Comunidade já estabelece pontes concretas
com crentes de muitas religiões, ultrapassando a sua vocação ecuménica
Bacary Dieme, 38 anos, vem do
Senegal, é muçulmano, mas isso não o impede de rezar numa igreja cristã: “É uma
ocasião de descobrir como os cristãos rezam. Voltamo-nos todos para o mesmo
Deus, no interior de cada um, e isso é o mais importante.”
O senegalês esteve em Taizé, a
comunidade da Borgonha (França), que reúne monges católicos e protestantes. Nos
mesmos dias, cinco monges budistas, um hindu, outros oito muçulmanos e dois
judeus estiveram também na aldeia, para as celebrações aniversárias da
comunidade.
O rabino judeu Levi Weiman-Kelman,
de Jerusalém, foi mesmo convidado pela comunidade a fazer a oração inicial da
refeição de Taizé com os seus convidados – que incluíam uma centena de
responsáveis religiosos, entre os quais um enviado do Papa e o patriarca de
Lisboa.
A presença destes líderes de
outras religiões em Taizé é um dos testemunhos de que, além da vocação
ecuménica e de reconciliação entre os cristãos, Taizé assume já também um
importante papel no diálogo inter-religioso.
Bacary conhece há 15 anos a
pequena comunidade de três irmãos de Taizé que vive em Dacar (Senegal).
Foram eles que o convidaram a vir
a França, para a semana que assinalou os aniversários da comunidade: o
centenário do nascimento do irmão Roger, os 10 anos da sua morte (16 de Agosto)
e os 75 anos da sua chegada a Taizé (20 de Agosto).
No ano 2000, quando Bacary regressou
a casa depois de fazer o exame de acesso à universidade, percebeu que não tinha
condições para estudar.
Os monges de Taizé propuseram-lhe
que passasse a viver na sua casa, tal como acontecia com mais dois jovens
cristãos, partilhando a vida comum.
Deram-lhe, ainda, ferramentas para
que ele e alguns amigos se tornassem pequenos empresários: “Comprámos tecidos
para fazer camisas e vender.”
Licenciado em economia e gestão,
doutorado em finanças, Bacary trabalha agora num instituto para aposentados.
Casado desde Janeiro de 2012, tem um filho com três meses.
A sua experiência com os irmãos
aprofundou o que já vivera com a avó, muçulmana numa aldeia de maioria cristã,
com quem crescera: “Cada um é uma pessoa, antes de ser budista, cristão ou
muçulmano.”
Claudio Monge, 47 anos, padre
dominicano italiano a viver em Istambul (Turquia), há doze anos, diz o mesmo
por outras palavras: “Não são as religiões que coexistem, são pessoas
concretas. Não há islão nem cristianismo, há muçulmanos e cristãos que encarnam
aspectos do cristianismo e do islão.”
Em Taizé, Bacary rezou várias
vezes na Igreja da Reconciliação. “Ninguém me forçou a ir. Rezar é uma atitude
interior, voltamo-nos todos para o mesmo Deus, cada um com a sua forma de
rezar. O que me interessa é o meu caminho interior.”
Claudio Monge, que animou vários
debates em Taizé, nos últimos dias, acrescenta: para dialogar, é necessário
“começar com um desejo comum e não com o medo do outro”. E o único modo de
superar o medo é o “encontro pessoal”.
Foi com essa convicção que muçulmanos
e cristãos no Norte da Nigéria organizaram encontros entre ambas as
comunidades. Numa região onde o grupo Boko Haram tem atacado comunidades
cristãs, John Paul, 27 anos, membro da Juventude Estudantil Católica nigeriana,
contou que é possível criar laços entre as pessoas.
No actual momento histórico, tem
de se “ir para lá da visão primária sobre o outro”, diz Claudio Monge. Os
estereótipos, sejam “culturais, raciais, sexuais ou religiosos, são perigosos”.
O padre italiano admite que o
diálogo teológico é fundamental: “Só se conheço a minha fé posso ter a
respiração universal para entender a fé do outro.”
Mais que a teologia, deve ser a
antropologia a fazer a ponte, diz. E acrescenta: “Para mim, Jesus Cristo dá
acesso a Deus. Por isso, um muçulmano também me interessa como pessoa, pois conduz
a Deus.”
E se olharmos para mais longe?
Keiji Utebi, pastor da Igreja Unida de Cristo, do Japão, professor e capelão da
Universidade Kwansei Gakuin, diz que “a essência do Evangelho – alegria, simplicidade
e misericórdia – não está longe das tradições espirituais japonesas”.
Também aí o encontro é possível,
diz. E recorda o ritual do chá, ou a omotenashi,
a hospitalidade japonesa. “Tem uma grande similitude com a hospitalidade de
Abraão ou Jesus a acolher o outro.”
(Texto anterior neste blogue:
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