sexta-feira, 28 de março de 2014

Os católicos na luta contra a ditadura (2) - Testemunho sobre a resistência dos cristãos

25 de Abril, 40 anos
Texto de Guilherme d’Oliveira Martins


D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, 
um dos rostos da crítica católica ao Estado Novo 
(foto reproduzida daqui)

(Nota de agenda: neste sábado, dia 29, o Centro de Reflexão Cristã organiza um colóquio sobre Os católicos e o 25 de Abril, no qual intervêm os historiadores João Miguel Almeida e Luís Salgado de Matos, bem como Luísa Sarsfield Cabral, que foi presa pela PIDE. É a partir das 15h30, no CRC - Rua Castilho, 61 – 2.º D.to, em Lisboa)

Com o fim da guerra, houve quem pensasse que os aliados iriam pressionar os países ibéricos no sentido da democracia e do pluralismo. No entanto, as feridas abertas pela guerra civil espanhola e o desenvolvimento da guerra fria suscitaram entre os membros da Aliança Atlântica receios e cautelas especiais, que se traduziram na manutenção dos regimes peninsulares. A «neutralidade colaborante» portuguesa do final do conflito mundial, apesar de todas as ambiguidades, serviu para legitimar «de facto» a continuidade de Salazar. As esperanças alimentadas em 1945 foram diversificadas – desde os republicanos da oposição tradicional moderada até ao Partido Comunista, passando pela pequena oposição monárquica, que julgou ver então uma possibilidade de mudança de regime (contando com a antiga ambiguidade do Presidente do Conselho). No entanto, depressa se percebeu que tudo ficaria na mesma, apesar de equívocos terminológicos, sem consequências práticas, que levariam Salazar a falar de «democracia orgânica» e de «eleições livres como na livre Inglaterra».

O certo é que, entre 1945 e 1958, sente-se uma evolução no sentido de integrar progressivamente os católicos na transição centrada numa abertura gradual mas audaciosa do sistema constitucional. A oposição republicana alimentava no seu seio contradições significativas, que o tempo agravaria, em especial no domínio da política ultramarina. Afinal, a República fora criada na sequência do Ultimatum inglês e a memória desse ultraje estava ainda presente na abordagem do tema colonial pela velha guarda do reviralho. O Partido Comunista beneficiava da conjuntura internacional da guerra fria e tendia (até pelo reconhecimento implícito da situação) a afirmar-se como a força mais significativa da oposição. Note-se que a posição da Igreja Católica relativamente à autodeterminação dos povos colonizados evoluiria muito (na linha do que Mounier dissera em «L’Éveil de l’Afrique Noire»), até como condição de consolidar a sua posição do terceiro mundo. Em 1958, a transformação política mais importante que se registou foi o início do canto do cisne da «frente nacional» que sustentava o Estado Novo, em que as Forças Armadas e a Igreja desempenhavam um papel essencial. E o certo é que esses apoios irão ser postos em causa definitivamente. E se usamos a palavra «definitivamente», tal tem de ser interpretado à luz de uma tendência gradual, com momentos de evolução lenta, alternando com outros mais rápidos (como na eclosão da guerra colonial em 1961 ou nas crises estudantis).

O abalo da “frente nacional”

Se falamos de 1958, referimo-nos à candidatura à Presidência da República do General Humberto Delgado e ao memorando enviado pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Oliveira Salazar – que irão contribuir para que a «frente nacional» seja fortemente abalada. Henrique Galvão e António Sérgio, duas personalidades provindas de horizontes antagónicos (um, do grupo de militares que implantou a ditadura militar em 28 de Maio de 1926, braço direito de Salazar na Emissora Nacional; e o outro, prestigiado intelectual da renovação republicana, referência da «Seara Nova»), que se tinham encontrado na oposição ao Estado Novo, convergiram na defesa de que este apenas poderia ser mortalmente atingido se os seus apoios fundamentais fossem abalados, a partir de dentro. Daí a candidatura de Humberto Delgado, que o PCP não apoiou num primeiro momento, e que tomaria uma dinâmica imparável, o que obrigaria os comunistas e mudar de atitude, desistindo do seu candidato Arlindo Vicente. No caso da Igreja Católica, a atitude do regime face a D. António Ferreira Gomes, impedindo-o de regressar ao Porto (apesar de manter a dignidade episcopal), torná-lo-á uma vítima e um dos símbolos do «aggiornamento» do Concílio Vaticano II, no que este visava superar o eurocentrismo e assumir a compreensão dos «sinais dos tempos» (que a encíclica «Pacem in Terris» e a constituição «Gaudium et Spes» enfatizam).

