25 de Abril, 40 anos
Texto
de Guilherme d’Oliveira Martins
D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto,
um dos rostos da crítica católica ao Estado Novo
(foto reproduzida daqui)
(Nota de agenda: neste sábado, dia 29, o Centro de Reflexão Cristã organiza um colóquio sobre Os católicos e o 25 de Abril, no qual intervêm os historiadores João Miguel Almeida e Luís Salgado de Matos, bem como Luísa Sarsfield Cabral, que foi presa pela PIDE. É a partir das 15h30, no CRC - Rua Castilho, 61 – 2.º D.to, em Lisboa)
Com
o fim da guerra, houve quem pensasse que os aliados iriam pressionar os países
ibéricos no sentido da democracia e do pluralismo. No entanto, as feridas
abertas pela guerra civil espanhola e o desenvolvimento da guerra fria
suscitaram entre os membros da Aliança Atlântica receios e cautelas especiais,
que se traduziram na manutenção dos regimes peninsulares. A «neutralidade
colaborante» portuguesa do final do conflito mundial, apesar de todas as
ambiguidades, serviu para legitimar «de facto» a continuidade de Salazar. As
esperanças alimentadas em 1945 foram diversificadas – desde os republicanos da
oposição tradicional moderada até ao Partido Comunista, passando pela pequena
oposição monárquica, que julgou ver então uma possibilidade de mudança de regime
(contando com a antiga ambiguidade do Presidente do Conselho). No entanto,
depressa se percebeu que tudo ficaria na mesma, apesar de equívocos
terminológicos, sem consequências práticas, que levariam Salazar a falar de
«democracia orgânica» e de «eleições livres como na livre Inglaterra».
O
certo é que, entre 1945 e 1958, sente-se uma evolução no sentido de integrar
progressivamente os católicos na transição centrada numa abertura gradual mas
audaciosa do sistema constitucional. A oposição republicana alimentava no seu
seio contradições significativas, que o tempo agravaria, em especial no domínio
da política ultramarina. Afinal, a República fora criada na sequência do
Ultimatum inglês e a memória desse ultraje estava ainda presente na abordagem
do tema colonial pela velha guarda do reviralho. O Partido Comunista
beneficiava da conjuntura internacional da guerra fria e tendia (até pelo
reconhecimento implícito da situação) a afirmar-se como a força mais
significativa da oposição. Note-se que a posição da Igreja Católica
relativamente à autodeterminação dos povos colonizados evoluiria muito (na
linha do que Mounier dissera em «L’Éveil de l’Afrique Noire»), até como
condição de consolidar a sua posição do terceiro mundo. Em 1958, a
transformação política mais importante que se registou foi o início do canto do
cisne da «frente nacional» que sustentava o Estado Novo, em que as Forças
Armadas e a Igreja desempenhavam um papel essencial. E o certo é que esses
apoios irão ser postos em causa definitivamente. E se usamos a palavra
«definitivamente», tal tem de ser interpretado à luz de uma tendência gradual,
com momentos de evolução lenta, alternando com outros mais rápidos (como na
eclosão da guerra colonial em 1961 ou nas crises estudantis).
O
abalo da “frente nacional”
Se
falamos de 1958, referimo-nos à candidatura à Presidência da República do
General Humberto Delgado e ao memorando enviado pelo Bispo do Porto, D. António
Ferreira Gomes, a Oliveira Salazar – que irão contribuir para que a «frente
nacional» seja fortemente abalada. Henrique Galvão e António Sérgio, duas
personalidades provindas de horizontes antagónicos (um, do grupo de militares
que implantou a ditadura militar em 28 de Maio de 1926, braço direito de
Salazar na Emissora Nacional; e o outro, prestigiado intelectual da renovação
republicana, referência da «Seara Nova»), que se tinham encontrado na oposição
ao Estado Novo, convergiram na defesa de que este apenas poderia ser
mortalmente atingido se os seus apoios fundamentais fossem abalados, a partir
de dentro. Daí a candidatura de Humberto Delgado, que o PCP não apoiou num
primeiro momento, e que tomaria uma dinâmica imparável, o que obrigaria os
comunistas e mudar de atitude, desistindo do seu candidato Arlindo Vicente. No
caso da Igreja Católica, a atitude do regime face a D. António Ferreira Gomes,
impedindo-o de regressar ao Porto (apesar de manter a dignidade episcopal),
torná-lo-á uma vítima e um dos símbolos do «aggiornamento» do Concílio Vaticano
II, no que este visava superar o eurocentrismo e assumir a compreensão dos
«sinais dos tempos» (que a encíclica «Pacem in Terris» e a constituição
«Gaudium et Spes» enfatizam).
