domingo, 23 de agosto de 2015

Taizé: Um caminho de evangelho feito com pequenos tesouros de casca de bambu

Como a partir de quase nada se pode fazer um percurso artístico com cenas bíblicas


Pedro salvo das águas, um dos quadros do caminho feito 
a partir de cascas de bambu, em Taizé (foto Isabel Duarte)

Clarisse Lutumbu, 29 anos, vem da República Democrática do Congo. Acaba de fazer o Caminho de Evangelho: durante este Verão, em Taizé, os jovens vão, através da arte feita com colagens de restos de árvores, percorrendo 18 cenas do evangelho.
É uma forma de meditação, reflexão e oração. Clarisse está desempregada há um ano, depois de terminado o curso de economia e desenvolvimento do território. Passou o ano a enviar currículos. Por isso, ficou presa à cena em que Jesus salva Pedro das águas.
“Sinto-me como Pedro, com possibilidades de reviver. Tenho confiança no Senhor, talvez consiga retirar algo da vida”, diz, no final do Caminho de Evangelho.
Esta proposta segue o percurso da Fonte de Santo Estévão, que sai de Taizé e desce, pelo meio de um bosque, em direcção a um pequeno lago – onde está a fonte.
O bosque é, na aldeia da comunidade de monges católicos e protestantes, lugar de quietude e serenidade, silêncio e meditação pessoal. Agora, foi acrescentado com este caminho de reflexão pessoal: dezoito quadros, como pequenos oratórios.
Wilfried Golissikinde, 23 anos, do Benim, fez o caminho com Clarisse e mais duas dezenas de jovens. Estuda gestão de projectos. Decidiu fazer a experiência porque outros já lhe tinham falado. “Não tenho muita ocasião para meditar e ter tempo para mim mesmo.”
Os jovens são ajudados na etapa inicial por um dos irmãos da comunidade e por uma folha que resume a cena bíblica e propõe uma frase de reflexão. Seguem, depois, cada um ao seu ritmo.
A cena que mais tocou Wilfried foi a de Jesus a lavar os pés aos discípulos. “A humildade de Jesus é tocante.”
De origem suíça, o irmão Denis vive em África desde 1977 com alguns intervalos. É ele o autor das peças de arte. “Vejo-as como artesanato”, corrige, “como um livro de imagens”, como “um jogo”, em que se fixaram, como nuns esquissos, diferentes cenas do evangelho.

“Não há rostos, o que permite não encerrar as figuras numa representação muito exacta”, diz à Ecclesia, em Taizé, onde veio para a semana que assinalou as três datas aniversárias: 100 anos do nascimento e dez anos da morte do irmão Roger, e 75 anos da sua chegada a Taizé (a 20 de Agosto).
Apesar dos tons, “não é arte africana: tudo é negro porque os materiais são negros”. A base é madeira de bambu, uma forma de mostrar aos jovens que, “com poucos meios, quase a partir do nada, se pode criar”.
Arquitecto de formação, o irmão Denis é o autor da Igreja da Reconciliação, em Taizé. Na comunidade desde 1958, viu-se sem trabalho de arquitectura quando foi para África.
Foi o irmão Luc que, na fraternidade de Nairobi, onde está desde 2010, o provocou a utilizar os restos das árvores que os rodeiam para criar obras de arte.
Um eucalipto gigante diante da casa, que todos os anos perde metros quadrados de casca condenada a apodrecer no chão, “é uma matéria muito bela para trabalhar”. Mas também há bananeira, acácia, bambu, araucária...
“As árvores à nossa volta é que ajudaram a criar estas peças. Comecei a colar e a fazer coisas abstractas e, depois, pus os títulos”, conta. Assim surgiram “pequenos tesouros” como a Sarça ardente, Árvore da vida, Escada de Jacob.
Já neste ano, o actual prior de Taizé, o irmão Alois, perguntou: “E porque não peças como estas para marcar o caminho até à Source Saint Etienne?”
O irmão Denis acabou por dizer que sim. Optou por um Caminho de Evangelho que começa com as cenas da anunciação e da visitação, do nascimento de Jesus, da fuga para o Egipto e do baptismo.
Da vida pública e itinerante de Jesus, há uma cura, Pedro salvo das águas, a transfiguração, o bom pastor e a ressurreição de Lázaro.
Da paixão de Jesus, representou o lava-pés, a oração no Getsémani, a crucifixão e a morte na cruz. Finalmente, há ainda a ressurreição, o encontro com os discípulos de Emaús, a ascensão de Jesus e o Pentecostes.
“São cenas do evangelho, protótipos do que poderia ser um caminho de peregrinação à volta da fraternidade”, comenta o irmão Denis.

Clarisse confirma, no final do caminho: “Foi uma forma original de fazer meditação com arte e contemplar a natureza. Foi como que uma refontalização.”

Texto anterior neste blogue: 
Muçulmanos, judeus, budistas, hindus: a vocação inter-religiosa de Taizé

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