António Alçada Baptista representa na história cultural portuguesa um singular exemplo que, ora tem sido reduzido injustamente a uma suposta ambição política, ora tem sido alvo de manifesta desatenção relativamente a um real papel de intérprete heterodoxo de uma cultura condicionada pela oscilação entre os mitos de todo o mundo e ninguém. Nada mais enganador do que desvalorizar o seu lugar crucial na preparação da democracia. Vindo de um meio conservador, com fortes raízes na sociedade beirã, sendo destinado a um percurso tradicional de uma advocacia de negócios e influência, depois de uma formação nos jesuítas, António Alçada recusou esse destino, apesar de ter começado por sentir um sucesso possível nos primeiros passos que começou a trilhar. Apesar de todas as resistências do Estado Novo, o certo é que os ventos da modernização fizeram-se sentir. As mentalidades, as influências, os debates, os autores, as tendências artísticas, tudo vai mudar no final dos anos quarenta e cinquenta. Há tensões contraditórias que a geração de Alçada Baptista vai interpretar. O «reviralho», a partir de 1945, sente uma evidente atração por quem tinha sido a grande aliada dos Estados Unidos para pôr fim ao domínio do «eixo», a União Soviética. Os temas sociais e o chamado neo-realismo vão ocupar um lugar proeminente. Nos Estados Unidos, o «macartismo» e a caça às bruxas criarão um clima intolerável, o que servirá para fortalecer, num primeiro momento, as simpatias intelectuais relativamente às suas vítimas.

Para um católico com preocupações críticas, os motivos da separação prendiam-se com a confusão de uma cruzada política que acenava com os fantasmas do anticlericalismo que tinham levado, em parte, ao fim da Primeira República. Salazar sobrevivera em 1945 contra as expectativas de alguns, uma vez que a «guerra-fria» evitara a liberalização a sério na Península Ibérica. Mas havia mudanças, e António Alçada cedo começou a compreendê-las – até porque os motivos de desconfiança iam-se acumulando mesmo nos meios conservadores. Os monárquicos perceberam que a hipótese de uma restauração, acenada antes numa base equívoca, tornara-se uma ilusão irrealizável no âmbito da «situação», até por falta de vontade de Salazar e dos seus putativos delfins. O caso do Centro Nacional de Cultura, fundado por jovens monárquicos em 1945, é ilustrativo – evoluindo no sentido de uma atitude democrática e pluralista.

Denunciar a “desordem estabelecida”

A evolução no sentido da oposição ao regime correspondeu à soma de fatores complexos e contraditórios – que levaram muitos monárquicos e católicos a aproximar-se dos meios oposicionistas, numa perspetiva moderada ou até radical, o que levaria ao alargamento do campo de ação cultural dos críticos do regime. Há, assim, um forte contraste com o ambiente cultivado por António Ferro nos alvores do regime. Depois de 1945, deixa de haver uma relativa cumplicidade com meios culturais e artísticos… Entretanto, a Igreja Católica não podia deixar de estar atenta ao Terceiro Mundo e à autodeterminação dos povos, ao lado da crescente consciência dos problemas sociais e das desigualdades com repercussões pastorais e teológicas. Haveria que denunciar a «desordem estabelecida».