António
Alçada Baptista representa na história cultural portuguesa um singular exemplo
que, ora tem sido reduzido injustamente a uma suposta ambição política, ora tem
sido alvo de manifesta desatenção relativamente a um real papel de intérprete
heterodoxo de uma cultura condicionada pela oscilação entre os mitos de todo o
mundo e ninguém. Nada mais enganador do que desvalorizar o seu lugar crucial na
preparação da democracia. Vindo de um meio conservador, com fortes raízes na
sociedade beirã, sendo destinado a um percurso tradicional de uma advocacia de
negócios e influência, depois de uma formação nos jesuítas, António Alçada
recusou esse destino, apesar de ter começado por sentir um sucesso possível nos
primeiros passos que começou a trilhar. Apesar de todas as resistências do
Estado Novo, o certo é que os ventos da modernização fizeram-se sentir. As
mentalidades, as influências, os debates, os autores, as tendências artísticas,
tudo vai mudar no final dos anos quarenta e cinquenta. Há tensões
contraditórias que a geração de Alçada Baptista vai interpretar. O «reviralho»,
a partir de 1945, sente uma evidente atração por quem tinha sido a grande
aliada dos Estados Unidos para pôr fim ao domínio do «eixo», a União Soviética.
Os temas sociais e o chamado neo-realismo vão ocupar um lugar proeminente. Nos
Estados Unidos, o «macartismo» e a caça às bruxas criarão um clima intolerável,
o que servirá para fortalecer, num primeiro momento, as simpatias intelectuais
relativamente às suas vítimas.
Para
um católico com preocupações críticas, os motivos da separação prendiam-se com
a confusão de uma cruzada política que acenava com os fantasmas do
anticlericalismo que tinham levado, em parte, ao fim da Primeira República.
Salazar sobrevivera em 1945 contra as expectativas de alguns, uma vez que a
«guerra-fria» evitara a liberalização a sério na Península Ibérica. Mas havia
mudanças, e António Alçada cedo começou a compreendê-las – até porque os
motivos de desconfiança iam-se acumulando mesmo nos meios conservadores. Os
monárquicos perceberam que a hipótese de uma restauração, acenada antes numa
base equívoca, tornara-se uma ilusão irrealizável no âmbito da «situação», até
por falta de vontade de Salazar e dos seus putativos delfins. O caso do Centro
Nacional de Cultura, fundado por jovens monárquicos em 1945, é ilustrativo –
evoluindo no sentido de uma atitude democrática e pluralista.
Denunciar
a “desordem estabelecida”
A
evolução no sentido da oposição ao regime correspondeu à soma de fatores
complexos e contraditórios – que levaram muitos monárquicos e católicos a
aproximar-se dos meios oposicionistas, numa perspetiva moderada ou até radical,
o que levaria ao alargamento do campo de ação cultural dos críticos do regime.
Há, assim, um forte contraste com o ambiente cultivado por António Ferro nos
alvores do regime. Depois de 1945, deixa de haver uma relativa cumplicidade com
meios culturais e artísticos… Entretanto, a Igreja Católica não podia deixar de
estar atenta ao Terceiro Mundo e à autodeterminação dos povos, ao lado da
crescente consciência dos problemas sociais e das desigualdades com
repercussões pastorais e teológicas. Haveria que denunciar a «desordem
estabelecida».
Logo
em 1945, houve esperança numa abertura. Alguns poucos católicos apostam na
democratização através do MUD. Aí encontramos Francisco Veloso, antigo
dirigente do Centro Académico da Democracia Cristã, de Coimbra, onde militara
Oliveira Salazar, além do Padre Joaquim Alves Correia, missionário espiritano,
de Sebastião José de Carvalho, monárquico liberal, e de José Vieira da Luz. O
Padre Abel Varzim fora afastado do lugar de deputado à Assembleia Nacional no
final da legislatura de 1938 a 1942, por impossibilidade de ter eficácia nos
seus alertas sociais, tendo depois os membros da Liga Operária Católica (LOC)
abandonado os postos diretivos dos sindicatos nacionais. Há ecos de que o Padre
A. Varzim teria sondado algumas personalidades católicas para a eventual
criação de um Partido Democrata-Cristão. Em 1946, o Padre Joaquim Alves Correia
é exilado nos Estados Unidos depois de ter publicado no jornal «República» um
artigo sobre a «noite sangrenta» de 1921. Entretanto, a publicação do jornal «O
Trabalhador», da Ação Católica Operária, é suspensa no mesmo ano. Na campanha
eleitoral de 1949, em que concorre o General Norton de Matos contra o
Presidente Carmona, um jovem católico, assistente da Faculdade de Direito de
Coimbra, Orlando de Carvalho, afirma: «A Ditadura porque não é um sistema de
governo, mas um interregno na vida política normal (…) não tem de pensar em
como renovar-se, em como subsistir, mas apenas em como findar e o mais depressa
que puder (…). O único critério que até hoje me pareceu suficiente de renovação
é o critério do povo, da consulta popular sincera» («Diário Popular», 24.1.49).
