliedro, com as suas diferentes
faces, através do qual cada povo conserva a própria cultura, língua, religião,
identidade. A atual globalização ‘esférica’ económica, e sobretudo financeira,
produz um pensamento único, um pensamento débil. No centro não está a pessoa
humana, só o dinheiro.”
Em
relação às críticas de que foi alvo por alguns sectores de professar a
ideologia marxista, Francisco responde: “Nunca partilhei a ideologia marxista
porque não é verdadeira, mas conheci muitas pessoas boas que professavam o
marxismo.”
O
Papa acrescenta que lhe agrada “estar entre as pessoas, junto de quem sofre, ir
às paróquias” e que não lhe agrada “uma certa mitologia do Papa Francisco” nem
que haja desenhos a representá-lo como “uma espécie de super-homem”. “O Papa é
um homem que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como todos. Uma pessoa
normal”, afirma.
A
preparação do Sínodo dos Bispos sobre a Família é outro dos temas tratados. O
Papa Francisco considera que “as discussões abertas e fraternas fazem crescer o
pensamento teológico e pastoral”. E acrescenta que não tem “medo” disso, antes
procura esse debate: “A questão não está em mudar a doutrina [sobre a família],
mas de se ter mais profundidade e fazer com que a pastoral tenha em conta as
situações e do que para as pessoas é possível fazer.” E sobre a questão da
contracepção diz: “Tudo depende de como é interpretada a [encíclica] Humanae vitae. O próprio [Papa] Paulo
VI, no fim, recomendava aos confessores muita misericórdia, atenção às
situações concretas. Mas a sua genialidade foi profética, teve a coragem de ir
contra a maioria, de defender a disciplina moral, de exercitar um travão
cultural, de opor-se ao neomalthusianismo presente e futuro.”
O
papel da mulher na Igreja leva o Papa a firmar que “é preciso sobretudo pensar
que a Igreja tem o artigo feminino ‘a’: é feminina desde as origens.” E
acrescenta: “O grande teólogo Urs von Balthasar trabalhou muito sobre este
tema: o princípio mariano guia a Igreja juntamente com o princípio petrino. A
Virgem Maria é mais importante do que qualquer bispo e de qualquer apóstolo. O
aprofundamento teologal está em curso. O cardeal Rylko, com o Conselho [Pontifício]
dos Leigos, está a trabalhar nesta direção com muitas mulheres especialistas em
várias matérias.” Aliás, acrescenta que o livro que está a ler é Pedro e Madalena, de Damiano Marzotto, “sobre
a dimensão feminina da Igreja”, que considera “um livro belíssimo”.
A
entrevista pode ser lida em português numa tradução do Secretariado Nacional da
Pastoral da Cultura.
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