Logo em 1945, houve esperança numa abertura. Alguns poucos católicos apostam na democratização através do MUD. Aí encontramos Francisco Veloso, antigo dirigente do Centro Académico da Democracia Cristã, de Coimbra, onde militara Oliveira Salazar, além do Padre Joaquim Alves Correia, missionário espiritano, de Sebastião José de Carvalho, monárquico liberal, e de José Vieira da Luz. O Padre Abel Varzim fora afastado do lugar de deputado à Assembleia Nacional no final da legislatura de 1938 a 1942, por impossibilidade de ter eficácia nos seus alertas sociais, tendo depois os membros da Liga Operária Católica (LOC) abandonado os postos diretivos dos sindicatos nacionais. Há ecos de que o Padre A. Varzim teria sondado algumas personalidades católicas para a eventual criação de um Partido Democrata-Cristão. Em 1946, o Padre Joaquim Alves Correia é exilado nos Estados Unidos depois de ter publicado no jornal «República» um artigo sobre a «noite sangrenta» de 1921. Entretanto, a publicação do jornal «O Trabalhador», da Ação Católica Operária, é suspensa no mesmo ano. Na campanha eleitoral de 1949, em que concorre o General Norton de Matos contra o Presidente Carmona, um jovem católico, assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Orlando de Carvalho, afirma: «A Ditadura porque não é um sistema de governo, mas um interregno na vida política normal (…) não tem de pensar em como renovar-se, em como subsistir, mas apenas em como findar e o mais depressa que puder (…). O único critério que até hoje me pareceu suficiente de renovação é o critério do povo, da consulta popular sincera» («Diário Popular», 24.1.49). Em resultado destas declarações, o jovem vê suspenso o seu contrato de segundo assistente na Faculdade.

Os sinais são vários. Em 1950, o Padre Abel Varzim organiza em Lisboa o I Congresso dos Homens Católicos, a que assiste o Ministro da Justiça, Manuel Cavaleiro de Ferreira; no entanto, este abandonará os trabalhos em virtude das intervenções, tendo havido pressões, por exemplo, relativamente a José Sebastião Silva Dias, para aligeirar os reparos críticos. Em 1951, Manuel Bidarra de Almeida será afastado da direção da Ação Católica, em virtude de uma intervenção contra a «situação» no Congresso Internacional Católico de Lisboa. Em 1953, Adérito Sedas Nunes e Maria de Lourdes Pintasilgo protagonizam o Congresso da JUC em que o movimento conhece uma profundíssima renovação, com consequências no «compromisso social» e na realização de inquéritos sobre a situação dos portugueses. Sente-se a influência do assistente nacional da organização universitária, o Padre Dr. António dos Reis Rodrigues (futuro bispo de Madarsuma). Em 1955, o I Congresso da JOC suscita suspeitas e desconfianças, uma vez que o regime teme que Abel Varzim se prepare para fundar o Partido Democrata-Cristão – por isso, a censura recebe orientações para fazer passar despercebida a iniciativa na imprensa. Em 1956, João Salgueiro é eleito presidente da JUC e é criado o jornal «Encontro». Entretanto, diversos membros da JUC contestam, em Coimbra e Lisboa, o Decreto-Lei 40.900, de 12 de Dezembro, por restringir os direitos das Associações de Estudantes. A denúncia prolongar-se-á, envolvendo o futuro Presidente Geral da JUC, João Bénard da Costa (1957-58) e Carlos Portas, Presidente da Associação de Estudantes de Agronomia e Presidente diocesano da JUC. É o tempo em que o «Encontro» ganha protagonismo crítico – sendo Pedro Tamen chefe de redação e envolvendo Nuno Cardoso Peres (que viria a professar como dominicano, Frei Mateus Peres, O. P.), Cristovam Pavia, Nuno Bragança, Nuno Portas, José Domingos Morais, José Escada e M. S. Lourenço. Este será o grupo que acompanhará Alçada na sua editora.

“Que não desistam de pensar”

Pode dizer-se que, a partir do ano emblemático de 1958, António Alçada Baptista deu, nos meios culturais (demarcando-se do jacobinismo e do coletivismo), com a Livraria Morais e depois com a revista «O Tempo e o Modo», contributo decisivo para o termo da chamada «frente nacional» de Salazar, do mesmo modo que deram, nos meios militares, a candidatura presidencial do General Humberto Delgado, antigo símbolo das Forças Armadas fiéis ao regime, e, na Igreja Católica, o memorando do Bispo do Porto dirigido ao Presidente do Conselho. Estava, no fundo, em causa o que afirmaria na «Peregrinação Interior»: «Peço e insisto com os senhores especialistas de povos e planificadores de impérios que não se deem por contentinhos com o trabalho que estão a fazer e peço a todos os incomodados do mundo que não desistam de pensar como é que isto se pode consertar».