Em resultado destas declarações, o jovem vê suspenso o seu contrato de segundo
assistente na Faculdade.
Os
sinais são vários. Em 1950, o Padre Abel Varzim organiza em Lisboa o I
Congresso dos Homens Católicos, a que assiste o Ministro da Justiça, Manuel
Cavaleiro de Ferreira; no entanto, este abandonará os trabalhos em virtude das
intervenções, tendo havido pressões, por exemplo, relativamente a José
Sebastião Silva Dias, para aligeirar os reparos críticos. Em 1951, Manuel
Bidarra de Almeida será afastado da direção da Ação Católica, em virtude de uma
intervenção contra a «situação» no Congresso Internacional Católico de Lisboa.
Em 1953, Adérito Sedas Nunes e Maria de Lourdes Pintasilgo protagonizam o
Congresso da JUC em que o movimento conhece uma profundíssima renovação, com
consequências no «compromisso social» e na realização de inquéritos sobre a
situação dos portugueses. Sente-se a influência do assistente nacional da
organização universitária, o Padre Dr. António dos Reis Rodrigues (futuro bispo
de Madarsuma). Em 1955, o I Congresso da JOC suscita suspeitas e desconfianças,
uma vez que o regime teme que Abel Varzim se prepare para fundar o Partido
Democrata-Cristão – por isso, a censura recebe orientações para fazer passar
despercebida a iniciativa na imprensa. Em 1956, João Salgueiro é eleito
presidente da JUC e é criado o jornal «Encontro». Entretanto, diversos membros
da JUC contestam, em Coimbra e Lisboa, o Decreto-Lei 40.900, de 12 de Dezembro,
por restringir os direitos das Associações de Estudantes. A denúncia
prolongar-se-á, envolvendo o futuro Presidente Geral da JUC, João Bénard da
Costa (1957-58) e Carlos Portas, Presidente da Associação de Estudantes de
Agronomia e Presidente diocesano da JUC. É o tempo em que o «Encontro» ganha
protagonismo crítico – sendo Pedro Tamen chefe de redação e envolvendo Nuno
Cardoso Peres (que viria a professar como dominicano, Frei Mateus Peres, O.
P.), Cristovam Pavia, Nuno Bragança, Nuno Portas, José Domingos Morais, José
Escada e M. S. Lourenço. Este será o grupo que acompanhará Alçada na sua
editora.
“Que não desistam de pensar”
Pode
dizer-se que, a partir do ano emblemático de 1958, António Alçada Baptista deu,
nos meios culturais (demarcando-se do jacobinismo e do coletivismo), com a
Livraria Morais e depois com a revista «O Tempo e o Modo», contributo decisivo
para o termo da chamada «frente nacional» de Salazar, do mesmo modo que deram,
nos meios militares, a candidatura presidencial do General Humberto Delgado,
antigo símbolo das Forças Armadas fiéis ao regime, e, na Igreja Católica, o
memorando do Bispo do Porto dirigido ao Presidente do Conselho. Estava, no
fundo, em causa o que afirmaria na «Peregrinação Interior»: «Peço e insisto com
os senhores especialistas de povos e planificadores de impérios que não se deem
por contentinhos com o trabalho que estão a fazer e peço a todos os incomodados
do mundo que não desistam de pensar como é que isto se pode consertar».
