Como a partir de quase nada se
pode fazer um percurso artístico com cenas bíblicas
Pedro salvo das águas, um dos quadros do caminho feito
a partir de cascas de bambu, em Taizé (foto Isabel Duarte)
Clarisse Lutumbu, 29 anos, vem da
República Democrática do Congo. Acaba de fazer o Caminho de Evangelho: durante
este Verão, em Taizé, os jovens vão, através da arte feita com colagens de
restos de árvores, percorrendo 18 cenas do evangelho.
É uma forma de meditação, reflexão
e oração. Clarisse está desempregada há um ano, depois de terminado o curso de
economia e desenvolvimento do território. Passou o ano a enviar currículos. Por
isso, ficou presa à cena em que Jesus salva Pedro das águas.
“Sinto-me como Pedro, com
possibilidades de reviver. Tenho confiança no Senhor, talvez consiga retirar algo
da vida”, diz, no final do Caminho de Evangelho.
Esta proposta segue o percurso da
Fonte de Santo Estévão, que sai de Taizé e desce, pelo meio de um bosque, em
direcção a um pequeno lago – onde está a fonte.
O bosque é, na aldeia da
comunidade de monges católicos e protestantes, lugar de quietude e serenidade, silêncio
e meditação pessoal. Agora, foi acrescentado com este caminho de reflexão
pessoal: dezoito quadros, como pequenos oratórios.
Wilfried Golissikinde, 23 anos, do
Benim, fez o caminho com Clarisse e mais duas dezenas de jovens. Estuda gestão
de projectos. Decidiu fazer a experiência porque outros já lhe tinham falado.
“Não tenho muita ocasião para meditar e ter tempo para mim mesmo.”
Os jovens são ajudados na etapa
inicial por um dos irmãos da comunidade e por uma folha que resume a cena
bíblica e propõe uma frase de reflexão. Seguem, depois, cada um ao seu ritmo.
A cena que mais tocou Wilfried foi
a de Jesus a lavar os pés aos discípulos. “A humildade de Jesus é tocante.”
De origem suíça, o irmão Denis vive
em África desde 1977 com alguns intervalos. É ele o autor das peças de arte. “Vejo-as
como artesanato”, corrige, “como um livro de imagens”, como “um jogo”, em que
se fixaram, como nuns esquissos, diferentes cenas do evangelho.
“Não há rostos, o que permite não
encerrar as figuras numa representação muito exacta”, diz à Ecclesia, em Taizé,
onde veio para a semana que assinalou as três datas aniversárias: 100 anos do
nascimento e dez anos da morte do irmão Roger, e 75 anos da sua chegada a Taizé
(a 20 de Agosto).
Apesar dos tons, “não é arte
africana: tudo é negro porque os materiais são negros”. A base é madeira de bambu,
uma forma de mostrar aos jovens que, “com poucos meios, quase a partir do nada,
se pode criar”.
Arquitecto de formação, o irmão
Denis é o autor da Igreja da Reconciliação, em Taizé. Na comunidade desde 1958,
viu-se sem trabalho de arquitectura quando foi para África.
Foi o irmão Luc que, na fraternidade
de Nairobi, onde está desde 2010, o provocou a utilizar os restos das árvores
que os rodeiam para criar obras de arte.
Um eucalipto gigante diante da
casa, que todos os anos perde metros quadrados de casca condenada a apodrecer
no chão, “é uma matéria muito bela para trabalhar”. Mas também há bananeira, acácia,
bambu, araucária...
“As árvores à nossa volta é que
ajudaram a criar estas peças. Comecei a colar e a fazer coisas abstractas e,
depois, pus os títulos”, conta. Assim surgiram “pequenos tesouros” como a Sarça
ardente, Árvore da vida, Escada de Jacob.
Já neste ano, o actual prior de
Taizé, o irmão Alois, perguntou: “E porque não peças como estas para marcar o
caminho até à Source Saint Etienne?”
O irmão Denis acabou por dizer que
sim. Optou por um Caminho de Evangelho que começa com as cenas da anunciação e
da visitação, do nascimento de Jesus, da fuga para o Egipto e do baptismo.
Da vida pública e itinerante de
Jesus, há uma cura, Pedro salvo das águas, a transfiguração, o bom pastor e a
ressurreição de Lázaro.
Da paixão de Jesus, representou o
lava-pés, a oração no Getsémani, a crucifixão e a morte na cruz. Finalmente, há
ainda a ressurreição, o encontro com os discípulos de Emaús, a ascensão de
Jesus e o Pentecostes.
“São cenas do evangelho,
protótipos do que poderia ser um caminho de peregrinação à volta da
fraternidade”, comenta o irmão Denis.
Clarisse confirma, no final do
caminho: “Foi uma forma original de fazer meditação com arte e contemplar a
natureza. Foi como que uma refontalização.”
Texto anterior neste blogue:
Muçulmanos, judeus, budistas, hindus: a vocação inter-religiosa de Taizé
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