Importa, deste modo, referir o papel desempenhado pela Livraria Moraes. António Alçada Baptista lançou, exatamente em 1958, o projeto renovador da Moraes, que acompanhará as profundas mudanças que se verificavam e anunciavam. Tratou-se de criar um movimento de opinião centrado em leigos católicos (com apoio de alguns clérigos) capaz de seguir e concretizar o programa de Emmanuel Mounier de unir católicos e não católicos no combate contra a «desordem estabelecida», que o mesmo seria dizer, romper com a cumplicidade da Igreja Católica em relação ao regime de Salazar. Assim, ao contrário do que muitas vezes se pretende, como se disse, a ideia fundamental de António Alçada Baptista não tem a ver com a criação de um Partido Democrata-Cristão. Para o desmentir, basta ler-se atentamente os textos publicados nas coleções «O Tempo e o Modo» e «Círculo do Humanismo Cristão». E percebe-se que está em causa algo de muito diferente – o que altera totalmente a ideia de que Alçada Baptista viu derrotado o seu projeto político. O que AAB desejava era encontrar uma convergência de movimentos e opiniões que permitisse uma transição pacífica de contornos abertos e cosmopolitas, segundo a lógica das democracias ocidentais. A ligação ao Congresso para a Liberdade da Cultura (e o forte papel desempenhado por Pierre Emmanuel) é um sinal dessa orientação. Trata-se de tornar ativo, em Portugal, um grupo de intelectuais sem vocação partidária ou até cristã. Do mesmo modo, a ideia, não concretizada de «O Pacto», influenciada pela comunidade de Mounier nos arredores de Paris, também nada tem a ver com um movimento político. É certo que, aquando da fundação de «O Tempo e o Modo», Mário Soares, Salgado Zenha e Jorge Sampaio participam. E Mário Soares pretendia que AAB fosse a personalidade aglutinadora de uma corrente política democrata-cristã – no entanto esse entendimento deparava com a posição contrária do próprio António Alçada Baptista e da maioria dos seus companheiros (para quem não deveria haver uma política cristã, mas cristãos livres, sem movimentos confessionais, na política).

Recorde-se o poema de Ruy Belo, que no seu início diz: «Nós os vencidos do catolicismo / que não sabemos já donde a luz mana / haurimos o perdido misticismo / nos acordes dos carmina burana // Nós que perdemos a luta da fé / não é que no mais fundo não creiamos / mas não lutamos já firmes e a pé / nem nada impomos do que duvidamos». Sentimos, com muita nitidez, o ambiente geral do tempo observado. E há um drama evidente, que tem a ver com a claustrofobia sentida numa sociedade que, sem pluralismo, tendia a separar as opções entre o nosso e o contra nós. Aliás, é a mistura entre o ambiente político dos dias finais da autocracia com a crise da Igreja pós-conciliar que torna especialmente dramática a situação portuguesa. Afinal, como afirma o Padre Manuel Antunes, não estamos perante uma questão puramente portuguesa, apesar de ganhar aqui (como em Espanha) contornos especiais em razão dos constrangimentos políticos existentes. Daí que entre os católicos os acontecimentos que a obra refere tenham sido sentidos como ferida aberta, em carne viva – facto bem simbolizado não só na fotografia do Engº Francisco Lino Neto, com a cabeça ensanguentada, depois de ser atingido pela polícia de choque na manifestação de apoio ao General Delgado, mas também nos doloridos poemas de Ruy Belo da fase final. E o poeta dirá, profeticamente: «a história do catolicismo português atual, a fazer um dia, não pode deixar de ser uma história dolorosa». Aliás, a afirmação «não é que no mais fundo não creiamos» revela um carácter de escolha decisiva, que leva o poeta, bem como o Padre José Felicidade Alves, de modo diferente, a uma corajosa demarcação de posições. Nada poderia continuar na mesma. A conciliação confundia-se com traição, e isso era impensável. Afinal, lidas as Escrituras, o escândalo da contradição era enorme e insofismável. «Nesta vida é que nós acreditamos / e no homem que dizem que criaste / se temos o que temos o jogamos / “Meu deus meu deus porque me abandonaste?”». Sente-se a dúvida e a revolta… Como afirma Sérgio Campos Matos: «A modernidade passava também por uma espiritualidade renovada, liberta de dogmas e constrangimentos, aberta aos problemas humanos concretos, ao pulsar da vida, às culturas de protesto que a juventude dos anos 60 ia difundindo numa sociedade bloqueada. Compreende-se que, por essa época, a ‘crise da Igreja’ e até mesmo a ‘crise da civilização’ (P. Manuel Antunes) fizessem parte do léxico dos católicos que ousavam adotar um pensamento crítico». Se João Miguel de Almeida em “A Oposição Católica ao Estado Novo” nos faz uma descrição histórica passo a passo desse tempo, Jorge Revez, em «Os “Vencidos do Catolicismo” – Militâncias e Atitudes Críticas (1958-1974)», analisa o drama, centrado em dois caminhos individuais e na sua inserção na história portuguesa. Daí a interrogação sobre o «vencidismo», mesmo entendendo-se que não há uma geração com coerência intrínseca, nem um projeto marcado.