Importa,
deste modo, referir o papel desempenhado pela Livraria Moraes. António Alçada
Baptista lançou, exatamente em 1958, o projeto renovador da Moraes, que
acompanhará as profundas mudanças que se verificavam e anunciavam. Tratou-se de
criar um movimento de opinião centrado em leigos católicos (com apoio de alguns
clérigos) capaz de seguir e concretizar o programa de Emmanuel Mounier de unir
católicos e não católicos no combate contra a «desordem estabelecida», que o
mesmo seria dizer, romper com a cumplicidade da Igreja Católica em relação ao
regime de Salazar. Assim, ao contrário do que muitas vezes se pretende, como se
disse, a ideia fundamental de António Alçada Baptista não tem a ver com a
criação de um Partido Democrata-Cristão. Para o desmentir, basta ler-se
atentamente os textos publicados nas coleções «O Tempo e o Modo» e «Círculo do
Humanismo Cristão». E percebe-se que está em causa algo de muito diferente – o
que altera totalmente a ideia de que Alçada Baptista viu derrotado o seu
projeto político. O que AAB desejava era encontrar uma convergência de
movimentos e opiniões que permitisse uma transição pacífica de contornos
abertos e cosmopolitas, segundo a lógica das democracias ocidentais. A ligação
ao Congresso para a Liberdade da Cultura (e o forte papel desempenhado por
Pierre Emmanuel) é um sinal dessa orientação. Trata-se de tornar ativo, em
Portugal, um grupo de intelectuais sem vocação partidária ou até cristã. Do
mesmo modo, a ideia, não concretizada de «O Pacto», influenciada pela
comunidade de Mounier nos arredores de Paris, também nada tem a ver com um
movimento político. É certo que, aquando da fundação de «O Tempo e o Modo»,
Mário Soares, Salgado Zenha e Jorge Sampaio participam. E Mário Soares
pretendia que AAB fosse a personalidade aglutinadora de uma corrente política
democrata-cristã – no entanto esse entendimento deparava com a posição
contrária do próprio António Alçada Baptista e da maioria dos seus companheiros
(para quem não deveria haver uma política cristã, mas cristãos livres, sem
movimentos confessionais, na política).
Recorde-se o poema de Ruy Belo, que no seu
início diz: «Nós os vencidos do catolicismo / que não sabemos já donde a luz
mana / haurimos o perdido misticismo / nos acordes dos carmina burana // Nós
que perdemos a luta da fé / não é que no mais fundo não creiamos / mas não
lutamos já firmes e a pé / nem nada impomos do que duvidamos». Sentimos, com
muita nitidez, o ambiente geral do tempo observado. E há um drama evidente, que
tem a ver com a claustrofobia sentida numa sociedade que, sem pluralismo,
tendia a separar as opções entre o nosso e o contra nós. Aliás, é a mistura
entre o ambiente político dos dias finais da autocracia com a crise da Igreja
pós-conciliar que torna especialmente dramática a situação portuguesa. Afinal,
como afirma o Padre Manuel Antunes, não estamos perante uma questão puramente
portuguesa, apesar de ganhar aqui (como em Espanha) contornos especiais em
razão dos constrangimentos políticos existentes. Daí que entre os católicos os
acontecimentos que a obra refere tenham sido sentidos como ferida aberta, em
carne viva – facto bem simbolizado não só na fotografia do Engº Francisco Lino
Neto, com a cabeça ensanguentada, depois de ser atingido pela polícia de choque
na manifestação de apoio ao General Delgado, mas também nos doloridos poemas de
Ruy Belo da fase final. E o poeta dirá, profeticamente: «a história do
catolicismo português atual, a fazer um dia, não pode deixar de ser uma
história dolorosa». Aliás, a afirmação «não é que no mais fundo não creiamos»
revela um carácter de escolha decisiva, que leva o poeta, bem como o Padre José
Felicidade Alves, de modo diferente, a uma corajosa demarcação de posições.
Nada poderia continuar na mesma. A conciliação confundia-se com traição, e isso
era impensável. Afinal, lidas as Escrituras, o escândalo da contradição era
enorme e insofismável. «Nesta vida é que nós acreditamos / e no homem que dizem
que criaste / se temos o que temos o jogamos / “Meu deus meu deus porque me
abandonaste?”». Sente-se a dúvida e a revolta… Como afirma Sérgio Campos Matos:
«A modernidade passava também por uma espiritualidade renovada, liberta de
dogmas e constrangimentos, aberta aos problemas humanos concretos, ao pulsar da
vida, às culturas de protesto que a juventude dos anos 60 ia difundindo numa
sociedade bloqueada. Compreende-se que, por essa época, a ‘crise da Igreja’ e
até mesmo a ‘crise da civilização’ (P. Manuel Antunes) fizessem parte do léxico
dos católicos que ousavam adotar um pensamento crítico». Se João Miguel de
Almeida em “A Oposição Católica ao Estado Novo” nos faz uma descrição histórica
passo a passo desse tempo, Jorge Revez, em «Os “Vencidos do Catolicismo” –
Militâncias e Atitudes Críticas (1958-1974)», analisa o drama, centrado em dois
caminhos individuais e na sua inserção na história portuguesa. Daí a
interrogação sobre o «vencidismo», mesmo entendendo-se que não há uma geração
com coerência intrínseca, nem um projeto marcado.