O “aggiornamento” e o “descomprometimento” da Igreja

É o tempo do «aggiornamento» que levará ao Concílio Vaticano II e que coincidirá com o progressivo «descomprometimento» da Igreja Católica com o Estado Novo. No Concílio intervêm D. António Ferreira Gomes e D. Sebastião Soares de Resende. Em 1959, diversos católicos (como Manuel Serra) participam na tentativa de golpe da Sé. Recordem-se, aliás, o documento de Francisco Lino Neto «Considerações dum Católico sobre o Período Eleitoral» (Junho de 1958), os abaixo-assinados de 1959 e o «manifesto dos 101» (de Outubro de 1965). Trata-se de textos fundamentais sobre a necessidade da democratização, sobre a polícia política e sobre a autodeterminação dos povos de África. No último caso, Nuno Bragança empenhou-se pessoalmente em assegurar que o Cardeal Cerejeira recebesse no Vaticano, onde se encontrava, um pedido para não desautorizar os católicos signatários desse documento que punha o dedo na ferida dos temas do pluralismo e do futuro de África. De facto, o Prelado recebeu o empenho e não pôs em causa diretamente os católicos signatários, o que os deixou satisfeitos, indo António Alçada Baptista ao Aeroporto da Portela para receber o Cardeal em sinal de reconhecimento.


A ida do Papa Paulo VI ao Congresso Eucarístico de Bombaim (1964) gera forte polémica. Em 1965, o fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores leva a que o CNC, sob a presidência de Sophia de Mello Breyner, acolha os autores espoliados da sua associação. Nasce entretanto o «Direito à Informação» (com Maria Natália e Nuno Teotónio Pereira, António Jorge Martins e Frei Bento Domingues), e verifica-se que são os cristãos a colocar com maior ênfase a questão colonial e a autodeterminação… «Tenho uma dor chamada Portugal / país defunto talvez unto para nações vivas / Portugal meu país de desistentes / terra mordida por soares dos reis / por antero camilo ou trindade coelho / Suicidou-se nestes homens o país / um país de província Portugal…». Assim se exprime Ruy Belo. É uma reflexão do português e do cristão. E António Alçada sublinha a contradição dramática: «Falou-se então na morte de Deus. Na verdade, era necessário que esse Deus morresse porque estava a tomar o lugar de um outro que se confundia com o mistério da nossa liberdade que é também a consciência de enfrentar um mistério que é a essência do novo Deus que se anunciava»… Jorge Revez procura dar-nos a chave do que, para si, está em causa, unindo os temas ligados: «o vencidismo desses católicos foi, provavelmente, o resultado ou a expressão de um processo de deslocação cuja movimentação principal seria a da secularização, em que, inconformados com a estrutura religiosa de que faziam parte e face às novas dimensões da experiência humana com as quais vinham contactando, optaram pela rutura». Quando Sophia de Mello Breyner Andresen diz na vigília da Paz de 1969 «vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar», é o alerta em nome da liberdade que se ouve. Estamos perante a recusa do fatalismo. O «rompimento é também, em última análise, uma busca de autenticidade na vivência de uma fé que muitas vezes não se esvaziou por completo, apesar do anterior denominador comum, a igreja, nos finais dos anos 60, ter perdido a sua capacidade mobilizadora e envolvente no quadro da experiência religiosa». O fenómeno é, assim, amplo, tendo a ver com a secularização e com a modernização (política e social) do País, mas também de um nova exigência de espiritualidade e de defesa da dignidade da pessoa humana. Estamos diante de uma Igreja em busca de recomposição.

(subtítulos da responsabilidade do RELIGIONLINE)
(Próximo texto, dia 1 de Abril: Documentos de um desencontro O caso do padre Felicidade Alves )

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