O “aggiornamento” e o “descomprometimento”
da Igreja
É o tempo do «aggiornamento» que levará ao
Concílio Vaticano II e que coincidirá com o progressivo «descomprometimento» da
Igreja Católica com o Estado Novo. No Concílio intervêm D. António Ferreira
Gomes e D. Sebastião Soares de Resende. Em 1959, diversos católicos (como
Manuel Serra) participam na tentativa de golpe da Sé. Recordem-se, aliás, o
documento de Francisco Lino Neto «Considerações dum Católico sobre o Período
Eleitoral» (Junho de 1958), os abaixo-assinados de 1959 e o «manifesto dos 101»
(de Outubro de 1965). Trata-se de textos fundamentais sobre a necessidade da
democratização, sobre a polícia política e sobre a autodeterminação dos povos
de África. No último caso, Nuno Bragança empenhou-se pessoalmente em assegurar
que o Cardeal Cerejeira recebesse no Vaticano, onde se encontrava, um pedido
para não desautorizar os católicos signatários desse documento que punha o dedo
na ferida dos temas do pluralismo e do futuro de África. De facto, o Prelado
recebeu o empenho e não pôs em causa diretamente os católicos signatários, o
que os deixou satisfeitos, indo António Alçada Baptista ao Aeroporto da Portela
para receber o Cardeal em sinal de reconhecimento.
A ida do Papa Paulo VI ao Congresso Eucarístico
de Bombaim (1964) gera forte polémica. Em 1965, o fecho da Sociedade Portuguesa
de Escritores leva a que o CNC, sob a presidência de Sophia de Mello Breyner,
acolha os autores espoliados da sua associação. Nasce entretanto o «Direito à
Informação» (com Maria Natália e Nuno Teotónio Pereira, António Jorge Martins e
Frei Bento Domingues), e verifica-se que são os cristãos a colocar com maior
ênfase a questão colonial e a autodeterminação… «Tenho uma dor chamada Portugal
/ país defunto talvez unto para nações vivas / Portugal meu país de desistentes
/ terra mordida por soares dos reis / por antero camilo ou trindade coelho /
Suicidou-se nestes homens o país / um país de província Portugal…». Assim se
exprime Ruy Belo. É uma reflexão do português e do cristão. E António Alçada
sublinha a contradição dramática: «Falou-se então na morte de Deus. Na verdade,
era necessário que esse Deus morresse porque estava a tomar o lugar de um outro
que se confundia com o mistério da nossa liberdade que é também a consciência
de enfrentar um mistério que é a essência do novo Deus que se anunciava»… Jorge
Revez procura dar-nos a chave do que, para si, está em causa, unindo os temas
ligados: «o vencidismo desses católicos foi, provavelmente, o resultado ou a
expressão de um processo de deslocação cuja movimentação principal seria a da
secularização, em que, inconformados com a estrutura religiosa de que faziam
parte e face às novas dimensões da experiência humana com as quais vinham
contactando, optaram pela rutura». Quando Sophia de Mello Breyner Andresen diz
na vigília da Paz de 1969 «vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar», é o
alerta em nome da liberdade que se ouve. Estamos perante a recusa do fatalismo.
O «rompimento é também, em última análise, uma busca de autenticidade na
vivência de uma fé que muitas vezes não se esvaziou por completo, apesar do
anterior denominador comum, a igreja, nos finais dos anos 60, ter perdido a sua
capacidade mobilizadora e envolvente no quadro da experiência religiosa». O
fenómeno é, assim, amplo, tendo a ver com a secularização e com a modernização
(política e social) do País, mas também de um nova exigência de espiritualidade
e de defesa da dignidade da pessoa humana. Estamos diante de uma Igreja em
busca de recomposição.
(subtítulos da responsabilidade do RELIGIONLINE)
(Próximo texto, dia 1 de Abril: Documentos de um desencontro — O caso do padre Felicidade Alves )
(Próximo texto, dia 1 de Abril: Documentos de um desencontro — O caso do padre Felicidade Alves )
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